“Falsos profetas virão, muitos se ajoelharão e ouvirão, mas só os fortes verão, o inverno travestido de verão.” – BK’
É interessante ver como a ascensão da extrema-direita no governo de países democráticos sempre tem uma ligação com três características principais: uma crise recente, uma volta ao um passado dito próspero e mentiras, ou hoje em dia, fake news.
Minha ideia com esse breve texto não é igualar a extrema-direita fascista com a nazista e a atual, cada uma tem suas particularidades, cada uma responde a uma dada situação histórica, mas todas elas têm a meu ver esses elementos em comum, mesmo que aplicados de modos diferentes, além disso, quero me atentar ao que a extrema-direita brasileira tem como pano de fundo.
Na Itália, o fascismo vem logo após a Primeira Guerra Mundial, aquela que evidencia as ambições imperialistas dos países europeus, a proposta de uma terceira via ao liberalismo e socialismo aparece, indo de encontro a um passado idílico em que o centro do mundo era Roma, onde havia ordem e harmonia. As mentiras sobre o que é o socialismo científico e a contra-propaganda a revolução russa já tem sua forma nos discursos fascistas, eles são os seus piores inimigos.
Na Alemanha não se difere muito no quesito das três ideias, a crise mundial de 1929 dá um impulso grande a ascensão do nazismo, o passado vem na forma de dar ao povo alemão aquilo que era seu muitos anos atrás, que permitia sua prosperidade, quando eram apenas os arianos puros que viviam na tal terra, a doutrina do Lebensraum (espaço vital expõe bem isso), e claro, a propaganda mentirosa, falaciosa e antissemita é uma parte essencial para a popularização das ideias nazistas.
Aqui, a extrema-direita personalizada na figura de Jair Bolsonaro tem isso em sua candidatura, a recente crise econômica e politica brasileira, efeito da Lava Jato e também da crise mundial de 2008, a volta ao progresso “econômico e moral” da ditadura, progresso no qual a desigualdade social disparou[1], onde houve a desvalorização real do salário-mínimo (não importa se aumenta o valor dele se todos os outros itens aumentam também) e o qual preservou a moral por meio da censura e da limitação das liberdades democráticas.
A candidatura de Bolsonaro tem entretanto um elemento que o faz se popularizar que é peculiar as outras ascensões de candidatos de extrema-direita, as fake news nas redes sociais. Uma pesquisa recente mostrou que 6 em cada 10 eleitores do candidato se informam pelo WhatsApp[2], outra demonstra que 96% das fake news são disseminadas pelo aplicativo[3]. Em momentos anteriores, o modo como se espalhava algo falso ainda era relativamente demorado e poderia se ter um pouco mais de reflexão já que não havia um bombardeio de ideias e pessoas a cada notificação.
Aqui entra uma contextualização importante, o processo no qual o conservadorismo cresce ao redor do mundo vem diretamente das politicas neoliberais que fazem parte da tentativa de reestruturação do capitalismo a partir dos anos 70[4]. Governos começaram a ter planos de austeridade, cortes nos investimentos públicos e uma abertura ainda maior ao setor privado para fazer o que bem entender com a sociedade, dando a liderança desse movimento está o Reino Unido de Margaret Thatcher e os Estados Unidos de Ronald Reagan.
Qual a relação desses cortes orçamentários das contas públicas com o conservadorismo?
No Brasil, a implementação das politicas de austeridade começam já no governo de Dilma Rousseff com a adoção da “Agenda Fiesp”, termo cunhado pela economista Laura Carvalho, mas são intensificadas a partir do golpe jurídico-parlamentar de 2016, com a estadia de Michel Temer na presidência os pacotes das contrarreformas são aprovados, porém, o governo é extremamente antipopular, tendo apenas 3% de aprovação[5]. É necessário uma nova cara as politicas neoliberais, uma que não foque exatamente nas medidas econômicas antipopulares, uma que atenda aos anseios da população por mais segurança e menos corrupção.
Essa figura vem representada na pessoa de Jair Messias Bolsonaro, com seu discurso de extrema-direita e focado principalmente na questão da segurança e da corrupção, se aproveitando da crise econômica e de representação politica, ele atende aos anseios não somente dessa nova fase neoliberal do capitalismo mas, mas de grandes setores da população brasileira, que podem comprar mais facilmente sua candidatura pelo senso comum que ela traz e pelo que a falta de debate de certos assuntos no Brasil proporcionou ao longo do tempo, um silencio. E quando reina o silencio, o preconceito prevalece.
Um politico que por muito tempo não teve grandes conquistas, com apenas 2 projetos aprovados no congresso em 27 anos no lugar[6], o qual esteve no Partido Progressista de 2005 a 2016, um dos mais corruptos de acordo com a Lava Jato[7], que empregava familiares para ganhar salários altíssimos sem fazer algo de produtivo a sociedade[8]. Um politico que atendeu as contrarreformas do governo Temer, que está atualmente no partido que mais estava concordando com o que ele propunha[9]. Um politico que se diz nacionalista e patriota, mas que votou a favor da venda do pré-sal ao mercado externo a preço de banana[10] e que diz que vai procurar estreitar mais os laços com os Estados Unidos, aquele mesmo país que enriquece dos outros mercados sem dar espaço para eles terem uma independência econômica, principalmente da América Latina, Africa e Sudeste Asiático. Um politico que tem um histórico de colocações racistas, machistas e homofóbicas, mas que tinha um discurso estatizante que mudou para agradar os interesses do mercado.
Interesses que vão na contramão dos interesses da classe trabalhadora, da maioria da população brasileira, que não percebe isso por estar num contexto politico em que a alienação tem um grau extremamente acentuado devido aos fracassos do que é a democracia burguesa.
A quantidade e o modo de fabricação de mentiras para corroborar com a falsa realidade que Bolsonaro transmite, faz com que sua popularidade aumente, de acordo com a essa lógica, “não há como Bolsonaro estar errado, já que todas as outras fontes de informações são as que mentem”. Como mostra uma reportagem do Intercept, a campanha de Bolsonaro já sabia que uma matéria sobre sua separação iria ser feita e uma jornalista sem credibilidade fez uma afirmação falsa e absurda de que a revistaque publicou recebeu 600 milhões de reais para manchar a imagem dele[11].
O que entender e fazer a partir disto?
É com a compreensão de que a candidatura de Bolsonaro não é um fato politico inusitado na história do capitalismo que devemos guiar nossas ações, ela tem vários elementos que são ainda mais complexos do que os que foram demonstrados aqui, porém o essencial é que não é algo novo. É preciso retirar a máscara que Bolsonaro fez para ele, retirar o mito dessa história fajuta, mostrar a classe trabalhadora que inúmeras propostas que ele tem vão prejudicar ainda mais a sua vida, que ele não trará segurança, que ele não acabará com a corrupção, que ele não vai fazer o Brasil um país mais justo e igualitário, que num possível governo de Bolsonaro há maiores chances de um acirramento das desigualdades, de uma continuação do genocídio da população jovem negra, da marginalização da população LGBT, do descaso com as pautas das mulheres como o direito ao ter o controle de seu próprio corpo e o de não ser violentada.
Um dos meios mais eficazes de combatermos candidaturas como essa e toda a legitimação a pessoas que pensam da mesma forma, é por meio da nossa maior combatividade, da nossa mobilização, da nossa informação crítica e do reconhecimento da consciência de classe que temos e que podemos demonstrar a população que desacredita nos políticos que respondem aos interesses privados apesar de terem votos de grandes partes da população que uma transformação social é possível, que o poder popular é possível.
Termino esse texto com um poema de Bertold Brecht, intitulado “A esperança do mundo”:
Seria a opressão tão antiga quanto o musgo dos lagos?
Não se pode evitar o musgo dos lagos.
Seria tudo o que vejo natural, e estaria eu doente, ao desejar remover o irremovível?
Li canções dos egípcios, dos homens que construíram as pirâmides.
Queixavam-se do seu fardo e perguntavam quando terminaria a opressão.
Isto há quatro mil anos.
A opressão é talvez como o musgo, inevitável.
Se uma criança surge diante de um carro, puxam-na para a calçada. Não o homem bom, a quem erguem monumentos, faz isso
Qualquer um retira a criança da frente do carro.
Mas aqui muitos estão sob o carro, e muitos passam e nada fazem.
Seria porque são tantos os que sofrem? Não se deve mais ajudá-los, por serem tantos? Ajudam-nos menos.
Também os bons passam, e continuam sendo tão bons como eram antes de passarem.
Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais parecem seus sofrimentos, portanto. Quem deseja impedir que se molhem os peixes do mar?
E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e deixam que lhes falte bondade entre si.
É terrível que o homem se resigne tão facilmente com o existente, não só com as dores alheias, mas também com as suas próprias.
Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas recusam-se a apelar à compaixão de uns por outros.
Mas a compaixão dos oprimidos pelos oprimidos é indispensável.
Ela é a esperança do mundo.
Referências
[1] https://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/29/economia/1446146892_377075.html
[8] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/12/1941623-bolsonaro-empregou-e-promoveu-a-mulher-em-gabinete-na-camara.shtml
https://exame.abril.com.br/brasil/funcionario-fantasma-irmao-de-jair-bolsonaro-e-exonerado/