Texto de Brian Becker.
Originalmente publicado no site Liberation School.
Traduçao por Guilherme Pessatti.
Nota do editor: Esse ensaio examina a teoria e a prática do partido Leninista desde o tempo de Lênin até hoje. Voltamo-nos aos principais textos de Lênin e para a história do Bolchevismo e do movimento comunista internacional para delinear o distinto caráter do partido Leninista. Ao longo do trabalho prestamos muita atenção às diferenças entre o tempo de Lênin e o nosso. O texto faz parte de um documento que circulou internamente em nosso partido antes do nosso Terceiro Congresso do Partido em abril de 2016 e foi divulgado publicamente em novembro de 2016.
Centralismo democrático
Existe uma grande confusão sobre o que precisamente o partido Leninista é, particularmente no que diz respeito à sua relação com o centralismo democrático. O centralismo democrático, por mais importante que seja, não constitui o todo da essência de um partido de tipo Leninista. É muito importante que entendamos a distinção essencial de um partido Leninista.
Lênin era o líder da ala Bolchevique do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) a partir de 1903. Bolchevique significa maioria e a outra grande ala do partido era chamada de Mencheviques, o que significa minoria.
Tanto os Bolcheviques quantos os Mencheviques aderiram ao centralismo democrático como seus modelos organizativos. Entre 1903 e a Revolução de 1917, as duas alas do partido trabalhavam ocasionalmente de forma conjunta mas na maior parte do tempo estavam em oposição entre si. Na Revolução de 1905, quando de repente dezenas de milhares de operários adentraram as fileiras de ambas as alas do partido, as bases dos dois setores reivindicaram que seus respectivos líderes tornassem suas diferenças secundárias e se juntassem em uma única organização. Sob a pressão dos operários recém-recrutados isso foi exatamente o que aconteceu, mas por um curto período de tempo. Após a Revolução de 1905 ser brutalmente derrotada, as duas alas se separaram mais uma vez, embora formalmente mantendo o nome do POSDR.
As próprias palavras Bolchevique e Menchevique carecem de significado político. Quando elas se separaram em 1903 os Bolcheviques eram uma maioria por apenas um ou dois votos na reunião do Congresso partidário. Logo após a separação, contudo, os Bolcheviques eram claramente a minoria e não a maioria do pequeno grupo central de líderes. Mais notavelmente, tanto Plekhanov, considerado “pai” do Marxismo Russo, quanto o muito mais jovem Leon Trotsky foram da ala Bolchevique para a Menchevique. A maior parte dos líderes intelectuais do movimento tornaram-se Mencheviques. Em 1905, Trotsky tornou-se um militante independente denunciando as orientações dos Bolcheviques e dos Mencheviques. Ele tornou-se um líder das massas por suas habilidades de oratória e foi eleito, aos 25 anos de idade, como presidente do Soviete de São Petersburgo durante a turbulenta revolução de 1905. Após a derrota da revolução, ele foi preso e levado à Sibéria. Mas ele não era um Bolchevique.
Embora tanto os Bolcheviques como os Mencheviques adotassem os princípios do centralismo democrático, eles tinham diferenças importantes quanto à aplicação do centralismo democrático. Mais notavelmente, os Bolcheviques insistiram que o partido mantivesse uma ala clandestina mesmo nos períodos nos quais o espaço político se abrisse e quando a autocracia czarista permitisse que organizações políticas operassem legalmente.
Um partido clandestino é uma organização secreta por sua própria natureza. Ele segue os princípios de atividade secreta e não é democrática em seu todo. Ele é organizado em uma base puramente militar e uma linha de comando estrita. Seus membros não podem saber a identidade uns dos outros. Deste modo, não possui uma confiabilidade verdadeira.
Confusão acerca das concepções Leninistas sobre uma organização de revolucionários profissionais
Em seu celebrado e por vezes mal entendido livro sobre organização partidária, O que fazer?, Lênin clama por uma “organização de revolucionários” e pela criação de “revolucionários profissionais” que formam o núcleo ou o quadro da organização. Esse termo também é fortemente mal entendido.
Quais questões organizativas e políticas Lênin referia-se nessas formulações? Antes de mais nada, eles estavam se baseando especificamente na experiência russa, ou seja, no problema de organizar sob as condições do absolutismo czarista onde a polícia secreta estava constantemente se infiltrando em organizações de operários e estudantes, e observando estes grupos recrutando e crescendo antes de finalmente prender seus líderes e desmantelar a organização.
Lênin afirmou que precisamos superar o que ele chamou de “caráter artesanal” e de “primitivismo” na forma que os sociais-democratas estavam organizando (tanto os Bolcheviques quanto os Mencheviques se reivindicavam enquanto social-democratas neste momento na Rússia). Em 1903, houve o começo de ações massivas e greves de operários que faziam exigências sobre salários e condições de trabalho. Algumas pessoas na esquerda argumentavam que bastaria entrar nesses movimentos “espontâneos” de operários e dar-lhes uma elevação política a partir de sua intervenção.
Lênin insistia que isso era um beco sem saída por duas razões: 1) as forças revolucionárias não poderiam limitar seu movimento a demandas econômicas mas também deveriam organizar-se para uma revolução política, ou seja, a tomada do poder detido pelo czar e o estabelecimento de uma república democrática; 2) os movimentos econômicos espontâneos dos operários não resolveriam o problema das prisões de revolucionários esquerdistas por parte da polícia secreta czarista ou de outros problemas associados a organizar sob condições em que os direitos da democracia burguesa não existem.
Esses operários, pessoas médias da massa, são capazes de dar provas de uma energia e uma abnegação gigantescas numa greve, num combate de rua com a polícia e a tropa, podem (e são os únicos que podem) decidir o resultado de todo o nosso movimento, mas precisamente a luta contra a polícia política exige qualidades especiais, exige revolucionários profissionais. (O que fazer?)
A tese de Lenin sobre organização tem uma estrutura especificamente russa, porque o movimento que lá existia enfrentava diferentes condições e problemas do que, digamos, Alemanha ou os Estados Unidos. Isso tinha implicações em termos de organização das massas, da formação de quadros em habilidades aplicáveis à organização “ilegal” no seio dos movimentos econômicos espontâneos de massas, e do recrutamento de membros do partido dentre os mais talentosos da classe trabalhadora que serviriam como agentes clandestinos para a construção de partidos e a construção de movimentos.
Quais capacidades e tarefas um revolucionário profissional tinha em oposição a um líder trabalhador militante ou o que poderia ser chamado de um revolucionário “não-profissional”? A resposta para esta questão vai ao centro da tese de Lênin em O que fazer?:
Uma greve secreta é impossível para as pessoas que dela participam ou que com ela tenham relação imediata. Mas para a massa dos operários russos, essa greve pode ser (e na maioria dos casos é) “secreta”, pois o governo terá o cuidado de cortar todas as comunicações com os grevistas, terá o cuidado de tornar impossível toda a difusão de notícias sobre a greve. E eis que já se torna necessária a “luta contra a polícia política”, uma luta especial, uma luta que nunca poderá ser travada ativamente por uma massa tão ampla quanto aquela que participa das greves. Essa luta deve ser organizada, “segundo todas as regras da arte”, por pessoas que tenham como profissão a atividade revolucionária. E o fato de as massas se integrarem espontaneamente ao movimento não torna agora menos necessária a organização dessa luta. Pelo contrário, a organização torna-se, por esse motivo, mais necessária, porque nós, os socialistas, faltaríamos a nossas obrigações diretas perante as massas se não soubéssemos impedir a polícia de tornar secreta (e se, por vezes, não preparássemos nós próprios em segredo) qualquer greve ou manifestação. E saberemos fazê-lo precisamente porque as massas que despertam espontaneamente destacarão também do seu meio um número cada vez maior de “revolucionários profissionais” (desde que não nos ocorra convidar os operários, em todos os tons, a continuar marcando passo). (O que fazer?)
Lênin também insistiu que uma organização de revolucionários deve ser diferente de uma organização de trabalhadores de massa ou de sindicatos.
A organização de operários deve ser, em primeiro lugar, sindical; em segundo lugar, deve ser o mais ampla possível; em terceiro lugar, deve ser o menos clandestina possível (aqui e no que se segue, refiro-me, bem entendido, apenas à Rússia autocrática). Pelo contrário, a organização de revolucionários deve englobar, antes de tudo e sobretudo, pessoas cuja profissão seja a atividade revolucionária (por isso falo de uma organização de revolucionários, pensando nos revolucionários social-democratas). Diante dessa característica geral dos membros de uma tal organização, deve desaparecer por completo toda distinção entre operários e intelectuais, para já não falar da distinção entre as diferentes profissões de uns e outros. Necessariamente, essa organização não deve ser muito extensa, e é preciso que seja o mais clandestina possível. Vamos nos deter nesses três pontos distintivos. (O que fazer?)
Embora a tese de Lênin sobre a construção de um tipo de “organização de revolucionários” tenha tido como premissa as condições únicas da Rússia czarista, existem elementos de sua visão matizada que tinham uma universalidade explícita e aplicabilidade a países onde os movimentos operários e socialistas poderiam se organizar legal e publicamente.
Este próximo parágrafo é longo, mas tome um tempo para lê-lo com cuidado pois ele nos ajuda a entender o que Lênin quer dizer por uma organização de revolucionários. Sua ênfase é no treinamento de revolucionários profissionais. Suas palavras de ordem são treinar, treinar, treinar e garantir a disponibilidade de revolucionários profissionais para prover liderança.
[…] como consequência de nosso atraso, porque não compreendemos que é nosso dever ajudar todo operário que se distinga por suas capacidades a tornar-se um agitador, organizador, propagandista, distribuidor etc. etc. profissional. Nesse aspecto, desperdiçando vergonhosamente nossas forças, não sabemos cuidar do que tem de ser cultivado e desenvolvido com particular solicitude. Vejam os alemães: eles têm cem vezes mais forças que nós, mas compreendem perfeitamente que os operários “médios” não fornecem com muita frequência agitadores etc. verdadeiramente capazes. Por isso, procuram colocar imediatamente qualquer operário capaz em condições que lhe permitam desenvolver plenamente e aplicar plenamente suas aptidões: fazem dele um agitador profissional, encorajam-no a ampliar seu campo de ação, a estendê-lo de uma fábrica a toda uma profissão, de uma localidade a todo o país. Ele adquire experiência e perícia profissional, alarga seu horizonte e seus conhecimentos, observa de perto os dirigentes políticos eminentes de outras localidades e de outros partidos, esforça-se para elevar-se ao nível deles e para reunir em si o conhecimento do meio operário e o vigor das convicções socialistas com a competência profissional, sem a qual o proletariado não pode travar uma luta tenaz contra inimigos perfeitamente treinados. É assim, e só assim, que surgem da massa operária os Bebel e os Auer. Mas o que num país politicamente livre se faz em grande parte por si só, entre nós deve ser realizado sistematicamente por nossas organizações. Todo agitador operário que tenha algum talento, que “prometa”, não deve trabalhar onze horas na fábrica. Devemos encontrar uma maneira para que ele viva por conta do partido, para que possa passar à clandestinidade no momento preciso, mudar seu local de atuação, porque de outro modo não adquirirá grande experiência, não alargará seu horizonte, não poderá se manter nem sequer alguns anos na luta contra os gendarmes. Quanto mais ampla e mais profunda for a ascensão espontânea das massas operárias, tanto mais estas destacam não só agitadores talentosos, mas também organizadores, propagandistas e militantes “práticos” de talento, “práticos” no melhor sentido da palavra (que são tão escassos entre nossos intelectuais, na maior parte um pouco apáticos e descuidados à maneira russa). Quando tivermos destacamentos de operários revolucionários (e, bem entendido, revolucionários de “todas as armas”) especialmente preparados por uma longa aprendizagem, nenhuma polícia política do mundo poderá acabar com eles, porque esses destacamentos de pessoas dedicadas abnegadamente à revolução contarão igualmente com a confiança abnegada das mais amplas massas operárias. E essa é nossa culpa direta, que “empurramos” bastante pouco os operários para esse caminho que é comum a eles e aos “intelectuais”, para o caminho da aprendizagem revolucionária profissional, puxando-os com demasiada frequência para trás com nossos estúpidos discursos sobre o que é “acessível” à massa operária, aos “operários médios” etc. (O que fazer?)
Pelo fato de o livro de Lênin, O que fazer?, focar na questão da construção de uma organização de revolucionários, ou o que também é chamado de uma “organização de profissionais revolucionários”, e por ter sido escrito em 1903 no momento da cisão entre os Bolcheviques e os Mencheviques, que muitos que se consideram “Leninistas” por vezes acreditam que as posições presentes no livro constituem o centro dos princípios de organização em um partido de tipo Leninista.
Este é um mal entendimento comum e é criticamente importante para nosso partido, enquanto um partido de tipo Leninista, que tenhamos total clareza do porquê isto está incorreto.
Na verdade, Lênin estava tão preocupado que os conceitos que ele levantou em O que fazer? não seriam entendidos corretamente por revolucionários de fora da Rússia que ele sugeriu que o livro não deveria ser traduzido para republicação em línguas não-russas. Mais tarde, claro, após a vitoriosa Revolução Russa, todos os trabalhos de Lênin foram publicados como parte das Collected Works of V.I Lenin.
Lenin e a Terceira Internacional: Princípios da organização partidária
A fim de compreender verdadeiramente os princípios organizacionais fundamentais de um partido de tipo Leninista, é necessário estudar e assimilar as lições encontradas no panfleto de Lênin, Esquerdismo: doença infantil do comunismo, escrito em 1919/1920.
Contudo, antes de adentrar ao ponto principal, sobre princípios organizativos, é necessário esclarecer alguns pontos sobre este panfleto. O título, também, foi profundamente mal compreendido e deliberadamente distorcido por alguns no movimento comunista. Por exemplo, alguns grupos tatearam este panfleto particular como parte de uma polêmica contra os revolucionários radicais da esquerda durante os anos 1960, quando o movimento radical não apenas cresceu, mas também se deslocou acentuadamente para a esquerda.
Por conta do profundo impacto da caça às bruxas anti-comunista e da perseguição sobre os comunistas na década de 1950, muitos temiam que a atividade militante apenas levaria à repressão e à supressão. Assim, a militância se viu como um peixe fora d’água quanto a juventude radical tornou-se subitamente hegemônica no fim dos anos 1960 e revitalizou a tradição militante das lutas de rua e batalhas com a polícia e com o governo. O Partido dos Panteras Negras, o Partidos dos Young Lords, o Progressive Labor Party, Youth Against War and Fascism, e o Revolutionary Youth Movement (RYM) dentro da SDS [Students for a Democratic Society] foram todos denunciados por alguns comunistas como “ultra-esquerdistas infantis”.
Lenin era, obviamente, um esquerdista revolucionário que promoveu a luta armada e a insurreição na Rússia para dar cabo à tomada do poder por parte das classes oprimidas. A orientação reformista sem dúvidas teria definido Lenin como um “ultra-esquerdista infantil” também se eles tivessem existido no mesmo tempo e espaço.
Com isto dito, vamos olhar o que Lenin escreveu em Esquerdismo: doença infantil do comunismo que se aplica diretamente à questão que estamos discutindo: os princípios organizativos do Bolchevismo ou o que ficou conhecido como um “partido de tipo Leninista”. Vamos nos lembrar que este panfleto foi escrito 16 anos após a publicação de O que fazer?.
Lênin diz de forma muito clara que o Bolchevismo não poderia de forma alguma ser entendido pelo o que foi escrito em 1903, ou até pelo o que foi escrito em 1913 ou em 1916 por ele ou por qualquer outro líder do Bolchevismo.
O bolchevismo existe como corrente do pensamento político e como partido político desde 1903. Somente a história do bolchevismo em todo o período de sua existência é capaz de explicar satisfatoriamente as razões pelas quais ele pôde forjar e manter, nas mais difíceis condições, a disciplina férrea, necessária à vitória do proletariado. (…)
De um lado, o bolchevismo surgiu em 1903 fundamentado na mais sólida base da teoria do marxismo. E a justeza dessa teoria revolucionária – e de nenhuma outra – foi demonstrada tanto pela experiência internacional de todo o século XIX como, em particular, pela experiência dos desvios, vacilações, erros e desilusões do pensamento revolucionário na Rússia. No decurso de quase meio século, aproximadamente de 1840 a 1890, o pensamento de vanguarda na Rússia, sob o jugo do terrível despotismo do czarismo selvagem e reacionário, procurava avidamente uma teoria revolucionária justa, acompanhando com zelo e atenção admiráveis cada “última palavra” da Europa e da América nesse terreno. A Rússia tornou sua a única teoria revolucionária justa, o marxismo, em meio século de torturas e sacrifícios extraordinários, de heroísmo revolucionário nunca visto, de incrível energia e abnegada pesquisa, de estudo, de experimentação na prática, de desilusões, de comprovação, de comparação com a experiência da Europa. Graças à emigração provocada pelo czarismo, a Rússia revolucionária da segunda metade do século XIX contava, mais que qualquer outro país, com enorme riqueza de relações internacionais e excelente conhecimento de todas as formas e teorias do movimento revolucionário mundial.
Por outro lado, o bolchevismo, surgido sobre essa granítica base teórica, teve uma história prática de quinze anos (1903/1917) sem paralelo no mundo, em virtude de sua riqueza de experiências. Nenhum país, no decurso desses quinze anos, passou, nem ao menos aproximadamente, por uma experiência revolucionária tão rica, uma rapidez e um variedade semelhantes na sucessão das diversas formas do movimento, legal e ilegal, pacífico e tumultuoso, clandestino e declarado, de propaganda nos círculos e entre as massas, parlamentar e terrorista. Em nenhum país esteve concentrada, em tão curto espaço de tempo, semelhante variedade de formas, de matizes, de métodos de luta, de todas as clames da sociedade contemporânea, luta que, além disso, em consequência do atraso do país e da opressão do jugo czarista, amadurecia com singular rapidez e assimilava com particular: sofreguidão e eficiência a “última palavra” da experiência política americana e europeia. (Esquerdismo: doença infantil do comunismo)
Lênin está argumentando que os Bolcheviques não poderiam ter (1) conquistado a grande massa da população; (2) dado cabo a uma insurreição bem sucedida que alterou o poder, permitindo que as classes oprimidas tomassem o poder estatal; e (3) mantido o poder estatal durante uma guerra civil sangrenta e uma intervenção militar de 14 países imperialistas, sem que os Bolcheviques tivessem desenvolvido o que ele descreve como uma “disciplina de ferro” construída sob as mais difíceis condições.
A questão da disciplina em um partido de tipo Leninista é também um conceito que tem sido muito mal compreendido; mais uma vez, mesmo por pessoas que abraçam o Leninismo. Este foi um problema particular no tempo em que Lênin escreveu o panfleto em 1919, quando um grande número, na verdade milhões, de socialistas esquerdistas e anarquistas esquerdistas se juntavam para formar novos partidos comunistas na maior parte dos países do mundo. Esse foi parte do motivo pelo qual Lênin escreveu o panfleto. Ele estava argumentando que os termos “revolução” e “revolucionários profissionais” e uma “organização de revolucionários” estavam sendo espalhados como slogans militantes ou como um tipo de retórica esquerdista por muitos que apoiaram fervorosamente e se inspiraram na Revolução Russa e quiseram replicar tal revolução em seus próprios países. Ele saudou e se juntou à militância destas pessoas, mas ele estava tentando educá-las e elevar suas consciências sobre o que realmente é necessário para liderar uma revolução bem sucedida. Os ultra-esquerdistas da época tinham reduzido a questão a uma “militância”, e especialmente uma recusa militante de participar em atividades “não-revolucionárias” e instituições reformistas. Lênin queria demonstrar que era impossível construir um partido de tipo Leninista sem ter participado de instituições e movimentos reformistas e, por vezes, reacionários, assim como é impossível fazê-lo sem construir uma organização clandestina capaz de, sob certas circunstâncias, fazer uma insurreição armada.
É por isto que, quando discutimos a questão de princípios organizativos e disciplina, é altamente importante estudar cuidadosamente o que Lênin estava dizendo ao movimento naquele momento sobre as lições aprendidas na experiência Bolchevique.
A primeira pergunta que surge é a seguinte: como se mantém a disciplina do partido revolucionário do proletariado? Como é ela comprovada? Como é fortalecida? Em primeiro lugar, pela consciência da vanguarda proletária e por sua fidelidade à revolução, por sua firmeza, seu espírito de sacrifício, seu heroísmo. Segundo, por sua capacidade de ligar-se, aproximar-se e, até certo ponto, se quiserem, de fundir-se com as mais amplas massas trabalhadoras, antes de tudo com as massas proletárias, mas também com as massas trabalhadoras não proletárias. Finalmente, pela justeza da linha política seguida por essa vanguarda, pela justeza de sua estratégia, e de sua tática política, com a condição de que as mais amplas massas se convençam disso por experiência própria. Sem essas condições é impossível haver disciplina num partido revolucionário realmente capaz de ser o partido da classe avançada, fadada a derrubar a burguesia e a transformar toda a sociedade. Sem essas condições, os propósitos de implantar uma disciplina convertem-se, inevitavelmente, em ficção, em frases sem significado, em gestos grotescos. Mas, por outro lado, essas condições não podem surgir de repente. Vão se formando somente através de um trabalho prolongado, de uma dura experiência; sua formação é facilitada por uma acertada teoria revolucionária que, por sua vez, não é um dogma e só se forma de modo definitivo em estreita ligação com a experiência prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário. (Esquerdismo: doença infantil do comunismo)
Principais tarefas organizativas na era da revolução
As experiências do Partido Bolchevique e as condições para o seu sucesso foram generalizadas por Lênin em Esquerdismo: doença infantil do comunismo, mas depois foram desenvolvidas enquanto os Bolcheviques ajudaram a reorganizar o movimento socialista mundial através da criação da Terceira Internacional, também conhecida como Internacional Comunista ou Comintern.
Os Bolcheviques e particularmente Lênin, identificaram três tarefas principais para a recém-vitoriosa revolução. A primeira tarefa era manter o poder estatal enfrentando um feroz ataque contra-revolucionário perpetrado pelo imperialismo mundial, que trabalhou ao lado e com elementos da burguesia e dos proprietários de terra dentro da Rússia, além de setores da esquerda cuja oposição aos Bolcheviques os colocou numa aliança com o imperialismo mundial de fato. A segunda tarefa era a de começar o processo de reorganizar a sociedade em uma base socialista. E a terceira tarefa era a de reorganizar o movimento socialista mundial efetuando uma cisão completa com a Segunda Internacional. Isso significava separar o movimento socialista existente de um modo formal e organizado. Isto se tornou a divisão entre a ala comunista do movimento socialista e a ala social-democrata do movimento. Previamente à separação e antes da criação da Terceira Internacional, os revolucionários socialistas, incluindo os Bolcheviques, se consideravam social-democratas.
A experiência de 1914 até 1918 provou que a liderança central da Internacional Socialista, ou da Segunda Internacional, liderada pelo partido Alemão, que era o maior partido político da Alemanha, era incapaz de realmente fazer a revolução quando a oportunidade para uma revolução finalmente chegasse.
Assim, com a criação da Terceira Internacional, os princípios organizativos generalizados do Partido Bolchevique foram codificados como os princípios organizacionais de todos os partidos comunistas que eram dedicados à revolução e olharam para a experiência russa como um modelo, naturalmente tendo em conta e reconhecendo que cada país tinha as suas particularidades específicas, únicas e distintivas, o que sem dúvida tornaria o processo revolucionário diferente do que o russo.
O Partido pelo Socialismo e Libertação foi formado em 2004 por um pequeno grupo de quadros que aderiram aos princípios organizacionais dos bolcheviques que foram codificados nos documentos originais da Terceira Internacional. Reconhecemos explicitamente que a construção de um partido do tipo Leninista estava tomando forma numa paisagem política e social que não poderia ser mais diferente da existente na Rússia e também nos outros países durante o período 1917-1923, durante o qual a Terceira Internacional tomou forma.
Os partidos leninistas da Terceira Internacional foram construídos com a tarefa imediata, ou quase imediata, de fazer a revolução. O mundo tinha sido dilacerado pela Primeira Guerra Mundial. A velha ordem social tinha sido, em grande medida, degradada e, em certa medida, destruída. A revolução não só foi bem sucedida na Rússia, como varreu a Alemanha, Hungria, Polónia e outros países.
A situação era completamente única na história mundial. O mundo tinha-se tornado dominado por um sistema social global — o capitalismo — que se tinha transformado num sistema de imperialismo que dominava todo o globo. Os imperialistas entraram em guerra uns contra os outros, num esforço para redividir mercados e empregaram violência e assassinatos em massa a um nível que era insuperável na história da humanidade. As classes trabalhadoras que tinham sido enviadas para se massacrarem umas às outras e que se massacraram umas às outras ficaram exaustas e depois entraram em rebelião aberta contra as classes dirigentes que tinham criado os campos de extermínio para as pessoas da classe trabalhadora enviadas para lutar e morrer pelos seus inimigos de classe. Foi nestas circunstâncias que a revolução e especificamente a revolução socialista se tornaram a ordem do dia. Nada como este conjunto de circunstâncias existiu durante a vida de Karl Marx e Friedrich Engels, os fundadores do socialismo moderno ou científico.
As condições para a revolução existiam. Não foram criadas pelos Bolcheviques nem por nenhum dos partidos socialistas. As condições específicas para a revolução desenvolveram-se fora da capacidade ou do controle dos socialistas revolucionários. As condições para a revolução foram criadas por todo um complexo número de fatores interligados, enraizados na evolução dinâmica e contraditória do imperialismo moderno.
O fato de a Revolução Russa ter sobrevivido, de os bolcheviques terem sido capazes não só de se apoderar do poder do Estado, mas também de o conservar num país tão grande e vasto como a Rússia, mudou a natureza da luta de classes durante a maior parte do resto do século XX. As outras revoluções na Europa foram derrotadas até 1923 e o capitalismo na Europa ganhou um momento de descanso, mas então a crise econômica capitalista global uma década mais tarde levou à tomada fascista do poder na Europa continental e acabou por conduzir a uma segunda guerra inter-imperialista, a Segunda Guerra Mundial, cuja violência foi muito maior do que a Primeira Guerra Mundial.
Da revolução para a contra-revolução
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com exceção da Grécia entre 1945 e 1948, não houve tentativa alguma de revoluções socialistas em países imperialistas ocidentais. Houveram muitos movimentos de massa, mas nenhuma agressão revolucionária contra o poder estatal existente.
Enquanto o movimento revolucionário era abafado no ocidente, o centro da energia revolucionária mudou para a Ásia. A Revolução Chinesa, ao lado das revoluções no Vietnã e na Coreia, e dos movimentos anticoloniais na Índia, Indonésia, Filipinas e em outros lugares, balançaram a antiga ordem social na Ásia. Igualmente, movimentos de libertação nacional anticoloniais tornaram-se dominantes no Oriente Médio e na África. Apenas na pequena Cuba houve uma revolução socialista bem sucedida no hemisfério ocidental; tanto Nicarágua quanto Grenada eram revoluções socialistas embrionárias durante a tomada do poder em 1979.
Além disso, e mais importante para a nossa discussão atual, a destruição contra-revolucionária do Estado operário soviético e a tomada de poder capitalista dos governos do leste e do centro da Europa entre 1988 e 1991 inauguraram um período em que rotulamos corretamente de a era da contra-revolução.
Nesta avaliação, estamos a fazer uma distinção entre o período de não-revolução que existiu nos países ocidentais após a Segunda Guerra Mundial (1945-1985) e a era da “contra-revolução global”, que mudou a relação de forças e a paisagem política de todos os países do mundo.
Vale a pena tirarmos um momento para compreender esta distinção. O refluxo da energia revolucionária no Ocidente, como evidenciado logo após o encerramento da Segunda Guerra Mundial, coincidiu com um aumento de energia revolucionária no Oriente e no Sul. Isto não foi apenas evidente na localização geográfica da luta de classes e na luta pela libertação nacional contra o imperialismo. Isso manifestou também a mudança na localização do socialismo revolucionário e do comunismo. O Leninismo e o comunismo diminuíram no Ocidente, mas foram fortes na China, Vietnã, Coreia e em outros lugares da Ásia. Também em África, o comunismo foi ressuscitado na Etiópia, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e na África do Sul. Cuba, que estava mais próxima de África e da Ásia, era a fonte de energia revolucionária e de liderança comunista.
A era da contra-revolução não está localizada na Europa nem no Ocidente. Ela tem sido um fenômeno global. O seu impacto atingiu todos os lugares. Não só o movimento comunista global foi essencialmente quebrado e em grande medida desintegrado, como o imperialismo foi capaz de entrar na ofensiva para esmagar os governos e movimentos anti-coloniais. Basta olhar para o Oriente Médio nos nossos dias. O imperialismo destruiu o Iraque, a Líbia e uma boa parte da Síria. Também foram destruídas as forças políticas laicas, comunistas, socialistas e nacionalistas burguesas que dominaram o projeto anti-colonial no Oriente Médio. No lugar destas forças políticas derrotadas surgiram as forças políticas mais de direita e reacionárias, tais como o chamado Estado Islâmico, a Al-Qaeda, e outras organizações políticas e milícias jihadis de direita. Onde quer que tenham conseguido a vantagem no espaço criado para a reação política, estas forças têm travado uma guerra implacável contra esquerdistas, progressistas, nacionalistas seculares, mulheres e minorias religiosas.
A destruição e a derrubada do governo soviético foi de longe o maior revés e derrota para os socialistas e para o movimento da classe trabalhadora em toda a história.
O recrutamento de quadros e a formação de quadros em agitação e propaganda comunista, e em organização, é um processo complexo e a longo prazo. Aprender a entrar em arenas políticas reformistas, na arena política ou eleitoral, participar no movimento laboral, juntar-se a movimentos de massas espontâneos, construir pontes e alianças na classe trabalhadora e entre e dentro das comunidades oprimidas — estas são as principais tarefas do momento. Todas elas são complicadas e requerem atenção e trabalho constante.
Lênin, em seus escritos de 1912, argumentou que a organização deve ser profissional e não artesanal. A luta por profissionalismo ou como construir uma organização de revolucionários profissionais era identificada como a tarefa número um quando os Bolcheviques estavam formando uma organização política.
Nós, também, devemos lutar para superar a modo artesanal. Nós precisamos ser uma organização com competência profissional. Nós precisamos de líderes que não apenas tenham habilidade e o desejo de assumir a liderança — eles precisam estar disponíveis.
As tarefas organizativas deste período incluem expandir a eficiência das táticas e dos métodos associados com recrutamento, a popularização do socialismo, e do internacionalismo, perseguindo agressivamente uma estratégia de recrutamento e de construção do partido, empenhando-se numa campanha para compreender e promover a teoria revolucionária, e para construir uma frente unida contra o fascismo.