Clara Zetkin – “Organizando as Mulheres Trabalhadoras”

Os seguintes extratos foram retirados do discurso que Clara Zetkin fez ao IV Congresso da Terceira Internacional Comunista, em Novembro de 1922. Nessa época, ela era representante alemã da Executiva do Comitê da Internacional, e Secretária Geral do Secretariado Internacional da Mulher.

O IV Congresso tomou lugar em frente aos ataques das classes empregadores, após a defesa da onda revolucionária que varreu a Europa no fim da Primeira Guerra. O trabalho das Frentes Unidas¹ e das massas são agora as estratégias que se mostram necessárias.

Embora as circunstâncias históricas sejam bem diferentes das de hoje, os argumentos que Clara apresenta ainda são válidas porque a questão de como alcançar e organizar as mulheres da classe trabalhadora ainda está em pauta.


O trabalho comunista entre as mulheres

Companheiros, antes de começar minhas considerações sobre as atividades do Secretariado Internacional da Mulher e o desenvolvimento da atividade comunista entre as mulheres, permitam-me algumas breves observações. Elas são necessárias porque nosso trabalho ainda é incompreendido não apenas por nossos oponentes, mas até mesmo por nossos próprios camaradas. Isso é para alguns vestígios de uma visão antiga, e para outros um prejuízo intencional, porque eles não simpatizam com nossa causa e até mesmo se opõem parcialmente à ela.

O Secretariado Internacional da mulher é um dos braços da Executiva do Comitê. Ela conduz suas atividades não apenas em constante cooperação com o Executiva, mas também sob sua imediata liderança. O que nós normalmente designamos ao Movimento Comunista das Mulheres não é um movimento independente de mulheres. Ele existe para uma sistemática propaganda comunista entre as mulheres. E tem um duplo propósito: primeiro, incorporar no seio das seções nacionais do Comitê aquelas mulheres que já estão cientes do ideal comunistas, transformando-as em co-trabalhadoras conscientes das atividades dessas seções. E segundo, para ganhar, sob os ideais comunistas, aquelas mulheres que hoje são indiferentes e atraí-las para a luta do proletariado. As massas das mulheres trabalhadoras devem ser mobilizadas para essas lutas. Não há nenhum trabalho no Partido, nenhuma luta nos movimentos de todos os países que nós mulheres não consideremos como nossa principal obrigação. Além disso, desejamos tomar nosso lugar nos Partidos Comunistas e na Internacional, onde o trabalho é ainda mais árduo, sem fugir do mais humilde e modesto trabalho do dia a dia².

Uma coisa é ficou clara: nós precisamos de órgãos especiais para lidar com o trabalho comunista de organização e educação entre as mulheres e tornar isso parte da vida do Partido. A agitação comunista entre as mulheres não é uma questão apenas das mulheres, é uma questão de todo Partido Comunista de cada país, da Internacional Comunista. Para concluir nossos propósitos, é necessário construir órgãos partidários, Secretarias de Mulheres, Departamentos de Mulheres, ou qualquer nome que pudermos chamar, para lidar com este trabalho.

Claro que não descartamos a possibilidade de alguma personalidade forte, homem ou mulher, que esteja hábil para fazer o mesmo trabalho em algum lugar ou organização distrital, mas por mais que a gente admita essas realizações pessoais no partido, devemos nos perguntar quão grande são esses benefícios seriam se ao invés de um trabalho individual nós estivéssemos uma cooperação de diversas forças. Ações unidas de todos em prol de um mesmo objetivo, esse deve ser o slogan do Partido, da Internacional, e do nosso trabalho com as mulheres.

Por uma questão de conveniência, de prática divisão do trabalho, mulheres normalmente são as mais preparadas para lidar com os órgãos especiais do trabalho comunista entre mulheres. Não podemos negar o fato de que a maior parte das mulheres vive e trabalha sob condições especiais. Isso ocorre porque, geralmente, mulheres encontram os melhores e mais rápidos métodos para se aproximar das mulheres trabalhadoras e dar início a uma propaganda comunista. Assim como nós, mulheres comunistas, consideramos como nosso direito e dever tomar partido em qualquer atividade dentro do Partido — desde ao mais modesto trabalho de distribuição de panfletos, até a final e decisiva luta — assim como nós consideramos como um insulto sermos consideradas incapazes de fazer parte da grande trajetória histórica do Partido e da Internacional Comunista, então, nós não excluímos qualquer homem da participação num trabalho especial comunista entre as mulheres.

Durante o último ano, tivemos indícios dos lados bons e ruins do trabalho comunista entre as mulheres. Vimos os lados bons naqueles países onde as seções comunistas da Internacional criaram corpos, como na Bulgária e na Alemanha, onde as Secretarias das Mulheres realizaram o trabalho de organizar a educação das mulheres comunistas, mobilizando as mulheres trabalhadoras, e liderando-as na luta proletária. Nesses países, o movimento comunista das mulheres se tornou um dos pontos fortes do Partido em geral. Nesses países, tivemos diversas mulheres membros e militantes no Partido, e massas ainda maiores de mulheres como companheiras na luta armada fora dele.

“Onde há força de vontade, há um caminho. Nós ansiamos a revolução mundial, portanto, devemos encontrar um caminho para alcançar as massas de mulheres exploradas e escravizadas, independente das condições históricas tornem este desafio fácil ou difícil.”

Deixe-me dar-lhes alguns poucos exemplos dos péssimos resultados da falta de órgãos especiais para a organização das mulheres dentro dos Partidos Comunistas. Quando não há Secretarias de Mulheres ou órgãos similares, temos observado uma queda da participação das mulheres na vida do Partido Comunista, e um afastamento do proletariado feminino da luta de classes. Na Polônia, o Partido se recusa até hoje a designar órgãos especiais para o trabalho entre mulheres. O Partido estava disposto a permitir às mulheres que participassem das lutas em suas fileiras, e participar das greves e do movimento de massas. Porém, estamos começando a perceber que isso não é suficiente para permear o proletariado feminino ao ideal comunista. As últimas eleições ao Parlamento provaram que os reacionários encontram seu maior suporte entre as massas ignorantes de mulheres que ainda não permearam pelo comunismo. Isso nunca deveria ocorrer novamente.

Na Inglaterra, a organização para a condução de uma agitação sistemática entre o proletariado feminino é praticamente inexistente, o Partido Comunista da Grã Bretanha desculpou-se por essa fraqueza, e tem continuamente se recusado ou adiado a criação de um órgão especial para uma agitação sistemática entre as mulheres. Toda a exortação do Secretariado Internacional das Mulheres tem sido em vão. Nenhum Secretariado foi estabelecido: a única coisa que foi feita foi a indicação de uma companheira mulher como agitadora geral do Partido. Nossas companheiras mulheres tem se organizado em vários encontros para uma educação política das mulheres comunistas por fora de suas próprias fileiras. Esses encontros tiveram tão bons resultados que a organização de encontros similares deveria ser encorajado pelo Partido Comunista.

A atitude da Executiva do Partido Comunista da Grã-Bretanha é, na minha opinião, não apenas um resultado de sua fraqueza econômica, mas parcialmente também de sua juventude e das lacunas resultantes dela. Eu não quero submeter o Partido à severas críticas aqui. O sucesso do Partido Comunista Britânico nas últimas eleições gerais da Grã Bretanha é prova de sua forte determinação e sucesso prático. Contudo, essa vitória eleitoral, assim como a atividade política e a reorganização que foram decididas, responsabilizam o Partido Comunista Britânico num contexto em que, de um pequeno partido propagandista, deve se tornar um partido de massas, para lutar pela organização das mulheres proletárias. A seção britânica da Internacional não pode continuar indiferente ao fato de que em seu país muitas milhões de mulheres estão organizadas em sociedades pelo sufrágio feminino, em sindicatos de mulheres no molde antigo, em cooperativas de consumidores, no Partido Trabalhista e no Partido Trabalhista Independente. Cabe ao Partido Comunista lutar com todas essas organizações para conquistar o coração, as mentes, a força de vontade e as ações das mulheres proletárias. Por isso o Partido vai, a longo prazo, perceber a necessidade de organização de órgãos especiais por meio do qual será capaz de organizar e treinar as mulheres comunistas dentro dele, e tornar as mulheres proletárias fora do Partido em combatentes dispostas aos interesses de sua classe.

Em vários países, as mulheres comunistas, sob a liderança de seus partidos, usaram todas as oportunidades que tiveram para alertar o proletariado feminino e levá-los à luta contra o sistema capitalista. Assim como foi na Alemanha em sua luta contra a chamada Lei do Aborto³, que foi usada para uma extensiva e vitoriosa campanha contra o domínio da classe burguesa e do Estado burguês. Essa campanha nos garantiu a simpatia e aderência das grandes massas de mulheres. Foi apresentada não como uma questão das mulheres, mas como uma questão política do proletariado.

Nós entendemos perfeitamente a importância de um trabalho espirituoso e profundo nos sindicatos e cooperativas. Para continuarmos com esse trabalho energético e sistemático nessas fileiras, é necessário obtermos influência sobre as grandes seções de mulheres e as recrutemos para a luta. E isso faremos influenciando as mulheres trabalhadoras através de seus sindicatos, e as proletárias e donas de casa através do movimento cooperativo. Entretanto, gostaria de salientar que em nosso trabalho nós não devemos criar falsas ilusões. Devemos, pelo contrário, fazer o nosso melhor para destruir a ilusão de que o movimento sindical e cooperativo dentro do sistema capitalista são capazes de provocar a legislação em benefício do proletariado e destruir as bases do capitalismo. Apesar de útil e indispensável, o trabalho nos sindicatos e cooperativas não pode determinar a derrubada do capitalismo.

As condições são especialmente favoráveis para uma mobilização também das mulheres não proletárias em torno do comunismo. A decadência capitalista criou na Grã Bretanha, na Alemanha, e em outros Estados burgueses, uma grande classe de novos ricos, assim como uma grande classe de novos pobres. A classe média está sendo proletarizada. Consequentemente as exigências da vida tem pulsado nos corações de muitas mulheres que até então tinham uma existência extremamente segura e feliz sob o sistema capitalista. Muitas mulheres profissionais, especialmente as intelectuais, como professoras, funcionárias públicas e trabalhadoras de escritórios de todos os tipos estão se rebelando e sendo pressionadas à luta contra o capitalismo. Companheiros, nós devemos nos aproveitar da inquietação nesses círculos de mulheres e transformar sua desesperança resignada em uma chama de indignação que levará à consciência e ação revolucionária.

E sobre as condições que tornam isso possível? Eu já mencionei o que o avanço impiedoso das condições atuais faz na vida de milhões de mulheres, fazendo com que muitas deles despertem de seu torpor. Tudo o que nos prejudicou anteriormente — o atraso político e a indiferença das mulheres em geral — podem, sob a pressão de uma dor insustentável, trazer as mulheres adultas ao campo comunista. Sua mentalidade é menos influenciada pelas falsas e enganosas palavras de ordem dos reformistas sociais democratas e reformadores burgueses. Sua mentalidade é normalmente como uma folha em branco, então, nós frequentemente achamos mais fácil trazer as massas femininas, até agora indiferentes, para nossa luta sem uma transição preliminar pelo sufrágio, pacifismo e outras organizações reformistas. No entanto, gostaria de soltar uma nota de advertência. Nós não podemos ser muito otimistas e esperar que as mulheres se juntem imediatamente à luta por nossos objetivos finais, mas podemos depender delas em nossa luta contra a ofensiva da burguesia.

Eu acredito que nossas mulheres camaradas na Bulgária tem nos mostrado um ótimo caminho para a organização feminina. Elas estabeleceram uniões de mulheres simpatizantes. Essas uniões são, não apenas centro de treinamentos para a entrada no Partido Comunista, mas também pontos de reuniões eficazes para a atração das massas femininas às atividades e ações do Partido. Nossas camaradas italianas começaram a seguir esse exemplo. Elas também estabeleceram grupos de mulheres simpatizantes, inclusive mulheres que ainda relutam em entrar em partidos políticos, ou participar de reuniões políticas. O exemplo deve não apenas receber o reconhecimento de todos aqueles que fazem o trabalho comunista entre as mulheres de todo o mundo, mas também deve ser seguido.

Camaradas, as mulheres comunistas das seções da Internacional são dotadas da consciência, vontade e energia necessárias para este trabalho entre as massas femininas? Não devemos ocultar o fato de que as mulheres, assim como os homens comunistas (em geral, não somos piores ou mais estúpidas que vocês), frequentemente carecem de um treinamento fundamental, teórico e prático. O atraso e a fraqueza das mulheres no movimento político apenas reflete o atraso e a fraqueza nas fileiras comunistas em geral. É de grande importância que superemos mais rápido possível a falta de formação e a fraqueza daqueles que estão realizando o trabalho comunista entre o proletariado feminino. Portanto, eu instruo todos vocês para terem o cuidado de que as mulheres comunistas em suas fileiras sejam individualmente responsabilizadas pela realização de tarefas práticas no Partido. Zelem para que elas tenham todas as oportunidades de educação possíveis. Camaradas, o treinamento essencial e prático das mulheres entre os preciosos trabalhadores comunistas na luta comunista é parte do nosso próprio trabalho educacional, e um importante e indispensável pré requisito para o nosso sucesso.

Todos os sinais do tempo nos mostram que a sociedade está objetivamente madura, melhor ainda, mais que madura para a derrubada do capitalismo. Mas nós ainda não tivemos nenhuma prova de que o desejo do proletariado, o desejo da classe destinada a ser o coveiro da ordem capitalista está maduro, no sentido histórico da palavra. Mas camaradas, essa situação histórica é como uma paisagem alpina, onde as massas gigantescas de neve repousam sob o topo das montanhas por séculos, aparentemente imunes ao sol, chuva ou tempestade. Mas apesar das aparências, elas estão debilitadas, cresceram suavemente e estão prontas para serem derrubadas. Talvez o bater de asas de um pequeno pássaro será suficiente para provocar uma avalanche que irá enterrar os vales sob seu próprio peso.

Nós não sabemos quão perto nós, homens e mulheres, estamos de uma revolução social. Portanto, não devemos perder nem uma hora, ou melhor, não devemos passar nem um minuto sem trabalhar pela revolução mundial. A revolução mundial não significa apenas a destruição do mundo e a destruição do capitalismo. Significa também a construção do mundo e a construção do comunismo. Vamos nos inspirar pelo real significado da palavra: vamos estar prontos, e deixar as massas prontas, para que elas possam se tornar criadoras mundiais do comunismo.


Observações

¹Frentes Unidas, segundo o IV Congresso da Terceira Internacional: “A tática da frente única é simplesmente uma iniciativa que os comunistas propõem para se unirem a todos os trabalhadores pertencentes a outros partidos e grupos, e todos os trabalhadores desalinhados, em uma luta comum para defender os interesses imediatos e básicos da classe operária contra a burguesia.”

²Do original: “Moreover, we desire to take our place in the Communist Parties and in the International where the work is hardest and the bullets fly thickest, without shunning the most menial, most modest every-day work”

³Referência à luta contra a Lei do Aborto que levou à redução da pena máxima e em 1926, à legalização em casos graves e que ofereciam riscos à vida da mãe.


Tradução feita por Arthur Andrade, disponível em seu Medium, clique aqui para acessar o texto.

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