Discurso realizado em 25 de junho de 1924.
Originalmente disponível no site Marxists.
Tradução por Guilherme Henrique.
[Discurso de Dora Montefiore, a única camarada representando a Austrália no 5º Congresso da Comintern em Moscou, 25 de junho de 1924. Ele foi traduzido a partir do relatório oficial do Congresso de 1924 em alemão para o inglês, em junho de 2007. Ela falava bem alemão e embora preferisse não fazer um discurso em alemão ex tempore (como na Basileia em 1912, onde ela falou em inglês e teve sua fala traduzida por Balabanoff), neste caso ela teve tempo de preparar um relatório escrito para ler. – Transcrição].
Montefiore (Austrália): Camaradas! Ao ouvir o discurso feito pelo nosso camarada inglês MacManus em resposta à declaração do camarada Zinoviev, e ao seu esclarecimento sobre a prática do Partido Comunista Inglês, percebi quão semelhante é a prática do Partido Comunista Australiano e a do Partido Inglês. Nós também temos que aderir ao Partido Trabalhista, construir uma frente única e fazer com que nosso partido realmente ganhe vida.
Sobre a questão da entrada no Partido Trabalhista, existem algumas dificuldades na Austrália que são mais complexas e mais decisivas do que as que existem na Inglaterra. Temos que desenvolver nossa capacidade de ação em um país muito grande com uma população muito pequena. A Austrália é maior do que os Estados Unidos. É vinte e cinco vezes maior do que a Inglaterra, Irlanda e Escócia e tem uma população de cinco milhões e meio de habitantes, a maioria na área costeira e nas grandes cidades costeiras. É muito difícil organizar nosso partido nestes centros separados. E então temos a dificuldade dos sindicatos australianos sempre representarem uma “Austrália branca”, isto é, que nenhum trabalhador de cor deve ser admitido na Austrália porque isso exerceria pressão sobre o nível de vida dos trabalhadores australianos. Com o capitalismo se desenvolvendo e se concentrando assim, e especialmente tendo em conta o problema sempre em ascensão de toda a região do Pacífico, seria inútil tentar ignorar a questão dos trabalhadores de cor. Nossa propaganda, nossa mensagem, não é sobre promover a mão-de-obra barata de pessoas de cor ou “coolie”¹, mas que Marx nunca disse “Proletários brancos de todos os países, uni-vos!” mas “Proletários de todos os países, uni-vos!”: assim, diante da atual ofensiva do capitalismo, não podemos aceitar qualquer exploração dos trabalhadores de cor, porque qualquer exploração desse tipo é necessariamente seguida por uma redução dos salários dos trabalhadores brancos. Precisamente da mesma forma que está acontecendo agora, quando a redução dos salários dos trabalhadores alemães no Ruhr para o nível dos “coolies” está forçando a redução dos salários dos trabalhadores ingleses e até mesmo australianos. A prática que desenvolvemos de obter acesso ao Partido Trabalhista através dos sindicatos tem sido difícil, mas eficaz. Vou exemplificar alguns resultados do que fizemos a este respeito. O Times continha um telegrama de 3 de maio dizendo que o Partido Nacional (National Party) e o Partido da Pátria (Country Party) estavam formando uma aliança para combater uma ofensiva da classe trabalhadora que estava tomando sérias proporções. A ala direita do Partido Trabalhista não é um perigo sério para o capitalismo, mas o que importa é que o PC está prestes a ingressar no Partido Trabalhista e logo pertencerá totalmente a ele e formará um elemento determinante nele. Isso é o que está aterrorizando os capitalistas neste momento. Gostaria de dizer que progredimos ainda mais, porque já temos sinais do fascismo na Austrália. Vocês verão, a partir de uma citação que vou ler, que o fascismo já está erguendo sua cabeça entre nós, o que mostra que um trabalho sério na direção da revolução mundial foi realizado. Estou citando um conselho dado ao Partido Trabalhista pelo Australasian, um jornal capitalista. Pouco antes da Conferência do Partido Trabalhista, o Australasian escreve:
Dois caminhos estão abertos para aquela parcela da Conferência que se opõe aos comunistas. Um é expulsá-los pela força, o outro é aprovar uma resolução excluindo os comunistas. Se nenhuma dessas medidas for tomada, o que pode seguir é uma divisão do Partido Trabalhista em duas frações quase equivalentes. Atualmente, comunistas e anticomunistas parecem com a mesma força em qualquer votação sobre questões relevantes, com os anticomunistas mantendo a vantagem apenas por uma maioria muito estreita.
Para destacar ainda mais esta questão, vou agora ler uma citação da Common Cause, um órgão dos mineiros da Nova Gales do Sul. Trata-se de um relatório sobre a Conferência do Partido Trabalhista, na qual foi apresentado um relatório sobre a proposta de adesão do Partido Comunista:
Nosso comitê, após consulta a vários membros experientes de ambos os Partidos Nacionais e do Partido Trabalhista da Commonwealth², é da opinião que o Partido Trabalhista Australiano é suficientemente amplo para incluir todas as seções do movimento trabalhista. Tendo em vista a provável iminência das eleições estaduais e da Commonwealth, e considerando a necessidade urgente de cooperação de todos os partidos de trabalhadores com o Partido Trabalhista Australiano para assegurar a eleição dos governos trabalhistas e para lidar com o grave problema do desemprego, o caos nas finanças da nação e os ataques extraordinariamente violentos contra os sindicatos, apelamos a todos os trabalhadores para apoiar o Partido Trabalhista Australiano não somente como múltiplos partidos, mas como um único partido. Além disso, propomos que a nova direção aceite todos os partidos operários, a fim de estabelecer a unidade, e que ao criar comitês de filiação seja autorizada a incluir os senhores Beasly e Kilburn.
Isto está acontecendo porque o Partido Trabalhista necessita imensamente do Partido Comunista nas eleições, e esperamos que tanto o governo da Commonwealth quanto o governo da Nova Gales do Sul sejam governos trabalhistas.
Temos, além disso, governos trabalhistas em Queensland, Austrália Ocidental e Austrália do Sul. Os dois últimos foram eleitos este ano. Em Queensland, o governo trabalhista está no cargo há algum tempo e, como já disse, esperamos que os governos trabalhistas da Commonwealth e da Nova Gales do Sul venham a despontar. Estes são os fatores importantes. É provável que, para atingir este objetivo, o Partido Trabalhista admita o Partido Comunista para ter uma frente unida na disputa das eleições.
O Congresso Sindical Australiano declarou ser favorável à admissão de todos os partidos e grupos verdadeiramente partidários dos trabalhadores no Partido Trabalhista, reservando-lhes o direito a sua própria propaganda e atividades organizacionais, mas exigindo sua leal aceitação das decisões da Conferência. O assunto será agora apresentado aos partidos na conferência do próximo mês, e se, como espero, a decisão for favorável ao PC, a admissão será feita na seguinte base: “Desde que o Partido Comunista seja um partido puramente de propaganda e não apresente candidatos à parte do Partido Trabalhista, ele está autorizado a se organizar dentro do Partido Trabalhista, bem como fora dele”. Uma vez que esta questão esteja resolvida, poderemos continuar trabalhando.
Certamente não preciso lhes dizer que não temos o objetivo de entrar no Partido Trabalhista para ajudá-lo de nenhuma forma. Na Austrália, tivemos nossa experiência com o Partido Trabalhista em 1911-12. Os partidos trabalhistas chegaram ao poder no governo da Commonwealth e em vários estados. Sabemos quão pouco eles foram capazes de alcançar. Sabemos que não conseguiram muito, e sabemos também que estes partidos, o partido da Commonwealth e o partido da Nova Gales do Sul, foram liderados por dois advogados, Sr. Hughes e Sr. Holman, e que, assim que a guerra eclodiu, estes dois senhores mudaram de lado, tornaram-se imperialistas, e destruíram o Partido Trabalhista. Assim, os trabalhadores sabem muito bem que, se quiserem vencer, podem confiar apenas em si mesmos, O Partido Trabalhista Australiano é muito mais revolucionário do que o Partido Trabalhista Inglês. Quando ouvimos falar do Partido Trabalhista Inglês, parece-nos absurdo que ele possa ser chamado de Partido Trabalhista. Eu gostaria de mencionar algo que tem uma influência muito importante na frente unida. Como eu já disse, o Partido Trabalhista se tornou governo da Austrália Ocidental. Como sabem, um chamado Partido Trabalhista está no poder na Inglaterra. O Sr. Macdonald disse que de fato detém o poder em suas mãos:
Tenho o poder, quero acabar com certas coisas, e hoje tenho o poder para fazê-lo.
Agora o cargo de Governador da Austrália Ocidental ficou recentemente vago e precisava ser preenchido. Como este é um cargo imperial, a nomeação tem que vir do Rei George, e a pessoa que o aconselha é Macdonald.
Há um sindicalista no Gabinete Colonial. Mas quem eles nomearam como Governador na Austrália Ocidental, onde o Partido Trabalhista está no poder? Um militar e um Conservador. Se isso não é sabotagem, sabotagem de um Partido Trabalhista contra outro, eu não sei como mais poderia ser chamado. Eu vou mais longe. Vou criticar o Partido Comunista Inglês por causa disto, porque acho que era seu dever criticar este comportamento do Partido Trabalhista Inglês. Se eles o tivessem feito, se tivesse chegado à Austrália a notícia de que o Partido Comunista Inglês tinha protestado, protestado tão veementemente que fosse ouvido na Austrália, protestado contra a imposição de um indivíduo conservador e militar em um estado, a Austrália Ocidental, onde o Partido Trabalhista está no governo, então, em minha opinião, isto teria despertado tamanho entusiasmo na Austrália (sendo a Austrália um país muito dado ao entusiasmo) que teria sido útil não só ao Partido Comunista Australiano, mas também ao Partido Comunista Inglês. Estas coisas são fatores significativos quando se considera a questão da frente unida, e eu acho que elas merecem um grau correspondente de atenção.
Estou muito feliz por poder falar aqui hoje, porque quero dizer aos meus camaradas da região do Pacífico, meus camaradas da Índia, da península Malaia, da China, da Indochina, da Coréia e de todos os outros territórios, que o PC australiano não tem preconceito de cor e não deseja uma “Austrália branca”. Sabemos que nós, na região do Pacífico, temos que nos unir, sabemos que os capitalistas da região estão unidos, enquanto pouco ou nada está sendo feito para reunir os grandes partidos comunistas da região para uma ação unida. Portanto, tenho o prazer de aproveitar a oportunidade para estender a mão da amizade aos nossos camaradas de todos os países do Pacífico e dizer-lhes que, com a ajuda da grande Internacional, chegando a um acordo entre nós, e se o Partido Comunista Inglês se preocupar não apenas com a Inglaterra, mas com os acontecimentos na região do Pacífico, chegaremos a um ponto em que teremos um Partido de massas conosco, e os trabalhadores australianos entenderão o significado da revolução mundial e se unirão na causa dessa revolução.
Notas da tradução:
1. Coolie é um termo historicamente usado para se referir a trabalhadores braçais da Ásia, especialmente da China e da Índia, durante o século XIX e início do século XX. O termo é hoje um apelido pejorativo e racista para pessoas com ascendência asiática nos países de língua inglesa.
2. Comunidade Britânica de Nações. Organização intergovernamental fundada em 1926 e composta por países do antigo Império Britânico. Após a Segunda Guerra Mundial e com a eclosão de diversos Movimento de Libertação, muitos países optaram pela saída da organização.