Qual a diferença entre Valor e Preço para Karl Marx?

Texto escrito por Andrey Santiago, estudante de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina.

Há uma compreensível confusão no senso comum sobre a relação entre os conceitos de Valor e preço, em diversos momentos os termos são usados de modos intercambiáveis, chegando a até pessoas dizerem que um é sinônimo do outro, dado que em nossa vida cotidiana utilizamos as duas palavras para identificar o custo de itens que buscamos comprar.

Para o filósofo, economista e revolucionário alemão Karl Marx (1818 – 1883) existe uma grande distinção da categoria Valor para a categoria preço. À primeira vista é até compreensível que a maioria da população não veja essa relação constituída, já que o preço se mostra como a expressão monetária do valor, escondendo que existe um valor incorporado a tal mercadoria, que é diferente do preço demarcado nela, alia-se também ao fato de que a linguagem comumente falada não faz essa diferenciação também, dificultando o entendimento dos conceitos como diferentes um do outro.

Para se compreender efetivamente o modo como a economia capitalista funciona é necessário se ater a utilização correta dos conceitos fundamentais dela, o texto a seguir vem com o objetivo de elucidar essa problemática enfrentada por muitos iniciantes na teoria de Marx.

Valor, valor-de-uso e valor-de-troca

Ao desenvolver a sua teoria sobre valor, Marx continua com o que já foi conhecido por alguns economistas ingleses, como Adam Smith e principalmente David Ricardo. Todos defendem de certo modo que a criação de um determinado valor a um determinado bem se dá pela quantidade de trabalho nele investido, incorporado, comandado. No “Capital”, o autor alemão explica que o valor pode ser encontrado de duas formas, uma forma sendo onde o produto é útil para alguma pessoa e vindo do trabalho humano concreto, sendo este denominado valor-de-uso; sendo a outra forma onde o produto é direcionado ao mercado para a venda e esse produto tem como objetivo ser utilizado por outrem, incorporando a ele o trabalho humano abstrato, o chamado valor-de-troca.

Aqui se tem um ponto importante, o conceito “valor-de-uso”, apesar de ter a palavra “valor” no começo, não indica que a mercadoria realmente tenha valor. Valor é uma propriedade social inerente a mercadoria, sendo esta um objeto que se concretiza num mercado onde são feitas as trocas entre as pessoas, no caso, ela se consolida integralmente apenas no mercado capitalista. Em momentos anteriores de produção social da vida capitalista, as relações estabelecidas na troca envolviam certo domínio dos produtores sobre seus bens, como é o caso dos artesões que faziam seus produtos e vendiam por si próprios. “Uma coisa pode ser valor-de-uso sem ser valor”, é o que explica o autor no primeiro capítulo do Capital.

Além desses pontos, o valor também só pode ser criado a partir do trabalho socialmente necessário, onde implica-se que ele corresponde a condições médias de produção. Se individualmente um produto do trabalho tiver mais horas trabalhadas, ele não irá automaticamente e mecanicamente ter um valor maior, a definição de valor só se dá na esfera social. Nas palavras de Marx, “tempo de trabalho socialmente necessário é aquele requerido para produzir um valor de uso qualquer sob as condições normais para uma dada sociedade e com o grau social médio de destreza e intensidade do trabalho.”

O preço

Ao serem levadas para o mercado, essas mercadorias que tem um valor-de-uso, valor e valor-de-troca precisam ser expressas de outra forma. Aqui aparece o conceito de preço, derivando dessas três formas do valor, ele os expressa monetariamente na esfera do mercado, passando pela forma equivalente geral do valor, o preço os coloca na esfera do mercado com diferenças abertas. Imaginemos duas mercadorias diferentes, linho e casaco, ambas produzidas em um tempo igual de 1 hora, dado que o trabalho humano abstrato socialmente necessário para a realização dessas mercadorias é de 1 hora, elas têm o mesmo valor, apesar disso, elas são substancialmente diferentes e o preço delas também não necessariamente precisa ser igual.

Em si mesmo, o preço outra coisa não é senão a expressão em dinheiro do valor. Os valores de todas as mercadorias deste país se exprimem, por exemplo, em preços-ouro, enquanto no Continente se expressam quase sempre em preços-prata. O valor do ouro, ou da prata, se determina como o de qualquer mercadoria, pela quantidade de trabalho necessário à sua extração. […] Se vos aprofundardes mais na expressão em dinheiro do valor, ou o que vem a ser o mesmo, na conversão do valor em preço, vereis que se trata de um processo por meio do qual dais aos valores de todas as mercadorias uma forma independente e homogênea, por meio do qual exprimis estes valores como quantidades de igual trabalho social. (MARX, 1988)

O preço só acontece quando a mercadoria entra no processo de circulação, inferindo sobre ele determinadas forças competitivas do mercado, as quais são exógenas a produção acabada da mercadoria, fazendo com que ele possa se alterar drasticamente ou não em relação ao valor.

Diferenciação

Pelo que foi mostrado anteriormente, algumas indicações das diferenças entre valor e preço podem ser identificadas, podendo ser colocadas num quadro geral desse modo:

Valor Preço
É formado a partir do trabalho humano abstrato socialmente necessário. É formado a partir do valor de troca de uma mercadoria.
Tem como requisito necessário o valor-de-uso, não somente para si, como para outrem. Tem como requisito necessário o próprio valor ao qual vai expressar e a mercadoria-dinheiro.
Acontece na esfera da produção Acontece na esfera da circulação.
Não se influencia estritamente pela oferta e demanda. Existe uma considerável influência pela oferta e demanda.

Quanto a oferta e demanda, Marx nega a tentativa de explicar o valor e os preços das mercadorias a partir do comportamento da oferta e da demanda, porém o próprio não deixa de reconhecer a influencia da oferta e da demanda sobre as oscilações dos preços no mercado. O preço da mercadoria pode desviar-se de seu valor, em função da diferença entre oferta e demanda:

Mas para focalizar as coisas com maior amplidão: equivocar-vos-ei por inteiro, caso acrediteis que o valor do trabalho ou de qualquer outra mercadoria se determina, em última análise, pelo jogo da procura e da oferta. A oferta e a procura só regulam as oscilações temporárias dos preços no mercado. Explicam porque o preço de um artigo no mercado. se eleva acima ou desce abaixo do seu valor, mas não explicam jamais esse valor em si mesmo. (MARX, 1988)

Em relação à diferenciação que ocorre pela explicação de que o valor se dá no processo de produção e o preço no processo de circulação, algumas precauções precisam ser tomadas. A fase da circulação, ou seja, a existência de mercados de dinheiros, produtos, de força de trabalho e seus preços, são dados antes do início do processo de circulação da produção. “A circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital. Produção de mercadorias e circulação desenvolvida de mercadorias – o comércio – formam os pressupostos históricos a partir dos quais o capital emerge” diz o autor alemão. A esfera de produção capitalista de mercadorias, que segue a circulação de mercadorias é a sua complementação necessária e a sua negação. Apesar de vir posteriormente a circulação, é na produção das mercadorias que o valor se forma, sendo este o que vai proporcionar a base do preço, já que como foi dito anteriormente, o preço é a expressão monetária do valor. A compreensão da formação de cada conceito deve ser entendida numa lógica dialética do processo de produção e circulação, onde um necessita do outro para se constituir.

Considerações finais

O debate sobre a distinção entre valor e preço tem um nome, “o problema da transformação dos valores em preços”, sendo este iniciado por uma crítica feita pelo Dr. Wolfgang Mulphort, após a publicação do Livro III do Capital, nela o Dr. Mulphort diz que existe uma inconsistência no processo analítico de Marx, onde ele deveria ter colocado o capital constante e o capital variável como preços de produção, sendo este o primeiro autor que procurou corrigir Marx.

Mulphort terá uma influência sobre um famoso autor da escola econômica austríaca, Eugen von BöhmBawerk, que publicará em 1896 o livro “A conclusão do sistema de Marx”, uma obra que tem como grande finalidade invalidar a teoria do valor de Marx, considerada por um lado desnecessária para a construção de uma teoria dos preços, e de outro lado inconsistente como base para uma teoria dos preços.

Utilizando dessas constatações míopes sobre a relação entre valor e preço, onde enxergavam que em Marx a compreensão desses conceitos não tinham uma diferença real, esses autores deram argumentos para diversos setores tanto da economia, quanto da política e da sociedade em geral para deixar o marxismo à margem de uma abordagem que tenha uma explicação efetiva da realidade, que tenha a capacidade de explicá-la e de transformá-la.

Com este artigo, são dados alguns passos iniciais para demonstrar que em Marx existe de fato uma diferença entre como o valor se transforma no preço e como isso é levado em conta na construção do seu método de análise para apreender a realidade. Levando em conta que na sociedade em que vivemos, onde as aparências escondem as essências, desvelar as diferenciações entre valor e preço para compreender o funcionamento do mercado e do sistema capitalista se mostram como preocupações iniciais e finais importantes, não somente para uma compreensão do que foi escrito, mas para uma compreensão que possibilite transformar as relações sociais que giram em torno disso e nos colocam como seres não humanos.

 

 

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