Entrevista com Shaka King, diretor de “Judas e o Messias Negro”

Entrevista de Amy Goodman e Juan González para o Democracy Now.

Tradução por Andrey Santiago

O amplamente aguardado filme, “Judas e o Messias Negro” conta a história do líder Pantera Negra Fred Hampton e o informante do FBI William O’Neal, o qual se infiltrou no Partido dos Panteras Negras de Illinois para coletar informações que levariam ao assassinato de Hampton em 1969 por policiais. O filme está sendo lançado no Festival Sundance de Cinema em 2021 e é estrelado por Daniel Kaluuya como Hampton, LaKeith Stanfiled como O’Neal e Martin Sheen como o diretor do FBI J.  Edgar Hoover. Shaka King, o diretor do filme e co-roteirista, diz que focar em Hampton e O’Neal foi uma maneira de “realizar o filme “Os Infiltrados” dentro do mundo do COINTELPRO”, se referindo ao programa ilegal do FBI que durou várias décadas e que tinha como objetivo desestruturar organizações políticas negras e radicais. “Eu apenas pensei que foi uma maneira bastante inteligente e clara para colocar um cavalo de Troia numa biografia de Fred Hampton.”

Transcrição da entrevista.

Esta é uma transcrição rápida.  A cópia pode não estar em sua forma final.

Amy Goodman: Este é o Democracy Now!, democracynow.org, The Quarantine Report. Eu sou Amy Goodman e estou aqui com Juan González. Este é o trailer do filme:

Este foi o trailer do filme Judas e o Messias Negro. O filme terá sua estreia virtual hoje a noite no Festival Sundance, e estará nos cinemas, também em streaming na HBO Max no dia 12 de fevereiro. Foi dirigido por Shaka King, que também co-escreveu o roteiro, ele está nos recebendo do Brooklyn.

Bem-vindo ao Democracy Now! Shaka. Esta é uma obra. Uma grande obra. Parabéns. Fale sobre o porque você escolheu Fred Hampton e William O’neal, o informante, como sujeitos deste filme.

Shaka King e Daniel Kaluuya.

Shaka King: Bom, você sabe, primeiro antes de tudo obrigado por me ter aqui e obrigado pelas palavras gentis.

Você sabe, a ideia na verdade foi trazida a mim por dois amigos meus, os irmãos Lucas. Eles me contataram e basicamente disseram, “Nós temos essa ideia de fazer “Os Infiltrados” dentro do mundo do COINTELPRO”. E eu apenas pensei que foi uma maneira bastante inteligente e clara para colocar um cavalo de Troia numa biografia de Fred Hampton, você sabe, uma grande parte do mundo não sabe quem foi ele, e também não tem grande consciência sobre a ideologia e política dos Panteras. E, você sabe, obviamente, existe muita propaganda negativa sobre eles, dos Panteras enquanto uma organização, então eu pensei o filme enquanto uma oportunidade para talvez corrigir a história que nos é contada – colocar o filme em um gênero que seria amplo para as massas, em vez de apenas focar em algo somente para aqueles que já os conhecem.

Juan González: E a sua decisão, para realmente, tentar humanizar William O’Neal, o agente infiltrado, mostrando seus conflitos, bem, me lembra muito de outro agente infiltrado em Nova Iorque, Eugene Roberts, que foi um segurança na morte de Malcolm X e também foi uma figura chave no julgamento dos 21 panteras, porque ele infiltrou não apenas a organização de Malcolm X, como também os Panteras Negras. Você poderia falar sobre a sua decisão de tornar William O’Neal uma figura tão chave para o filme?

Shaka King: Sim, sim. Bom, você sabe, para mim, não foi difícil humanizá-lo, porque no fim do dia, são seres humanos que tomam essas decisões. E, você sabe, em vez de apenas pintá-lo como um personagem que é vilão e que todos podem facilmente esquecer. Eu acredito que fazê-lo um indivíduo complexo, dá a audiência uma oportunidade para se verem naquela posição e então se interrogar sobre as escolhas que fariam, porque, para mim, um dos pontos altos de fazer um filme sobre William O’Neal e Fred Hampton é que você está falando de duas pessoas que existem em dois polos distantes da humanidade. Entende o que eu tô falando?

Eu digo, tipo, como opostos, literalmente. Como, você tem uma profunda ideologia capitalista em William O’Neal, e você tem uma profunda ideologia socialista em Fred Hampton. Você tem uma pessoa que se mostrou um dos seres humanos mais corajosos de todos os tempos, e você tem uma pessoa que se demonstrou um incrível covarde. Então, você tem um individualista; você tem uma pessoa que é líder em construir coalizões. E entre essas duas pessoas você tem duas definições bem diferentes de poder e liberdade.

E então, foi apenas uma oportunidade explorar estas duas figuras, como eu disse, que tem ideologias em polos opostos e assim fazer o espectador, no fim do filme, – ou idealmente – eles não precisam, mas idealmente – se perguntar: onde eu essencialmente me encontro entre esses dois ancestrais?

Juan González: Você também despende um tempo considerável do filme explorando como Fred Hampton buscou realizar alianças com outros grupos além dos afro-americanos, para construir a Coalização Arco-Íris, que foi, realmente – a predecessora para a Coalizão Arco-Íris de Jesse Jackson. Você poderia falar sobre isso também?

Shaka King: Claro, claro. Sobre isso eu acredito que obviamente uma das coisas que construiu Fred Hampton, e, penso também, os Panteras como um todo, foi a sua disposição para construir coalizões, não apenas com outras organizações negras, mas também com brancos pobres, com latino-americanos. Tipo, nós – o foco do filme não era isso, mas poderia ter sido – quero dizer, não faria sentido excluir isso historicamente. Mas eu também acredito, e penso que isso se mostra no filme – sem dar spoilers – que somente quando Fred Hampton realmente começa a construir as coalizões com os grupos brancos e latinos é que ele realmente se torna a ameaça que se tornou. E, você sabe, acredito que especialmente numa cidade como Chicago, que historicamente foi tão segregada, isso nunca tinha sido visto, sabe? Então, penso que incluir isso foi um testemunho de seu poder, além de ser correto historicamente.

Amy Goodman: É muito interessante ter você Shaka, e também Juan, nosso co-apresentador aqui do Democracy Now, um dos co-fundadores dos Young Lords em Nova Iorque. Juan, quando Fred Hampton foi assassinado em sua própria cama, junto de Mark Clark, qual foi o impacto que teve sobre você e sobre os Young Lords?

Juan González: Bom, sim. Bom, claramente existiam Young Lords em Chicago, assim como haviam alguns Young Lords em Nova Iorque, que trabalhavam muito próximos de Fred Hampton. Especificamente Pablo “Yoruba” Guzmán que estava trabalhando com ele por uns meses antes de ser assassinado. Então, isso foi sentido por toda a nação, já que Fred Hampton estava sendo visto, realmente, como um dos líderes nacionais do Partido dos Panteras Negras. E então, o seu assassinato chocou o país todo. E houveram muitos protestos, não apenas em Chicago, mas no país inteiro, contra o seu assassinato.

Amy Goodman: Eu gostaria de mostrar dois clipes, que aconteceram essa semana na estreia do filme no Festival Sundance no primeiro dia do Mês da História Negra, eu gostaria de mostrar Daniel Kaluuya, que interpretou o líder Fred Hampton, falando sobre a cena em que ele discursa para uma das maiores e mais diversas audiências, logo depois de sair da prisão.

Daniel Kaluuya: Estar naquele momento, dizendo aquelas palavras e vendo todo mundo, estando em Cleveland, ver o rosto de todos, ver aquilo, senti que ele estava no local, honestamente. E pareceu que, como eu disse, algo está fluindo por você e você é um recipiente. E foi como se – eu realmente não sei – sendo honesto. Eu realmente não lembro das tomadas (takes). Então, eu estava, “Eu realmente não lembro disso, eu não lembro disso.” Mas eu, tipo, não estava mais lá, naquele momento – eu quero dizer, não estava lá. E lembro que iria estar entre as tomadas. Com um barulho ao fundo chamando “Presidente Fred! Presidente Fred! Presidente Fred!”. Você sabe, foi como se ele estivesse no lugar. Era ele, você sabe, porque eram suas palavras. Era a sua energia. Era o seu propósito, a sua mensagem, suas ideias, elas estavam fluindo por todos nós naquele espaço.

Amy Goodman: Este é Daniel Kaluuya, estrela de Corra, estrelando como Fred Hampton. Shaka, eu estava vendo você e Questlove, que também está estreando seu filme Summer of Soul em Sundance, conversando. E você falou sobre esse momento que filmou de Fred Hampton – com claro, Daniel – discursando e sobre como foi essa experiência. Você poderia nos falar sobre os bastidores? Ele decolou mesmo?

Shaka King: Sim, ele estava realizando entrevistas para o filme Queen & Slim por uma semana, e ele estava fora das filmagens por uma semana, não tinha interpretado Fred em uma semana. E ele tinha acordado tarde. Foi a única vez que ele acordou tarde, e eu sabia que ele estava nervoso. E ele andou até a Igreja. E nos apenas – quero dizer, não consigo expressar como realmente foi o dia – nos tivemos vários momentos no set de filmagens confirmando que aquilo era a coisa certa a se fazer, mas nenhuma como naquele dia, porque parecia que todos estávamos envoltos de uma volta no tempo. E todo mundo estava tratando ele como se fosse Fred naquele dia, quero dizer, na primeira tomada, ele subiu os degraus, e o modo que a plateia o saudou, realmente parecia que Fred Hampton tinha saído da prisão e foi recebido de braços abertos pela comunidade que o amava. E aquela foi a energia no dia, ele se nutriu dela. E naquele momento – deixou de ser uma performance, especificamente naquela cena. Aquilo se tornou, você sabe, algo bastante real.

Amy Goodman: Foi um momento maravilhoso. Eu gostaria também de falar sobre LaKeith Stanfield, que interpreta William O’Neal, o informante do FBI em Judas e o Messias Negro, falando sobre filme na coletiva de imprensa do SAG-AFTRA.

LaKeith Stanfield: Eu acredito que existem nuances para os personagens. E então, não sei, eu sempre tento ter em mente que existia algum amor em O’Neal. Mesmo que ele possa ter feito coisas que não compreendamos ou concordamos. Eu tive que encontrar aquele amor. E nem sempre foi fácil sabe? Eu choraria e [beep], falando para Shaka, tipo, “Cara, eu não sei. Que [beep] é essa?” Você sabe, especialmente quando estávamos em cenas onde eu tinha que decidir envenenar Fred, ou qualquer coisa. Eu estava [beep] com isso. Eu não conseguia nem me controlar para a cena, porque eu estava, você sabe, tudo parecia tão real. Então, eu tive que encontrar alguma verdade naquilo e se mover, se manter fiel aquilo.

Shaka King e LaKeith Stanfield.

Amy Goodman: LaKeith interpretou William O’Neal. O que você quer que as pessoas tirem desse filme, Shaka, e o significado de levar isso a uma audiência de massas?

Shaka King: Várias questões. Você sabe, acredito que uma das razões pela qual o personagem de O’Neal é central para mim, vem por várias maneiras, pelos termos de sua história, o filme é sobre os perigos de ser apolítico, e não apenas sobre como isso pode levar uma profunda manipulação e a alguém desestabilizar um movimento, mas a vida de William O’Neal teve um final amargo pelas decisões que ele teve. Suas ações não machucaram outras pessoas, machucaram ele também, mesmo que ele tenha feito elas de maneira egoísta.

Você sabe, eu acredito que, obviamente, existe um desejo de demonstrar claramente que os Panteras eram movidos pelo amor, pelo amor a cada um deles, amor a sua comunidade, amor ao seu povo, e corrigir a história que nos é ensinada. Você sabe, eles não eram, tipo, terroristas, apenas indivíduos que tinham interesse em atingir pessoas brancas e o ódio das pessoas brancas. É totalmente fictício eles serem terroristas.

Você sabe, em relação a Roy Mitchel, que é um dos principais personagens no filme e o responsável por William O’Neal, existe uma razão pela qual tentamos deixá-lo complexo, porque, eu acredito, que de vários modos, ele é um personagem que exemplifica os perigos de ser um centrista branco, especialmente quando você é uma pessoa que trabalha pra a estrutura de poder branca. E você não encontra algo mais nítido que isso em um agente do FBI – Então…

Amy Goodman: Nós temos mais cinco segundos.

Shaka King: Eu acredito que existe uma miríade de significados para o filme, mas estes são alguns deles.

Amy Goodman: Shaka King, obrigado por estar conosco. E parabéns em seu trabalho épico. O filme Judas e o Messias Negros estreia hoje no Festival Sundance de Cinema e dia 12 de fevereiro no HBO Max.

Encerramos nossa cobertura por hoje. Eu sou Amy Goodman, com Juan González. Fique seguro. Use máscara, use até duas máscaras.

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