Metade de todos os adultos nos EUA irão desenvolver pelo menos um transtorno mental durante toda sua vida, com 45 milhões de pessoas experienciando problemas psiquiátricos em um dado ano. As taxas de suicídio estão atualmente em uma alta que não se via a 30 anos, o abuso de substancias se tornou epidêmico, e uma nova cultura de fraca conexão máscara um fenômeno de isolamento social. Da cidade aos subúrbios, virtualmente todo mundo tem sofrido ou conhece alguém que sofre mentalmente.
A maioria das instâncias de problemas de saúde mental não são tratadas, dado uma combinação de estigma social e uma falta de acesso a esses cuidados. O mais sortudo de nós irá se consultar regularmente com um terapeuta que vai nos prometer nos consertar e ajudar a nos ajustarmos a uma sociedade educada, possivelmente com o auxilio de medicação para corrigir nas “desigualdades químicas”.
Mas os sintomas estão tão espalhados pela nossa população, que devemos perguntar: E se corrigir a nós mesmos não for o bastante? E se o problema for mais profundo: pensando que aquele desconforto, aquela miséria e a solidão estão entranhadas no próprio tecido do nosso sistema social? Nós sabemos a muito tempo que nossas condições sociais – tudo desde nosso ambiente físico, a nossa história socioeconômica, as crenças culturais dominantes – tem uma grande influencia sobre a nossa saúde psicológica. É hora, então, que nós sejamos mais precisos sobre qual é a raiz da crise sobre a saúde mental; é hora de identificarmos esse sistema pelo seu nome: capitalismo.
Uma Sociedade Ansiosa
No coração de muitos dos problemas que concernem a saúde mental é percebido uma falta de controle sobre as circunstâncias das pessoas, ou um medo de forças externas. De acordo com o psiquiatra irlandês, Peadar O’Grady:
O termo “ansiedade” é usado particularmente quando a ameaça não é imediata ou ela é nebulosa, mas ainda se sente um medo por outro nome… Tanto se o particular problema de saúde mental não envolve uma maior desorganização do pensamento e da percepção (tradicionalmente chamada de neurose) ou é severa com a desorganização do pensamento e da percepção (psicose) ou funcionamento do cérebro (delírio ou demência), o medo continua sendo um componente central de sofrimento e desconforto.
Sob essa luz, as conexões entre economia política e as doenças mentais se torna clara; o que é o capitalismo, se não um sistema que se impõe a maioria da população pelo constante medo e insegurança? Por quarenta anos, os salários vêm se estagnando ou caindo na maioria das casas, enquanto aqueles que ainda conseguem ter um trabalho estável normalmente trabalham mais horas que um ordinário plebeu medieval. Alugueis caríssimos colocam pessoas para fora de suas casas, destruindo comunidades e deixando pessoas na rua. As mídias sociais nos deixam mais do que nunca conectados online, nós fazendo sair da vida real. Pressões e expectativas colocadas por departamentos corporativos de marketing colocam nossa autoestima para baixo e induzem a desenvolver problemas de alimentação em adolescentes. Espaços públicos são escassos e cada vez mais privatizados, trancando para fora aqueles que não tem os meios de pagar pelo luxo da interação humana (quantos lugares você pensa que pode sentar por uma hora para conversar com um amigo, sem comprar algo ou pagar alguma taxa?).
A Psicologia dos Mercados
Mesmo assim, o alcance do capitalismo se estende para muito mais além de seus efeitos econômicos; ele também forma nossa ideologia e como nós percebemos nosso lugar no mundo. O capitalismo moderno, com sua inabalável fé nos mercados desregulados, na privatização da esfera pública, na austeridade, contribuiu com certeza para nossa miséria financeira, levando a uma massiva desesperança e ansiedade. Mas longe de estar confinado a uma política econômica, o capitalismo contemporâneo (chamado de “neoliberalismo”) também incorpora uma crença filosófica em que o interesse próprio e a competição, não a cooperação, deve estar em todos os aspectos de nossas vidas. De modo curto, nosso mundo é formado na imagem do mercado. Para aqueles em desconforto, o mantra tão citado de Margaret Thatcher: “Não existe tal coisa chamada sociedade”, envia uma mensagem perturbadora mensagem: “Você está na sua conta.”
O pedágio psicológico para esse pensamento extremamente baseado nas vontades do mercado é onipresente e mensurável. Uma longa linha da pesquisa das ciências sociais mostrou que pessoas desempregadas tem mais chances de estarem em depressão; já que, dentro da reinante ideologia, nossa auto-estima é mensurada pela nossa produção econômica. Além disso, como o mercado é (segundo nos dizem) um campo nivelado, sem nenhum ator aparecendo como o coordenador óbvio, aqueles que por acaso são perdedores nessa disputa global ostensivamente não têm ninguém para culpar a não ser eles mesmos. Em tal mundo, é extremamente perigoso cair abaixo da média – e ser então considerado inadequado, preguiçoso ou incapaz de puxar o próprio peso, um dependente de doações do governo e, em última análise, um fardo para a sociedade.
A maioria de nós intuitivamente compreende esse jogo e suas apostas, e isso dá um porque para nós se colocarmos para subirmos metodicamente a escada corporativa em um bom estado. Essa mentalidade carreirista também se expande para nossas interações sociais, enquanto estamos constantemente olhando nossos Facebooks, publicando fotos perfeitamente saturadas no Instagram, e expondo nossa atuação militante nas discussões de Twitter, tudo para fazer um merchandising e desenvolver nossa própria e pessoal marca. Essas não são ações dos seres humanos em seu estado natural, mas sim de uma criatura se modelando para uma empresa capitalista, uma instituição que garante com o mandato legal o máximo de lucratividade possível – que vão para os infernos as consequências sociais, éticas e ambientais. A corporação verifica muitas das características geralmente avaliadas em relação à psicopatia – manipulação, afeto superficial, falta de objetivos de longo prazo, aversão à responsabilidade – que o estudioso jurídico Joel Bakan chamou de, em seu livro The Corporation, “uma instituição patológica”. Se alguma vez encontrássemos uma pessoa que buscasse apenas buscar o interesse próprio, eles seriam considerados psicopatas; no entanto, cada vez mais, é precisamente isso que estamos fazendo e nos tornando.
Um Motor de Alienação
Além dessas ameaças diretas ao nosso bem-estar material e psicológico, a modernidade parece também ser acompanhada de um inescapável sentimento de geral vazio, isolação e falta de sentido, o qual muitos filósofos existenciais e teóricos sociais tentaram capturar e compreender. Alguns, como Durkheim, estudaram como as comunidades religiosas (ou sem isso) contribuíam para tendências suicidas. Uma figura histórica também é bastante omitida no discurso contemporâneo, o jovem Karl Marx. Em sua “teoria da alienação” desenvolvida nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844 e outros textos, Marx mostrou que a falta de sentido e a isolação da vida moderna é preparada nas relações econômicas capitalistas.
Para fazer isso, Marx pediu-nos para imaginar um artesão pré-industrial – um sapateiro, um padeiro, um tecelão – que não trabalhava para um capitalista, mas sim para ele mesmo. Tal produtor independente reteve o controle sobre seu trabalho e todo o processo criativo, de modo que seu produto era algo de que eles podiam se orgulhar e se ver; além disso, eles tiveram a satisfação de ver seu produto ser imediatamente utilizado, satisfazendo uma necessidade humana. “Nossos produtos”, concluiu Marx, “seriam tantos espelhos nos quais vimos refletidos nossa natureza essencial.” O trabalho era um ponto de alegria, significado e conexão humana.

Isso não acontece no capitalismo, onde alguém trabalha na empresa ou escritório por um salário. Aqui, o trabalhador é uma mercadoria substituível que faz o que o chefe obriga; como resultado, o trabalho não é uma vitrine para a criativa expressão própria, nem serve para preencher as necessidades de seres humanos próximos, mas sim para produzir lucro. O ato diário de trabalhar serve como prova de nossa falta de liberdade em vez de nossa humanidade; o próprio produto que sai da nossa produção aparece como um objeto exterior e alienado a nós, em vez de uma manifestação de nossa individualidade. Nas palavras de Marx: “A atividade do trabalhador não é a sua atividade espontânea. Ela pertence a outro. É a perda de si mesmo.”
A perda de significado e de agencia no trabalho – onde nós despendíamos nossa maior parte do tempo acordados – é uma grande tacada na nossa psique. No entanto, o sistema capitalista gera alienação em uma escala ainda maior. Como seres sociais dotados de poderosas faculdades mentais, estamos naturalmente preparados para cooperar e criar. Mas como o capitalismo nos obriga a brigar por empregos e recursos, nós nos vemos não como colaboradores e companheiros, mas como concorrentes. Com o tempo, esse sistema viria a ditar nossas relações sociais; agora, em uma era de competição e maximização do lucro, nos vemos como objetos – como meios para nossos vários fins, ao invés de seres multidimensionais. De fato, pesquisas feitas por psicólogos sociais como Tim Kasser descobriram que indivíduos que internalizam “o ethos materialista da cultura corporativa” exibem “atividades mais anti-sociais” e “empatia inferior”. Em suma, a relação salarial capitalista nos afasta de nosso produto, enquanto a superestrutura do mercado de trabalho nos afasta uns dos outros.
Refletindo sobre os tempos atuais, isso não é precisamente o que tem sido transparecido? Nós odiamos nossos trabalhos e temos pouco controle sobre o que fazemos – e muitas vezes não temos ideia sobre para qual propósito ele serve de qualquer modo. O trabalho parece que nos drena em vez de nos satisfazer, porque entendemos que aquelas horas não pertencem a nós; nossa vida começa onde o trabalho acaba. Na pitada de tempo livre que nos resta, tentamos consumir cada vez mais coisas, na esperança de satisfazer nosso desejo de propriedade e expressão. Mas, infelizmente, as mercadorias não fornecem satisfação duradoura; Somente a interação humana genuína e auto-expressão autêntica podem proporcionar isso. As soluções apresentadas pelo capitalismo inevitavelmente não conseguem curar o mal-estar capitalista criado.
Medicalizando a Psique
O que pode ser feito sobre tudo isso? Hoje, a seriedade da crise da saúde mental é conhecida amplamente. Existe um movimento internacional de engloba especialistas em saúde publica, assistentes sociais, e acadêmicos, que se colocaram de modo extremamente sério e sentimental para aumentar a conscientização sobre doenças mentais, tentando tirar o estigma relacionado a procura de ajuda profissional e auxiliando no aumento das condições de acesso a esse cuidado.
Entretanto a contemporânea reação medica a essa epidemia quase nunca pergunta as perguntas difíceis mas necessárias: Porque as pessoas estão fisicamente e emocionalmente isoladas? Porque nós sentimos tanta falta de controle sobre nossos destinos? Quais estruturas nessa sociedade dão a base para essas condições?
Por não ter uma crítica dos sistemas sociais no centro da crise, a comunidade de saúde mental permanece singularmente focada nos sintomas e não nas causas, e acaba vendendo paliativos, não curas. Como qualquer um que tenha visto um psicoterapeuta sabe, a premissa é que o sujeito está “doente” e, portanto, precisa ser corrigido, seja por medicação, ajustes no estilo de vida ou, por fim, mudando a mentalidade de alguém. Nos últimos anos, membros da comunidade psiquiátrica se manifestaram contra a ideologia social do campo e, especialmente, dos paradigmas dominantes da terapia, como a Terapia Comportamental Cognitiva. Como o psicanalista Robert Fancher escreve em Health and Suffering in America:
A norma básica da terapia cognitiva é a seguinte: exceto pelo modo como o paciente pensa, tudo está bem. A realidade não é patogênica. Apenas pense direito e a vida pode ser boa o suficiente. Uma pessoa deve … convencer-se de uma visão geralmente otimista de como a vida funciona neste tempo e lugar – e confinar sua imaginação a possibilidades consistentes com isso. Ela deveria sufocar as paixões que a colocariam em conflito com o status quo. Ela não deve deixar sua mente cair em pensamentos sobre a vida que podem fazê-la concluir que ela … é improvável que encontre satisfação.
Uma vez que reduzimos esse fenômeno social complexo ao campo apolítico da medicina individual, conclui-se que a solução para a epidemia de saúde mental mais ampla é apresentada como meramente a “conscientização” e “tirar os estigmas” – essencialmente esforços para canalizar pessoas para o fluxo terapêutico.
Mas, como vimos, o sofrimento mental surge em grande parte devido à discrepância entre as necessidades humanas – conexão, segurança, significado – e as condições sociais alienantes oferecidas pela sociedade. A situação da pessoa inicialmente sã está reagindo a um mundo louco, ao qual a moderna indústria da psiquiatria quer que acreditemos que a solução é melhorar o indivíduo, seja através de sessões de terapia ou de psicodependências. O falecido teórico cultural Mark Fisher resumiu a situação assim:
A privatização do estresse é um sistema de captura perfeito, elegante em sua eficiência brutal. O capital adoece o trabalhador e, em seguida, as empresas farmacêuticas multinacionais vendem drogas para torná-las melhores. A causa social e política da aflição é cuidadosamente evitada, ao mesmo tempo em que o descontentamento é individualizado e interiorizado.

A Luta Terapêutica
Como podemos ir além da psiquiatria convencional e construir um movimento para promover a saúde mental no nível social? Hoje, há poucas esperanças: uma consciência crescente entre os psiquiatras de que as normas sociais e culturais influenciam a saúde mental e os diagnósticos; pesquisa em psicologia que examina criticamente os efeitos da política e valores neoliberais; e renovado interesse nas cooperativas de trabalhadores, que promovem maior felicidade do trabalhador. Todas essas orientações devem ser exploradas, nutridas e financiadas.
Em última análise, porém, precisaremos pensar maior. A psiquiatria, por mais bem intencionada que seja, é em grande parte estruturada como um empreendimento capitalista e não aborda as causas do problema. As cooperativas de trabalhadores, enquanto isso, ainda estão sujeitas aos ditames competitivos do mercado. A situação atual exige uma política nova e radical que tire os vários aspectos da vida enquanto mercadoria o tanto quanto possível, incluindo e especialmente o trabalho humano. Em outras palavras, no final, ainda devemos enfrentar e derrotar o capital, o câncer que envenenou a modernidade.
E não há tempo a perder: parte da razão pela qual o fascismo está em ascensão em todo o Ocidente é porque dá significado às pessoas, coesão social e um senso de propósito. Esta é, naturalmente, uma coesão construída em torno da exclusão de pessoas marginalizadas, mas é uma oferta sedutora que os liberais tecnocráticos estão mal equipados para enfrentar. Felizmente, na esquerda socialista, temos indiscutivelmente as ferramentas ideológicas mais poderosas disponíveis. É curioso e sublime, embora talvez não seja coincidência, que o próprio ato da política de esquerda seja de cura social, de solidariedade e luta coletiva – exatamente o oposto do isolamento e da alienação. É nossa tarefa trazer essa linguagem e ação emancipatória de volta ao campo político.
Artigo escrito por Jimmy Wu para o site Reason in Revolt.
Texto disponível neste link.
Tradução por Andrey Santiago