Capítulo do livro “On Racial Capitalism, Black Internationalism, and Cultures of Resistance“.
Tradução por Sandro Marques dos Santos.
Doutorando em História – UFRGS
Contato: sandroms1995@gmail.com
No final da guerra, o nazismo era a parte maldita da civilização ocidental, o símbolo do mal. — Saul Friedlander
O objetivo deste ensaio é desvelar uma construção negra do fascismo escondida pela desatenção geral ao pensamento político crítico negro nos círculos acadêmicos. Na academia, assim como no discurso comum, o pensamento político negro, assim como a atividade política negra, costuma ser tratado como derivativo (isto é, democratas negros, republicanos negros, ditadores negros, etc.). Quase se precisa, então, de uma teoria crítica para simplesmente presumir que vale a pena investigar uma significação negra do fascismo. Aqui tentarei não apenas ensaiar as diversas resistências ao fascismo montadas por negros comuns na diáspora e seus líderes, mas formular uma teoria do fascismo a partir de seu discurso comum. O objetivo final é determinar se um significado diferente para o fascismo emergiu da consciência histórica negra, um significado distinto das interpretações hegemônicas ou convencionais do fascismo. Nosso objetivo, então, é um discurso de oposição que refletisse o que há de genérico na experiência negra das contradições do Ocidente.
Os significados do fascismo
O estudioso que se debruça sobre o estudo do fascismo assumiu uma tarefa bastante assustadora. Isso não ocorre apenas porque, a essa altura, as interrogações anteriores sobre o advento e os personagens do fascismo produziram uma formidável montanha de documentação. É preciso também enfrentar o fato de que os estudos acadêmicos fascistas são uma indústria que encontra seus complementos, é claro, na mídia de massa e nas indústrias de entretenimento da cultura popular. Mas esse consórcio compactado é apenas sintomático da real dificuldade. O verdadeiro problema é que esta eufônica recitação do fascismo constitui um conceito.
As construções dominantes do fascismo por historiadores ocidentais e teóricos sociais como “extremismo de direita”, “autoritarismo neurótico” ou como uma “resistência radical à modernização” são as de uma ideologia e “um sistema político… em um período de tempo delimitado”. Em outras palavras, de acordo com seus principais intérpretes, o fascismo propriamente dito foi restrito à Europa entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, assumindo ora a forma de regimes estatais (na Alemanha, Itália, Espanha e Portugal) ora de regimes mais ou menos de movimentos de massa (na Áustria, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Hungria, Romênia, Polônia, Finlândia, Noruega, Dinamarca, Grã-Bretanha, Bélgica e França). Este parece ser o limite do consenso conceitual sobre o fascismo.
Alguns estudiosos tentaram distinguir entre os fascismos que eclodiram na Europa Central e Oriental daqueles da Europa Ocidental; outros, para tentaram diferenciar os movimentos fascistas nas sociedades agrárias daqueles nos países industrializados. Há também considerável controvérsia em relação à base social do fascismo: alguns de seus estudiosos enfatizam a importância do papel que os industriais e grandes proprietários de terra desempenharam nos Estados fascistas; outros enfocam a pequena burguesia e os burocratas. Não é raro encontrar em uma única autoridade reivindicações contraditórias, colocando a culpa do fascismo em praticamente todas as categorias sociais imagináveis. Por exemplo, em seu estudo detalhado do eleitorado de Hitler, Richard Hamilton descobriu que os eleitores nazistas eram trabalhadores industriais; camponeses; burocratas; os ricos, educados e cosmopolitas; e a pequena burguesia.
Dez anos atrás, em um ensaio dedicado ao que ele descreve como “a única forma genuinamente nova ou original de radicalismo emergente da Primeira Guerra Mundial”, Stanley Payne resumiu o mais essencial dos tratamentos concorrentes da natureza, significado e causas do fascismo. Ele começou com os primeiros debates sobre o fascismo: a clássica interpretação marxista da década de 1920 de que o fascismo era “um agente violento e ditatorial do capitalismo burguês”; as visões contemporâneas, porém alternativas, de Benedetto Croce e Friedrich Meinecke de que o fascismo foi um “produto de um colapso cultural e moral”; de Erich Fromm, Wilhelm Reich e Theodor Adorno que o fascismo era “o resultado de impulsos psicossociais neuróticos ou patológicos”; e de Ortega y Gasset que o fascismo era “o produto da ascensão de massas amorfas”. Payne sustentou que a conceituação do fascismo continuou a proliferar no pós-guerra: para A. F. K. Organski e Ludovico Garruccio, o fascismo era “a consequência de um certo estágio de crescimento econômico, ou fases históricas do desenvolvimento nacional”; para Hannah Arendt, Carl Friedrich e Zbigniew Brzezinski, o fascismo era “uma manifestação típica do totalitarismo do século XX”; para Ernst Nolte, Wolfgang Sauer, Henry A. Turner e Barrington Moore, Jr., era “resistência à modernização” enquanto, ao contrário, A. James Gregor, Karl Bracher e Alan Cassels argumentavam que o fascismo exibia tanto impulsos pro- e anti-modernização; e para Renzo de Felice e Seymour Lipset, o fascismo era “um radicalismo único das classes médias”. Não deveria surpreender que alguns desses mesmos estudiosos (De Felice e Bracher, por exemplo) repudiassem a coerência de qualquer noção genérica de fascismo.
Baseando-se no trabalho de Ernst Nolte, o próprio Payne concluiu com alguma qualificação que a essência do fascismo era a negação (antiliberalismo, anticomunismo e anticonservadorismo), ideologia (império, a criação de um estado autoritário nacionalista e uma estrutura econômica nacional multiclasses integrada) e estilo organizacional (simbolismo místico, coreografia política de massa, exaltação do domínio masculino, juventude, violência e liderança pessoal e carismática). E com base na abordagem de Eugen Weber, Payne identificou seis “variedades de fascismo”: a subespécie pluralística italiana (reiterada na França, Inglaterra, Bélgica, Hungria, Áustria, Romênia e “possivelmente até no Brasil”); o “notavelmente fanático” nacional-socialismo alemão (uma forma adotada na Escandinávia, nos Países Baixos, nos estados bálticos e na Hungria); o falangismo espanhol católico e tradicionalista; a semi-religiosa Guarda de Ferro romena; o movimento húngaro Arrow Cross; e os fascismos burocráticos dos regimes autoritários de direita na Europa Oriental. Após reflexão, então, torna-se evidente que Payne alcançou apenas a ilusão de trazer ordem ao caos classificatório dos estudos fascistas.
Payne poderia ter se saído melhor se tivesse considerado mais seriamente o nugatório (o que ele caracterizou como “uma posição nominalista extrema”), ou seja, a proposição de que o fascismo não era (e, talvez, não seja) uma coisa, não um fenômeno político genérico.
O significado do fascismo – em contraste com o advento do fascismo – está embutido no que Hayden White afirma ser uma prática discursiva específica: a saber, a historiografia ocidental.
“… A cultura ocidental dotou a história como um lugar onde uma natureza distintamente humana aparece e o processo pelo qual a espécie humana realiza seu destino. A esse respeito, o longo debate sobre a questão do conhecimento histórico parece estar inextricavelmente ligado às noções da cultura ocidental moderna sobre sua própria identidade, seu status como uma (ou melhor, a) civilização e a natureza e o valor dessa “modernidade” ao qual, com vários graus de orgulho, reivindica. ”
Nesse sentido, pelo menos desde o século XVII, as práticas de escrita histórica no Ocidente têm menos a ver com a compreensão das sociedades humanas passadas do que com o desejo tribal de ordená-las hierarquicamente. Por esta razão, White recomenda uma teoria histórica centrada em “uma consideração da retórica do discurso histórico”.
Assim, torna-se necessário postular que o significado do fascismo, a razão das indústrias multi-icônicas que examinam e celebram o fascismo, é a fabricação histórica do fascismo como negação do Geist ocidental. A ocorrência do fascismo foi interpretada como significando a “maldita” identidade histórica que o Ocidente quase assumiu, mas acabou rejeitando. O fascismo foi feito para significar o lado “escuro” da civilização ocidental. Como Ernst Nolte observou:
“… o fascismo é ao mesmo tempo resistência à transcendência prática e luta contra a transcendência teórica … o fascismo persegue sua resistência à transcendência de dentro dessa transcendência e às vezes na clara consciência de uma luta pela hegemonia mundial … O fascismo representa a segunda e mais grave crise de sociedade liberal, uma vez que alcança o poder em seu próprio solo e em sua forma radical é a mais completa e efetiva negação dessa sociedade”.
Para Nolte, a transcendência “prática” e “teórica” eram idênticas ao liberalismo, isto é, ao que Engels e Marx chamavam de “sociedade burguesa” e Hayden White abordava como cultura ocidental moderna. O advento do fascismo tem sido empregado, então, como uma confirmação da existência do Ocidente epistêmico; uma comprovação da identidade filosófica entre a civilização ocidental, a cultura ocidental e o destino humano. Em suma, a apresentação do fascismo reproduz o que Umberto Eco chama de narrativa exemplar:
“… existe um “herói” que afirma um “valor” a ser perseguido; para garantir e proteger esse valor, uma “interdição” deve ser respeitada; a interdição é violada, seja pelo herói sob a influência de um “vilão”, seja pelo próprio vilão em detrimento do herói, e resulta um “infortúnio”; neste ponto, um “salvador” intervém e se engaja em uma luta com o vilão até que a vitória seja alcançada; a derrota do vilão restabelece o valor comprometido. ”
Nos contos “exemplares” que constituem a análise do fascismo, o herói é o Ocidente; o valor é a liberdade individual (em termos materiais ou espirituais); a interdição é movimentos de massa autoritários; o vilão, líderes carismáticos; a desgraça, o fascismo; o salvador, democracias burguesas; a luta, a Segunda Guerra Mundial; a moral: “O herói foi imprudente, mas conseguiu se redimir por conta própria. ”
Da perspectiva de muitos povos não-ocidentais, no entanto, a ocorrência do fascismo – isto é, militarismo, imperialismo, autoritarismo racialista, violência de multidão coreografada, misticismo criptocristão milenar e um nacionalismo nostálgico – não era mais uma aberração histórica do que o colonialismo, tráfico de escravos e escravidão. O fascismo foi e é uma disciplina social moderna que, assim como seus predecessores genéticos, o cristianismo, o imperialismo, o nacionalismo, o sexismo e o racismo, forneceu os meios para a ascensão e preservação do poder para os elitistas. E como uma disciplina de dominação, as condições de existência são aqueles momentos paradigmáticos na experiência histórica do Ocidente (por exemplo, a apropriação por uma elite emergente, mas ainda amorfa, do cristianismo durante a Idade das Trevas ou o nacionalismo após a Revolução Francesa) quando a desintegração de um a ordem social hierárquica fornece a ocasião para a instituição de um sucessor sob um novo regime de verdade. E como o cristianismo e o nacionalismo, o ethos do fascismo varreu toda a civilização ocidental, apesar das particularidades evidentes em localidades específicas. Como tal, por um momento ela se manifestou em arenas nacionais ou sociais (nacional-socialismo alemão, fascistas italianos, falangistas espanhóis, etc.) enquanto na verdade era composta de materiais ideológicos, políticos e tecnológicos de uma civilização. É, então, um erro postular o fascismo como um traço nacional inerente ou atribuí-lo a uma cultura ou classe particular.
As massas negras e o fascismo
No período do pós-guerra, na esteira dos desafios ideológicos dos movimentos operários e intelectuais renegados na metrópole europeia, e do colapso estrutural e/ou elasticidade de economias e Estados-nação esgotados pela guerra, as ideologias fascistas ofereciam uma alternativa apócrifa à desintegração da Europa. A adoração da guerra por si só forneceria a vontade política e moral que garantiria a solidariedade do Ocidente. Mussolini declarou: “O fascismo não acredita nem na possibilidade nem na utilidade da paz perpétua… A guerra sozinha eleva ao máximo a tensão de toda a energia humana e coloca a marca da nobreza nos povos que têm a coragem de enfrentá-la.” E Hitler insistiu: “Na guerra eterna, a humanidade tornou-se grande – na paz eterna, a humanidade seria arruinada”.
Foi, de fato, a natureza da guerra fascista que teve seu efeito mais revelador sobre homens e mulheres negros comuns. No início da década de 1930, quando ficou evidente que as ambições de guerra de Mussolini haviam sido limitadas à África pelas políticas externas e interesses das nações mais poderosas da Europa, os negros já haviam sofrido derrotas esmagadoras na arena internacional em Cuba, Haiti e Libéria. Em 1912, os nacionalistas afro-cubanos foram submetidos a uma guerra quase genocida sob a direção de oficiais dos EUA. Em 1915, os EUA começaram o que seria uma ocupação de dezenove anos do Haiti. E em 1929, o Departamento de Estado dos EUA havia forçado a corrupta elite americana-liberiana à submissão abjeta ao capital americano (Harvey Firestone). Na América, para aprofundar ainda mais essas humilhações, os negros tiveram de enfrentar o espetáculo de seus líderes de “raça” mais influentes como colaboradores:
“A timidez de líderes como Washington no caso haitiano; o papel de figuras como DuBois na oposição e destruição da organização e programa da UNIA; A colaboração de DuBois com o Departamento de Guerra durante a Primeira Guerra Mundial…; a conivência dos líderes negros com o uso de trabalho forçado pela elite liberiana produziu um profundo ressentimento em relação a um estrato cuja ganância e autoengano o levaram a identificações com o imperialismo americano em casa e com as oligarquias da classe dominante negra no exterior”.
Privado da liderança radical pela agora dizimada Universal Negro Improvement Association e pelas políticas ambíguas e fluidas do Partido Comunista – os EUA, William Scott (um dos estudantes mais importantes desse período) escreve: “os negros despertados nos EUA montaram uma campanha vigorosa entre 1935 e 1936 para salvar o último posto avançado do domínio negro no mundo da dominação branca”. Frequentemente reativa aos eventos, a resistência ao imperialismo africano da Itália fascista assumiu cada vez mais o caráter de um nacionalismo negro de base. E, talvez, porque não estava em dívida com nenhuma organização estabelecida ou agrilhoado por uma liderança estabelecida, “essa atitude nacionalista prevalecia na América negra, permeando todas as seções geográficas da nação”.
Enquanto nos EUA, comícios de massa e grupos de apoio foram relatados em Chicago (a Aliança Mundial do Negro), Nova York (o Comitê Provisório para a Defesa da Etiópia e a Liga Patriótica Africana, etc.), Miami (a Liga Etíope de Socorro), Fort Worth, Okmulgee, Washington, D.C. (Conselho de Pesquisa Etíope) e Mobile (Amigos da Etiópia), e cartas a jornais negros como o Chicago Defender, o Pittsburgh Courier, o Amsterdam News e o Baltimore Afro-American registraram uma indignação geral , o protesto negro se estendeu muito além dos EUA.
“Em outros lugares, 100 estivadores da Libéria, Ovambo e Karro no sudoeste da África se recusaram a trabalhar em navios italianos; no Quênia, a Kikuyu Central Association recrutou voluntários para a campanha na Etiópia; Médicos egípcios reportaram-se a Addis Abeba; e centenas de índios ocidentais da Guiana Britânica, Cuba e Trinidad às Bahamas solicitaram permissão de suas autoridades coloniais para se alistar nos exércitos da Etiópia. ”
Da América, o cônsul-geral britânico, Sir G. Campbell, escreveu ao Ministério das Relações Exteriores: “Parece que os nativos das Índias Ocidentais Britânicas e das Guianas Britânicas, normalmente leais e patrióticos, bem como os afro-americanos da comunidade, perderam seu senso de perspectiva sobre a disputa…” O antifascismo se estendeu espontaneamente por todo o mundo negro. E é certo que o desconforto de Campbell teria sido ainda mais agudo se ele tivesse encontrado James Moody. Em junho de 1935, Moody, um perfurador de rochas desempregado, escreveu a Franklin Delano Roosevelt, o presidente dos EUA: “Agora, este é o meu ponto de vista … você tem (1)2 milhões de cidadãos negros classificados como indesejáveis que desejam voluntariamente voltar para a terra de onde seus antepassados vieram à força, que é a África, a terra da Etiópia, e isso economizaria milhões de dólares do governo enviando-os para lá.
Frustrados por sua própria falta de recursos e pela brevidade da guerra na Etiópia, talvez até 100 afro-americanos se juntaram às Brigadas Internacionais lutando pelo governo na Guerra Civil Espanhola. Lá eles se juntaram aos negros da África, das Índias Ocidentais, Europa e América Latina. Langston Hughes, que como jornalista passou quase metade de 1937 na Espanha, relata que “alguns deles nas Brigadas me disseram… Ao lutar contra Franco, eles sentiram que estavam se opondo a Mussolini”. Hughes chegou a Albacete tarde demais para dar a Milton Herndon a saudação enviada por seu irmão mais novo, Ângelo. Milton Herndon foi morto em batalha no dia 13 de outubro. Mas os camaradas de Milton se lembraram do que ele havia dito: “Ontem, Etiópia, Tchecoslováquia – hoje, Espanha – amanhã, talvez América. O fascismo não vai parar em lugar nenhum – até que o paremos. ”
Os teóricos radicais negros
Muitos dos intelectuais radicais negros que testemunharam a ascensão do fascismo na Europa estavam convencidos de que, independentemente de suas origens, em algum momento o fascismo se tornou um instrumento dos capitalistas com o objetivo de destruir os movimentos da classe trabalhadora. Em 1937, em sua Revolução Mundial, C. L. R. James, embora creditasse o conflito paralisante entre a Internacional Comunista de Stálin e a Segunda Internacional por sua participação na ascensão do nazismo, também apontou que, a partir de 1931: “Mais e mais grupos de capitalistas alemães começaram a ver uma saída em Hitler. ” James chegou mais perto da construção euro-marxista do fascismo, lançando sua interpretação desse movimento quase totalmente em termos de Europa, luta de classes e o choque entre o capitalismo de um lado e, do outro, a traiçoeira rivalidade entre irmãos e a Segunda Guerra Mundial. Terceira Internacional. Ele permaneceu fiel a essa posição muito depois dos eventos que levaram à Segunda Guerra Mundial. Em 1960, ele escreveu: “O Movimento dos Camisas Negras de Mussolini e o Movimento dos Camisas Marrons de Hitler foram organizados com o único propósito de destruir a ameaça de uma sociedade socialista que a classe trabalhadora agora representava, com o exemplo de um estado soviético realmente em existência.” Ele também foi persuadido de que “a vitória do fascismo na Alemanha [significou] … a vitória da reação em toda a Europa Central e Oriental”, e na Espanha e na França. Harry Haywood, que havia passado seis meses como comissário político do Batalhão Abraham Lincoln na Espanha, concordou: “A Guerra Civil Espanhola foi parte da campanha mundial pelo fascismo”.
George Padmore e Oliver Cromwell Cox, no entanto, viram o surgimento do fascismo de maneira um pouco diferente. Padmore renunciou (ou foi expulso, como seus oponentes queriam) da Internacional Comunista em meados da década de 1930 por causa de sua recusa em aceitar a nova linha oficial que distinguia entre “imperialistas democráticos” (EUA, Grã-Bretanha e França) e “imperialistas fascistas” (Alemanha, Itália e Japão). Em 1937, em seu livro África e Paz Mundial, Padmore chegou à conclusão de que o fascismo era uma resposta ao “colapso da economia capitalista”: “É exatamente por causa da desintegração do Capitalista-Imperialismo que se tornou necessário para a classe dominante da Alemanha descartar as instituições democráticas burguesas e recorrer à ditadura terrorista aberta, a fim de manter sua posição. ” E dez anos depois, Oliver C. Cox procurou conciliar o advento da Segunda Guerra Mundial com a noção de fascismo como expressão do capitalismo:
“… a base de muitas das aparentes inconsistências na política da Segunda Guerra Mundial reside no fato de que a aliança capitalista estava interessada em destruir os fascistas como competidores pelos mercados mundiais e recursos naturais, mas em salvá-los como baluartes contra o proletariado. ”
Cox descreveu o estado fascista como “um estado capitalista em um certo estágio de degeneração”. Independentemente disso, como Scott sugeriu, era o caso que aqueles intelectuais radicais negros que haviam sido influenciados pelo marxismo mantinham uma interpretação materialista do fascismo, acreditando “na primazia da classe e da economia sobre a raça e a nacionalidade…”, subordinando a força política e histórica da civilização ocidental e da ideologia racial à consciência da classe (dominante).
A única grande exceção foi DuBois. Ao afirmar uma identidade cultural entre o fascismo e as supostas democracias (“A Europa Ocidental não quis e não quer a democracia, nunca acreditou nela, nunca a praticou e nunca sem revolução fundamental e básica a aceitará. ”), DuBois, no final dos anos 1920 e início dos anos 1930 antecipou em quase trinta anos o reconhecimento tardio de Padmore de que o que o fascismo realmente significava era “uma nova agressão dos europeus na África”. DuBois lembra:
“Eu sabia que Hitler e Mussolini estavam lutando contra o comunismo e usando o preconceito racial para tornar alguns brancos ricos e todos os negros pobres. Mas foi só mais tarde que percebi que o colonialismo da Grã-Bretanha e da França tinha exatamente o mesmo objetivo e métodos que os fascistas e os nazistas estavam claramente tentando usar. ”
Como Langston Hughes, Harry Haywood e Milton Herndon, DuBois foi exposto à visão mais nua do fascismo:
“Ele estava na [Alemanha nazista] durante o espetáculo assustador dos Jogos Olímpicos de 1936. DuBois via Hitler como o mais recente “‘expoente bruto, mas lógico, da filosofia da raça branca mundial [que] desde a Conferência de Berlim em 1884’ culminou na divisão da África”.
Mas ao contrário da maioria de seus colegas radicais, DuBois insistiu que a essência do fascismo era racial. “O mundo negro sabe”, escreveu DuBois em 1935, “que este é o último grande esforço da Europa branca para garantir a sujeição dos homens negros. ” Foi uma construção que ele compartilhou com a classe trabalhadora negra. E porque em seus primeiros anos DuBois havia concedido primazia à “linha de cores”, não é de se estranhar que no final de sua vida ele insistisse:
“Acredito que o comércio de seres humanos entre a África e a América, que floresceu entre o Renascimento e a Guerra Civil Americana, é a causa principal e efetiva das contradições da civilização europeia e do ilógico no pensamento moderno e do colapso da cultura humana. ”
Para DuBois, a pré-condição para o fascismo era uma civilização profundamente traumatizada pela escravidão e pelo racismo.
Na época, DuBois estava em minoria entre seus colegas radicais, Manning Marable, um de seus biógrafos mais simpáticos, o repreendeu por não ser capaz “claramente… de discernir as amplas prerrogativas dos industriais e capitalistas financeiros que apoiaram o estado nazista” e por sua “conclusão altamente discutível de que a maioria dos alemães apoiava ‘Adolph Hitler hoje’”. Marable, apesar de sua óbvia afeição por DuBois, está mais à vontade com essa interpretação do fascismo que o envolve na luta de classes e no capitalismo, e não como um significante do Ocidente. Tal abordagem possui apenas uma relação tênue com os fatos de que os membros do Partido Nazista eram quase 900.000 em 1933 (em 1937, seriam 2,5 milhões) ou que 37,2% do eleitorado alemão votou nos nazistas em 1932.
Por outro lado, a formulação de DuBois do fascismo como a extensão “lógica” do racismo branco ecoou a das massas negras. E, paradoxalmente, coincidiu com o momento em que DuBois foi mais influenciado pelo marxismo. Como pan-africanista, no entanto, DuBois foi além do eurocentrismo e, consequentemente, não tinha interesse em subordinar sua análise de raça e cultura a um determinismo econômico. Ele trocou o racionalismo do materialismo histórico por uma teoria da história que concedia às forças irracionalistas o que lhes era devido. Como muitos negros comuns, DuBois acreditava que o Ocidente era patológico e o fascismo uma expressão dessa natureza.