Existe uma lenda na direita reacionária do Brasil e outros países, como Estados Unidos, que existe o “marxismo cultural”, uma estratégia de infiltração nas instituições, na escola, na família, nas igrejas, onde a gente vai chegar ao comunismo sem que ninguém perceba que iremos chegar ao comunismo, através da subversão dos valores da família e da cultura judaico-cristã ocidental.
Aqui no Brasil, um dos grandes expoentes dessa concepção megalomaníaca e conspirativa, é o filósofo, ou melhor, o pseudofilósofo Olavo de Carvalho. Essa concepção é totalmente falsa, ela é inspirada numa interpretação equivocada da obra do comunista italiano Antônio Gramsci, que foi fundador do Partido Comunista Italiano e um grande revolucionário, de gigantesca importância para a história do marxismo.
No momento os conservadores que partem dessa conversação, compreendem que existiu uma estratégia revolucionária de tomada armada do poder, e nesse momento, usam Lenin e os bolcheviques como exemplo dessa estratégia e há existe também uma estratégia gramsciniana, dessa infiltração cultural.
É necessário dizer que essa estratégia gramsciniana é falsa, em nenhum processo revolucionário existente até hoje, seja a Revolução Chinesa, Cubana, Vietnamita, Russa, se partiu para um enfrentamento armado dispensando a luta de massas, dispensando a organização em sindicatos, em revistas, em jornais, a participação no movimento estudantil, grêmios e associações culturais e etc. Todo processo revolucionário teve um longuíssimo histórico de luta de massas e de luta politica e ideológica, onde o confronto armado, o processo de tomada de poder e derrubada do Estado burguês foi a culminância de um longuíssimo processo político.
Segunda coisa a ser dita, é que Gramsci nunca falou de marxismo cultural, nem nada disso. Gramsci percebeu que em algumas sociedades capitalistas, a burguesia complexifica suas formas de dominação, ela não só domina mais através da polícia, do exército, do sistema penal, do sistema carcerário, enfim, da violência, que Gramsci chama de “Estado Coerção”, “Estado Stritu Sensu” ou “Sociedade Politica”. Gramsci percebe que, tanto a burguesia, como a classe trabalhadora, se envolve no que ele chama de aparelhos privados de hegemonia, que são os partidos, jornais, emissoras de rádio, de televisão, e etc, e que esses aparelhos privados de hegemonia trabalham para difundir determinada concepção de mundo, determinada concepção de moral, política e de sociedade.
O que isso significa? Significa que no processo de luta política, através dos enfrentamentos econômicos, por exemplo, o movimento sindical, ao lado dos vários enfrentamentos de ordem física, como os trancaços, protestos e enfrentamentos com a polícia, existe também uma batalha das ideias, ou seja, a classe trabalhadora organizada, luta para difundir o seu programa revolucionário para os seus potenciais aliados, assim como a classe burguesa, numa condição infinitamente superior a classe trabalhador, já que ela tem os meios materiais para organizar a cultura, também luta para difundir as suas concepções de mundo burguesas e individualistas como as melhores e únicas possíveis. Essa luta é evidentemente desigual, enquanto a burguesia tem a capacidade de montar uma gigante emissora de televisão, como a Rede Globo, que chega em mais de 90% dos usuários de TV brasileiros, a esquerda revolucionaria combativa com seus jornais e sites, não consegue ter esse nível de alcance. A grande contribuição de Gramsci, foi dar uma maior atenção a dimensão da batalha das ideias, a dimensão da luta pela hegemonia no âmbito do que ele chama “sociedade civil”, isso não significa de forma alguma, esquecer os momentos de enfrentamento, a necessidade de derrubar o Estado de Coerção e os aparelhos repressivos do Estado.
Além disso, é possível perceber, o que essa direita delirante chama de “marxismo cultural” normalmente são valores progressistas e até liberais, por exemplo, a descriminalização do aborto, a liberação da maconha, o ensino de educação sexual nas escolas, o Estado laico, no momento eles chamam essas pautas de comunistas, de revolucionárias, que são pautas, como faladas, progressistas e liberais.
Não existe nenhum tipo de marxismo cultural, isso é um delírio, assim como Gramsci, não era um reformista que defendia uma transição gradual, dentro das instituições, ao socialismo, a melhor forma de compreender Gramsci é ler diretamente ele e compreender que ele trouxe grandes contribuições ao entendimento revolucionário da superação do capitalismo. Então Olavo de Carvalho, os leitores da Veja e afins, tão totalmente equivocados nessa leitura que é irreal e que é uma leitura reacionária, que serve para justificar suas pautas regressivas.
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