O caráter dos jovens, adultos e velhos segundo Aristóteles

Trecho retirado do livro “A Retórica”, publicado pela EdiPro.

Foram feitas alterações na separação dos parágrafos para melhor leitura, nenhum conteúdo foi alterado.

Examinemos agora o tipo dos caracteres do ponto de vista das paixões, das disposições, das idades e das sortes. Chamo de paixões a cólera, o apetite e todas as emoções de idêntica natureza às quais já nos referimos. Por disposições entendo as virtudes e os vícios, dos quais também já tratamos, indicando a escolha que cada uma dessas disposições nos leva a fazer e os atos que nos leva a praticar. As idades são a juventude, a idade madura e a velhice. Por sorte entendo a origem nobre, a riqueza, o poder e seus opostos – em resumo, a boa sorte e a má sorte.

Quanto ao caráter dos jovens, cumpre dizer que são inclinados aos desejos intensos e capazes de satisfazê-los indiscriminadamente. No tocante aos desejos físicos, tendem mais para os desejos sexuais, não sabendo como dominá-los. São volúveis e não tardam a se aborrecer com o que desejaram; quanto mais violentos são seus desejos, menos duram; seus impulsos são entusiásticos, mas sem raízes e efêmeros, como os acessos de fome e sede dos enfermos. São coléricos e destemperados, geralmente cedendo aos seus ímpetos. São subjugados por seu ardor.

Devido ao seu amor pelas honras, não são vítimas do desdém e indignam-se se julgam ser objeto de uma injustiça. Amam as honras, mas ainda mais a vitória, pois a juventude é ávida de superioridade, e a vitória constitui um tipo de superioridade. Honras e vitória os tentam mais do que o dinheiro, o qual têm em pouquíssima conta, não tendo apreendido ainda o que significa a sua falta, como testemunhamos pela observação que Pítaco dirige a Anfiarau. Veem mais o lado bom das coisas do que o mau, já que não testemunharam ainda muitos exemplos de maldade. Também são crédulos porque não foram ainda muito enganados.

Estão saturados de ditosas esperanças; assemelham-se aos indivíduos tomados pelo vinho, como eles mantêm o sangue aquecido, mas isso por determinação da natureza e porque não experimentaram ainda muitos reveses. Vivem de esperança a maior parte do tempo, e não de lembranças, já que a esperança diz respeito ao futuro, ao passo que as lembranças concernem ao passado, sendo que para a juventude há um longo futuro diante de si e pouco passado. Nos primórdios de nossa vida nada temos para recordar, ao passo que tudo podemos esperar. Os jovens são fáceis de ser ludibriados pela razão que mencionamos relativa às suas amplas expectativas. São mais corajosos do que as pessoas o são em outras idades, sempre prontos a se encolerizar e propensos a esperar um bom resultado de suas ações; a cólera os faz ignorar o medo, enquanto a esperança transmite-lhes confiança; é fato que quando estamos encolerizados, nada tememos, ao passo que o fato de alimentar esperança de algum bem também nos mantém confiantes.

São inclinados a se envergonhar e tendem a aceitar as regras da sociedade em que foram educados, não acreditando ainda em qualquer outro padrão de honra. São magnânimos porque a vida ainda não os humilhou e não experimentaram ainda suas necessárias limitações. Ademais, sua disposição esperançosa os faz crer que estão à altura de grandes feitos, o que os liga à magnanimidade. Nas ações preferem o nobre ao útil, isso porque suas existências são mais norteadas pelo caráter do que pelo cálculo racional; ora, o cálculo racional nos leva a optar pelo útil, ao passo que a virtude nos leva à escolha do nobre.

Mais do que nas outras idades, são afeiçoados aos seus amigos e companheiros, isto porque extraem prazer da vida em companhia dos outros e não se acostumaram ainda a julgar as coisas com base no seu interesse ou na utilidade, e tampouco naqueles de seus amigos. Seus erros são mais graves e mais incisivos, contrariando a afirmação de Quílon, pois são excessivos em tudo; amam com excesso, odeiam com excesso e sua postura em todas as situações é excessiva. Julgam-se oniscientes e sustentam muito convictamente suas opiniões, o que representa ainda uma das razões de seus excessos em tudo. Quanto às injustiças que perpetram, o que as inspira é a desmedida e não a maldade. São compassivos porque supõem todos virtuosos e melhores do que são de fato. Sua própria inocência constitui seu padrão de julgamento dos outros, de maneira que imaginam que infligimos um tratamento imerecido às pessoas. Gostam do riso, o que os leva a serem bem-humorados e espirituosos; de fato, a espirituosidade é uma espécie de insolência bem-educada.

Eis, portanto o caráter dos jovens.

Os velhos e aqueles que ultrapassaram a idade madura exibem, a maior parte do tempo, caracteres praticamente contrários aos dos jovens; como viveram muitos anos, frustraram-se frequentemente, cometeram muitos erros e porque, em geral, a maioria dos assuntos humanos tem um mau desfecho, eles não têm certeza sobre nada e mostram em tudo menos força do que deveriam. Possuem opiniões, mas nunca certezas; irresolutos, às suas declarações não deixam jamais de acrescentar um “é provável” ou um “talvez”.

É sempre assim que se exprimem, e nada afirmam de positivo, de categórico. Apresentam também uma espécie de mau caráter, no sentido de que tendem a ver tudo negativamente. Acresça-se que são suspeitosos, já que a experiência os inspirou a serem desconfiados. Por idêntica razão, nem suas afeições nem seus ódios são intensos – segundo o preceito de Bias, amam como se devessem um dia odiar e odeiam como se devessem um dia amar.

Têm mentalidade tacanha porque foram humilhados pela vida. E seus desejos nada visam de expressivo e extraordinário, salvo estritamente o que é necessário à existência. São mesquinhos porque o dinheiro é indispensável à vida, e também porque a experiência os ensinou a respeito de todas as dificuldades para obtê-lo e a respeito de quão fácil é perdê-lo. São medrosos e passam todo o tempo antecipando o perigo, já que suas disposições são opostas às dos jovens. São frios, enquanto os jovens são calorosos. Assim, a velhice pavimentou a estrada para a pusilanimidade, o medo sendo uma espécie de arrefecimento. Os velhos apegam-se à vida, sobretudo à aproximação de seu dia derradeiro, porque o objeto de todo desejo é o que nos falta, e também porque nosso desejo mostra-se mais intenso pelo que nos falta com mais premência. São excessivamente egoístas, o que persiste sendo um traço de sua mentalidade tacanha.

Suas vidas colimam exclusivamente o útil, e não o nobre, o que ocorre por conta de um certo excesso e do egoísmo, uma vez que o útil é o bem relativamente a nós mesmos, enquanto o nobre é o bem em si mesmo. São mais propensos à impudência do que à timidez; menos ciosos do que é nobre do que com o que é útil, menosprezando o que as pessoas possam pensar acerca deles. São pouco inclinados à esperança, isto por força de sua experiência, já que, de fato, a maioria dos negócios humanos é deplorável e muita coisa não corresponde à expectativa, além do que para essa falta de esperança contribui em parte os medos da velhice. Vivem mais de lembranças do que de esperanças, porque o que lhes resta de vida é pouco comparado ao seu longo passado; é evidente que a esperança volta-se para o futuro, enquanto a lembrança, para o passado, o que é inclusive uma razão de serem tão loquazes – falam ininterruptamente do passado, pois esta recordação lhes traz muita alegria. Seus acessos de cólera são súbitos e vivos, mas débeis.

No tocante aos seus apetites, ou já se extinguiram completamente ou perderam seu vigor. Consequentemente, sentem pouco tais apetites sensuais, e suas ações são determinadas mais pelo seu amor ao ganho do que pelo que realmente sentem. Daí ter-se a impressão de que nessa idade os homens apresentam um certo autocontrole; o fato é que há um afrouxamento de seus desejos, mas são subjugados pela cupidez. Os velhos orientam suas vidas mais pelo cálculo racional do que pelo caráter natural, o primeiro visando ao útil, enquanto o segundo visa à virtude. Quando perpetram injustiças, seu intento é prejudicar e não insultar. É possível que experimentem compaixão, como acontece com os jovens, mas não pelos mesmos motivos.

Os jovens compadecem-se por humanidade, enquanto os velhos compadecem-se por debilidade, porque julgam que todos os males podem facilmente abater-se sobre eles, e, como vimos, esta é uma das causas da compaixão. Resulta disso também serem eles sempre lamurientos, nem apreciadores dos gracejos nem do riso; com efeito, a disposição para os queixumes é precisamente o oposto da disposição para o riso

Tais são, portanto, os caracteres dos jovens e dos velhos. As pessoas sempre veem com bons olhos os discursos que se ajustam ou que refletem seu próprio caráter, com o que podemos depreender como compor nossos discursos de modo a ajustar tanto eles quanto nós mesmos aos nossos auditórios.

Os homens, na idade madura, apresentarão decerto um caráter intermediário entre os que acabamos de examinar, se suprimirmos os extremos de um e outro. Não têm nem o excesso de confiança que beira a temeridade nem medos exagerados, colocando-se, sim, em uma justa medida entre esses dois extremos. Não confiam em todos, mas também não desconfiam de todos, fiando-se mais na verdade para julgar as pessoas. Suas vidas não terão como exclusiva diretriz aquilo que é nobre ou aquilo que é útil, mas serão orientadas por ambos. Não se deixam prender nem pela avareza nem pela prodigalidade, mantendo-se nesse caso na justa medida.

O mesmo lhes sucede no que toca à cólera e aos desejos. Seu autocontrole é acompanhado de coragem, bem como sua coragem é acompanhada de autocontrole, enquanto no que tange aos jovens e velhos, essas virtudes estão dissociadas, pois a juventude é simultaneamente corajosa e desregrada, e a velhice autocontrolada e medrosa. Em suma, todas as vantagens que os jovens e os velhos detêm separadamente estão reunidas na idade madura; onde jovens e velhos pecam devido ao excesso ou à deficiência, a idade madura demonstra uma proporção justa e conveniente. Do ponto de vista do corpo, a idade madura varia entre trinta e trinta e cinco anos; daquele da alma, situa-se em torno dos quarenta e nove anos.

Tais são os tipos de caráter que distinguem a juventude, a velhice e a idade madura. E isso nos basta no que se refere a este assunto.

Um comentário em “O caráter dos jovens, adultos e velhos segundo Aristóteles

  1. Carolina César Proton Xavier 29 de dezembro de 2021 — 17:48

    Poderia informar a paginado livro !

    Curtir

Deixe um comentário

search previous next tag category expand menu location phone mail time cart zoom edit close