Por Andrey Santiago
Resumo
A Segunda Guerra Mundial transformou profundamente o mundo e determinou um ponto marcante na história humana, não apenas o conflito militar atingiu níveis nunca vistos antes através do desenvolvimento de novas tecnologias de destruição, como as campanhas de persuasão da população geral para o apoio da guerra atingiu patamares elevados por meio de uma profissional produção audiovisual, que informava sobre os acontecimentos, auxiliava exércitos e buscava recrutar novos combatentes e trabalhadores. Este artigo buscará analisar dois filmes que retratam a Segunda Guerra Mundial de formas distintas, Terrível como o Inferno (EUA, 1955) e Vá e Veja (URSS, 1985), explorando suas produções, histórias, mensagens e tratamento dado ao período histórico, afim de caracterizar o que define um filme de propaganda e um filme anti-guerra.
Introdução
A relação entre cinema e sociedade é fortemente documentada na historiografia que trata do desenvolvimento da indústria cinematográfica, inclusive com ênfase na relação particular entre cinema e guerra, como evidenciado em trabalhos de historiadores do cinema como Thomas Doherty, Paul Virilio, James Chapman e outros, tema que será abordado neste artigo.
Ainda assim, análises comparativas elaboradas de forma profunda acerca das disparidades de retratações da Segunda Mundial entre países capitalistas e socialistas são escassas, o presente texto busca preencher esta lacuna através da análise de duas importantes obras sobre o tema da Segunda Guerra Mundial que foram baseadas em fatos reais: Terrível como o Inferno (To Hell and Back no título original) lançado nos Estados Unidos da América em 1955 e Vá e Veja (Idi i smotri no título original), lançado na União Soviética em 1985. Dois filmes que retratam jovens protagonistas vivendo conflitos internos e externos em meio as batalhas que ocorreram naquele período histórico.
Para tanto, é necessária primeiramente uma breve contextualização sobre como as guerras mundiais se relacionaram com a indústria cinematográfica e de que forma as principais potências mundiais lidaram na Guerra Fria com os filmes sobre a Segunda Guerra Mundial.
Até metade do século XX, período em que o cinema estava se estruturando e se consolidando enquanto arte, houveram duas guerras mundiais que envolveram enormes avanços tecnológicos, transformações sociais e causaram milhões de mortes, com estimativas de 20 milhões de mortes ocorrendo na Primeira Guerra Mundial[1] e 75 milhões de mortes na Segunda Guerra Mundial[2]. Durante o período em que as guerras aconteceram, produções cinematográficas foram realizadas para incentivar o recrutamento de soldados para os fronts de batalhas e para auxílio na produção de equipamentos para os combatentes, também propagandeando os ideais dos países que batalhavam entre si.
Embora houvesse pouco conhecimento das nações na Primeira Guerra Mundial acerca dessa nova forma de arte que passava pela sua era silenciosa, não tardaram em utilizá-la como forma de propaganda, especialmente nos Estados Unidos, garantindo assim a realização de obras como The Little American, The Unbeliever e Hearts of the World, dirigidas por grandes nomes do cinema daquele período e que fariam parte do cânone da história do cinema mundial como Cecil B. DeMille e D.W. Griffith.
A Primeira Guerra Mundial, que clamava ser a “Guerra para Acabar com Todas as Guerras”, na verdade acentuou contradições em diversos países, principalmente na Europa, local onde ocorreu a maior parte das batalhas, atrocidades e mortes. Logo após seu fim, durante a década de 20 houve um fértil período de investimento e experimentação no cinema, alcançando então avanços significativos na área da direção, montagem e fotografia com as produções impactantes de Sergei Eisenstein da União Soviética (onde havia ocorrido uma revolução socialista ao final da guerra em 1917), Fritz Lang na Alemanha e Henry King nos Estados Unidos.
O advento da Segunda Guerra Mundial marca dessa forma a profissionalização e estreitamento da ligação entre a produção audiovisual com sociedades efervescentes em buscas de ferramentas de propaganda e persuasão da população geral. O desenvolvimento das táticas militares e suas tecnologias expande-se também para o meio cinematográfico na própria guerra, dessa maneira Paul Virilio afirma que
Assim, ao lado do tradicional ‘serviço cinematográfico dos exércitos’, encarregado de garantir a propaganda dirigida às populações civis, existe também um ‘serviço militar das imagens’, capaz de garantir o conjunto das representações táticas e estratégicas dos conflitos, para o soldado, para o piloto de tanque ou de avião de combate, mas sobretudo para o oficial superior responsável pela preparação das forças. (VIRILIO, 2005, pág. 16)
Na Alemanha Nazista, Leni Riefenstahl através de seus filmes desenvolvia grandes obras épicas exibindo os ideais racistas e xenofóbicos que os nazistas almejavam, motivando os soldados do país. Durante a guerra, os EUA com o apoio de Hollywood, junto de grandes produtoras e distribuidoras como Warner Bros e Universal Studios, criam um órgão governamental chamado “War Activities Committee of the Motion Pictures Industry” para acompanhar e apoiar os esforços governamentais a favor da Segunda Guerra Mundial.
Após o fim desses eventos mundiais um ponto do inflexão foi marcado na história humana, não houve um caminho pacífico para um progresso virtuoso das sociedades, a Primeira Guerra Mundial não foi a última guerra existente, a crise econômica de 1929 deixou milhões famintos e deu base para políticas extremamente reacionárias tomarem conta de países devastados por estas guerras, desigualdades e contradições. A revelação dos horrores cometidos pelos nazistas através do Holocausto que executou cerca de 6 milhões de judeus em campos de concentração deu um enorme impulso a criação da Organização das Nações Unidas, para assim, prevenir de forma mais eficaz uma nova guerra de grandes proporções, estabelecendo orientações mundiais e promovendo relações multilaterais de coexistência pacífica entre as nações.
Os Aliados venceram a guerra contra o Eixo, porém mesmo entre eles havia uma disputa que se conformou na Guerra Fria, de um lado o sistema capitalista cristalizado no Sonho Americano dos Estados Unidos da América, do outro, o sistema socialista edificado pelas mãos da classe trabalhadora na União Soviética. As duas maiores potências mundiais competiam em praticamente todos os quesitos: econômicos, sociais, tecnológicos, culturais. Com grande vantagem da URSS na garantia de direitos básicos para sua população: como acesso a moradia, água, luz, proteções trabalhistas, políticas de emprego, creches gratuitas para crianças, criminalização das discriminações baseadas em raça, credo ou gênero e vários outros aspectos que os EUA mantinham e mantém dificuldades em proporcionar hoje em dia.
Mesmo com a criação da ONU, outras guerras ocorreriam durante o século XX, a Guerra da Coreia na década de 50, a Guerra do Vietnã nas décadas de 60 e 70, a Guerra do Golfo nos anos 90 e assim até os dias atuais. Em todos estes conflitos armados os EUA estiveram presentes de uma forma ou de outra, seja diretamente com soldados americanos ou indiretamente pelo financiamento e treinamento de grupos que servissem aos seus interesses, como documentado no livro Killing Hope: US Military and CIA Interventions Since World War II de William Blum.
Em meio aos sucessivos conflitos que os EUA se envolviam, crescia em seu país descontentamentos, mas também formas de sustentar o apoio da população a sua política intervencionista, principalmente por meio de duas maneiras: pela deliberada negação de envolvimento em conflitos internacionais (negação muitas vezes contestada por opositores no mesmo período) ou pela exaltação do patriotismo americano, que estaria lutando para defender os interesses do seu povo e do “mundo livre” ou do “ocidente”.
Nesse sentido, o segundo argumento é fortalecido intensamente nos anos pós-Segunda Guerra Mundial através de longas-metragens hollywoodianos que exaltam a participação de soldados americanos no conflito, considerados heróis por terem batalhado duramente e vencido a recente guerra. Se trava então na Guerra Fria uma disputa pela memória, um conflito marcado pela representação do que significou a Segunda Guerra Mundial, quais os sentimentos e mensagens que ela deveria despertar para o público, o que o passado poderia indicar para o futuro daquelas nações que participaram do maior conflito armado do século XX.
O frenesi hollywoodiano pela produção de filmes celebrando e glorificando sua atuação nas guerras logo após os anos 50, embora questionado principalmente a partir do envolvimento estadunidense na Guerra do Vietnã, continuou tendo um impacto significativo na reprodução de visões superficiais sobre as consequências destes conflitos, sua perspectiva buscava formar uma influência hegemônica não só em seu país acerca do envolvimento na guerra e os valores que ela continha, como também mundialmente dado o desenvolvimento da indústria cinematográfica estadunidense que era reconhecida ao redor do globo.
Dessa maneira, os filmes produzidos na União Soviética embora tivessem um alcance global menor, acabaram por proporcionar uma contraposição as narrativas sobre os acontecimentos históricos relacionados ao período histórico, empregando outras técnicas de direção, roteirização, filmagem, edição, buscando evocar sentimentos em grande medida diferentes e antagônicos aos principais filmes produzidos e apoiados pelo governo dos EUA.
Fundamentação Teórica
Para estabelecer o debate sobre a relação entre cinema e guerra de forma ampla, foram buscadas referências teóricas nos mais variados campos: livros, artigos, entrevistas, vídeo ensaios e outras obras audiovisuais que retrataram o tema.
O principal texto que auxilia nas problematizações e reflexões presentes foi redigido por Breanna Fehlman para a Universidade Batista de Ouachita no Arkansas, sendo este intitulado “World War II Films and Patriotism in America”, junto a ela, escritos de autores como Paul Virllio e James Chapman, historiadores do cinema que trataram sobre o tema de cinema e guerra serão base do presente artigo. Durante o trabalho também serão citados autores que estudaram sobre a Segunda Guerra Mundial e os fatos que ocorreram nas regiões em que os filmes se passam e os acontecimentos que abordam, visando um rigor histórico maior ao que foi ou não exibido nas obras.
Para a discussão do tema será empregado um estudo analítico de cada obra em seções do artigo, com análises de principais arcos dos filmes, contextos históricos e efeitos semióticos, resultando em uma análise comparativa ao final, que sintetiza as abordagens de cada obra sobre a Segunda Guerra Mundial respondendo também a questão na conclusão: o que define um filme de propaganda e um filme anti-guerra?
Discussão
O primeiro grande longa-metragem dos EUA produzido acerca da Segunda Guerra Mundial com um veterano de guerra enquanto ator principal se trata de Terrível como o Inferno, lançado em 1955. Baseado no livro de memórias de Audie Murphy de mesmo nome, o filme retrata o recrutamento e os combates do soldado texano que com 19 anos de idade foi o soldado mais condecorado dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Parabenizado por seus atos de bravura e heroísmo, Murphy acabou recebendo a Medalha de Honra, o maior mérito que um soldado das forças armadas poderia receber em seu país.
A obra dirigida por Jesse Hibbs, produzida por Aaron Rosenberg e distribuída pela Universal Pictures revive as batalhas de Audie Murphy na África, Itália e França até o momento em que é dispensado da carreira militar por ser alvejado enquanto defendia seus companheiros em cima de um tanque de guerra.
O filme foi um sucesso de crítica e de bilheteria, tendo um espetáculo em cada cinema que o exibia por incentivo da Universal Pictures, que “pediu aos cinemas que exibissem o filme para tentarem obter objetos da guerra ou realizar desfiles de tropas quando o filme fosse lançado, a fim de capitalizar a situação e tornar o filme mais popular” (FEHLMAN, 2015), levando a carreira de Audie Murphy adiante com grande impacto e deslanchando uma série de outros filmes sobre as batalhas estadunidenses na guerra. A produção e o lançamento do filme sobre a guerra foram um espetáculo.
Enquanto isso, na União Soviética filmes com a Infância de Ivan, Quando Voam as Cegonhas e A Balada do Soldado retratavam os aspectos humanos daqueles que sofreram de várias modos o intenso momento da guerra, se distanciando de posturas glorificantes e se aprofundando em retratações das consequências da guerra em indivíduos e suas relações sociais, seus traumas e seus aspectos psicológicos. Essa exploração do aspecto humano, psicológico e social dos sobreviventes da Segunda Guerra no cinema soviético, incorporando o zeitgeist de filmes anti-guerra norte-americanos pós-anos 60 como Paths of Glory, Apocalypse Now e The Deer Hunter culmina na realização de Vá e Veja de Elem Klimov em 1985.
Klimov e o roteirista do filme Ales Adamovich experienciaram a Segunda Guerra Mundial quando eram jovens, o diretor nascido em Stalingrado, uma das cidades mais devastadas pela guerra lembra da fuga que presenciou junto de sua família naquele momento de invasão pelos nazistas, descrevendo que “quando era um jovem menino eu [Klimov] estive no inferno” [grifos nossos] (RAMSEY, 2001).
Nascido na Bielorrússia em 1927, Adamovich, também enfrentou a invasão nazista se aliando aos partisans quando era adolescente, vendo em primeira mão as atrocidades cometidas pelos nazistas e baseando seu roteiro nestas experiências. Dialogando com Klimov sobre a produção e o possível receio da público que poderia não ver a obra pelo seu teor pesado comentou: “Deixem que não o assistam. Isso é algo que devemos deixar como um legado. Como uma prova da guerra e como um apelo pela paz” (MURZINA, 2010).
Vá e Veja foi produzido pela Mosfilm e Belarusfilm, a obra é baseada no livro “Eu sou da Vila Fiery” (tradução nossa) de Ales Adamovich, Janka Bryl e Vladimir Kolesnik. O filme estrelado por Aleksei Kravchenko conta a história de Flyora, um adolescente bielorrusso que se envolve com partisans para resistir a invasão nazista que acontecia em sua região, separado deles, o jovem acaba por acompanhar as atrocidades cometidas pelos alemães em várias vilas da Bielorrússia.
Sobrevivendo no inferno
No dia 20 de junho de 1925, nascia em Kingston, uma pequena comunidade rural no Texas, o mais novo de sete filhos de um casal de produtores rurais, Audie Leon Murphy. O estado do Texas teve um importante papel durante o período da Segunda Guerra por providenciar combatentes para todos os setores do exército estadunidense, além de geograficamente estar situado em um espaço bastante propício para o treinamento de soldados
“A abundância de bases militares foi uma das mais significantes influencias federais no período de guerra no Texas. Um clima moderado e céus abertos no Texas providenciaram muitos bons dias de treinamento durante o ano. Instalações militares estabelecidas, como o Forte Bliss perto de El Passo, o maior complexo do Aeronáutica em Sant Antonio, e o Camp Hood perto de Killeen, cresceram em área e membros. Também, o governo dos EUA construiu muitas novas bases militares no Texas e ordenaram milhares de americanos para treinarem lá.” (PROCTER, 1952) (tradução nossa)
O filme Terrível como o Inferno conta a história de Audie Murphy desde sua infância no sul dos Estados Unidos até a sua dispensa do exército e condecorações. Embora Murphy tivesse 31 anos no ano das filmagens, ele foi convencido pelo estúdio a reviver suas batalhas enquanto tinha 19 anos na data das incursões realizadas. Sua participação no filme tem o propósito de dar uma maior segurança e fidelidade aos fatos que estavam sendo representados, o filme estrela a própria pessoa que viveu aquelas situações, um nível de realismo era almejado com sua contratação, o que fazia o filme se diferenciar em relação a outras obras hollywoodianas.
Há de se destacar a participação do General Walter Beddel Smith na abertura e narração da obra. Smith foi um dos principais generais durante a Segunda Guerra na campanha da Itália, compondo o Quartel General Supremo das Forças Expedicionárias Aliadas no período em que foram feitas as incursões na Europa Ocidental. Tendo um papel importante na manutenção da política racista de não permissão da de-segregação de soldados negros e brancos nos pelotões do exército dos EUA e na ativa exclusão de soldados negros da libertação de Paris, onde declarou em um informe militar que “era mais desejável que a divisão mencionada acima consistisse apenas de membros brancos” (THOMPSON, 2009). No restante de sua vida acabou tornando diretor da CIA, promovendo golpes e intervenções em países do terceiro mundo, como na Guatemala onde fomentou o golpe orquestrado pela United Fruit Company (BLUM, 1995).
A atuação direta de Murphy, a participação de Smith demonstra um dos principais elos entre o Departamento de Defesa dos EUA e a Universal Pictures, outros fatos também dão mais força a essa ligação que é agradecida publicamente ao final da obra. Como o filme foi gravado totalmente em solo americano no estado de Washington, em locações planejadas e reconhecidas, o exército dos EUA garantiu uma maior sustentação a iniciativa disponibilizando soldados reais para as filmagens e equipamentos para a produção.
O primeiro ato do filme gira em torno dos esforços de Murphy para conseguir se alistar no Exército, demonstrando suas dificuldades familiares e financeiras, tenta-se tornar o herói mais humano para os telespectadores. Neste momento do filme há um personagem mais velho que repete de forma constante que gostaria de ter continuado nas forças armadas, para garantir uma renda na sua idade avançada, funcionando primariamente com efeitos humorísticos, mas também evidenciando que o investimento na carreira militar poderia garantir frutos, dessa forma fortalecia ideologicamente a promoção de recrutamentos para a instituição.
Mesmo sendo negado por setores das forças armadas. Murphy com a determinação de servir sua pátria e ajudar sua família consegue ingressar na infantaria do Exército. Neste espaço, ele recebe um treinamento básico ao mesmo tempo em que se interessa pelos cursos educacionais oferecidos para os soldados, fazendo parte da 3ª Divisão de Infantaria dos EUA.
Historicamente sua divisão foi ativa desde a Primeira Guerra Mundial, comparecendo em todos fronts europeus que estavam sendo batalhados naquele momento, no Norte da África, Sicília, Itália, França, Alemanha e Áustria[3]. Murphy acabou participando em grande parte deles, ganhando a cada batalha reconhecimento de seus pares por sua bravura e liderança, algo retratado com bastante louvor no filme, pouco explorando as consequências das mortes que causou ou viu para além de rápidos olhares tristes.
Na primeira sequência do filme sobre a campanha na Sicília, o soldado se destaca por garantir a resistência de seu pelotão em meio ao ataque surpresa de soldados italianos, alguns de seus companheiros são alvejados e mortos com pouquíssimo teor gráfico enquanto Murphy dispara e consegue garantir a segurança de todos. Basicamente não há civis neste primeiro momento do filme, entretanto, a campanha na Sicília por parte dos EUA – a guerra de forma geral – envolveu eles de forma bastante impactante.
Os cidadãos sicilianos submetidos a tensão da guerra acabaram ficando em situações decadentes de vida, com acesso restrito a higiene e alimentação. Em julho de 1943, a cidade de Canicatti, que havia se rendido aos EUA quando estes entraram na cidade depois de um bombardeio pelos alemães quando recuaram, foi palco de um massacre cometido pelo exército. Oito civis italianos desarmados foram assassinados, incluindo uma criança de 10 anos de idade. Estes civis estavam em uma fábrica abandonada buscando comida e sabão, os americanos tentaram dispersá-los, mas acabaram por atirar na população que estava no local[4].
Outro massacre de maior proporção ocorreu em Biscari, quando soldados americanos assassinaram 76 prisioneiros de guerra, a noticia correu pela instituição militar e chegou a acusar de crimes de guerra os sargentos e capitães responsáveis pelo massacre, que posteriormente acabaram sendo exonerados de forma honrosa.
Os civis, a população geral não interessa ao filme de forma preponderante, apenas a história de Murphy e os valores das forças armadas são o que movem a história, assim, é necessário questionar qual o recorte da história que estava sendo promovido, dessa forma:
Ao contrário dos filmes de guerra mais modernos, o público-alvo deste filme era a geração de pessoas que viveram durante e logo após a guerra, em particular as pessoas que estavam em casa e não testemunharam a batalha. Este filme seria especialmente revelador para aquelas pessoas que não testemunharam os horrores da guerra. No entanto, como as filmagens mostradas ao público durante a guerra, o filme não é muito gráfico (em termos violentos e emocionais) a ponto de perturbar o público em casa. […] Os valores e ideias que este filme incorpora têm a ver com a importância do trabalho realizado pelos soldados da Segunda Guerra Mundial e como os americanos em casa precisavam ver a verdade (ou a versão da mídia dela). (FEHLMAN, 2015, pág. 9) (tradução nossa)
Terrível como o Inferno não desconforta aqueles que o assistem, pelo contrário, evoca um sentimento de celebração apesar das adversidades, busca fomentar o patriotismo, de forma a garantir uma sensação de amor, devoção, pertencimento as instituições do Estado que estão sendo demonstradas, neste caso, um patriotismo ao império estadunidense. Sem questionamentos ou possibilidade de enxergar o internacionalismo entre os membros da população que estão vivendo situações avassaladoras em várias partes do mundo, há um fortalecimento ideológico da ideia de nação e do outro, ao que o revolucionário Vladimir Lênin vai afirmar enquanto parte essencial da era imperialista onde diz que “os fatores econômicos mais profundos conduzem em direção a este objetivo e, portanto, para toda a Europa Ocidental, ou melhor, para todo o mundo civilizado, o estado típico e normal do período capitalista é o estado nacional.” (LÊNIN, 1979)
É inegável que o filme retrata no segundo arco a relação dos militares estadunidenses com civis na Tunísia, ainda assim, a superficialidade ganha forma, desta vez ligada intrinsicamente a uma postura paternalista, como na cena em que os soldados dão comida as crianças, e machista, dado que interagem basicamente de forma mais detalhada com mulheres para se aproveitar delas, seja para fins humorísticos ou para fins de satisfação pessoal, por exemplo, na cena em que Murphy beija uma moça com uma cruz cristã ao fundo, consagrando a sua breve relação amorosa na Tunísia.
Na realidade, a relação dos soldados estadunidenses (e de outros exércitos como da Alemanha e União Soviética) com as mulheres na Segunda Guerra Mundial nem sempre foram amistosas como retratadas, na libertação da França mais de 3500 estupros ocorreram por conta de soldados americanos de acordo com estimativas de 1944 até o fim da guerra (LILLY, 2007).
Ao fim da guerra, Audie Murphy recebeu mais de vinte condecorações, não só dos EUA, como da França e Bélgica. Terrível como o Inferno encerra com Murphy e suas medalhas enquanto assiste um desfile militar, nos últimos momentos aparecem em cena alguns de seus companheiros de armas que faleceram nos combates, de forma a lembrar destes que caíram nas batalhas travadas.
Justamente, as lembranças de soldados e das batalhas permaneceram de forma muito profundas na mente de Murphy, o que pode não transparecer ao público que vê o filme e enxerga um humilde e bravo herói americano. Murphy ficou traumatizado com a guerra, embora tivesse uma prolífica carreira enquanto ator, sua vida pessoal demonstrava que este teria desenvolvido a síndrome de estresse pós-traumático por conta dos eventos que presenciou. Acabou lidando no restante de sua vida com problemas de violência e dinheiro, chegando a dormir com uma arma carregada em seu travesseiro, e chorando ao ver crianças alemãs órfãs no jornal, perguntando-se acerca de suas ações na guerra e se elas teriam levado ao fim dos pais daquelas crianças (GRAHAM, 1989).
Sua experiência traumática com a guerra o fez buscar financiamento para um filme que lidasse com essa questão, mas nem Hollywood, nem o Departamento de Defesa dos EUA tiveram interesse, ele nunca conseguiu produzir uma sequência, a qual teria um nome escolhido: The Way Back (O Caminho de Volta em tradução livre).
A revelação do apocalipse
Embora trinta anos afastem uma produção da outra, os eventos retratados em Vá e Veja dizem respeito ao mesmo período em que se passa Terrível como o Inferno, o cenário aqui se localiza a 1,742 km da Itália, na Bielorrússia, Europa Oriental.
O país que naquele período fazia parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, acabou sendo invadido pelos nazistas em 1941 durante a Operação Barbarossa, ocupando-o até 1944 quando a União Soviética realizou a Operação Bagration, codinome para a Ofensiva Bielorrússia que garantiu uma das maiores derrotas dos alemães na Segunda Guerra Mundial, com mais de 450 mil soldados mortos e retomou o país [10]. Em meio a todo esse tempo de ocupação, dentro do país se desenvolveu uma constante resistência armada a invasão dos nazistas, os partisans, guerrilheiros partidários da luta armada que defendiam seu país e orquestraram diversas ações de sabotagem até assassinatos, não fazendo parte das forças armadas estabelecidas do país.
Como mencionado, o filme é baseado nas memórias de Ales Adamovich que lutou com os partisans quando era um adolescente na Bielorrússia ocupada, embora contenha elementos ficcionais e surrealistas, o filme tem uma forte influência do realismo social que vigorava entre as produções socialistas, refletindo de maneira profunda as contradições da sociedade que representava. Por oito anos, o filme não conseguiu aprovação para ser realizado, com acusações de “estetização da sujeira”, de um realismo que na verdade se transformava num “naturalismo” cinematográfico (MURZINA, 2010). Até quem em 1984, Klimov conseguiu iniciar a produção da obra que foi filmada em solo Bielorrusso por nove meses, com grande maioria de atores não profissionais, incluindo o protagonista Aleksei Krevchenko, que interpreta Flyora enquanto este testemunha ações brutais promovidas pelos nazistas. Acerca dessa escolha de atores não profissionais, Klimov comenta:
Eu entendi perfeitamente que o filme iria acabar sendo difícil. Decidi que o papel central do rapaz da aldeia Flyora não seria desempenhado por um ator profissional, que após a imersão em um papel difícil poderia ter se protegido psicologicamente com sua experiência de atuação, técnica e habilidade acumuladas. Eu queria encontrar um garoto simples de quatorze anos de idade. Tivemos que prepará-lo para as experiências mais difíceis e depois capturá-las em filme. E, ao mesmo tempo, tínhamos que protegê-lo do estresse para que não fosse deixado no manicômio após o término das filmagens, mas devolvido à sua mãe vivo e saudável. (MARZINA, 2010) (tradução nossa)
O emprego de um ator não profissional em Vá e Veja, dessa forma, busca dois objetivos: a garantia da impossibilidade de subterfúgios para apaziguar o que o ator reage nas cenas por conta de técnicas aprendidas e a reprodução autêntica da experiência que o intérprete vai ter acerca dos acontecimentos vividos. Assim, a obra captura as experiências de Kravchenko (Flyora) de maneira singular, inédita, tanto para o personagem, que era apenas um adolescente na guerra, quanto para o ator, que nunca viveu aqueles acontecimentos.
György Lukács, filosofo marxista que estudou sobre teoria da arte, comenta sobre a diferenciação do ator de teatro e do cinema, afirmando que no primeiro o ator dá vida a personagens literários preexistentes, dado que nesse espaço, há uma homogeneidade das formas de representação, enquanto “no cinema o personagem é criado pelo trabalho interpretativo do ator, que assim “se torna algo definitivo”, criando em cada caso um tipo, “revelado sensivelmente pela personalidade do ator”. Isto é, “determinados atores individuais” se tornam tipos em escala mundial (COTRIM, 2020).” Diferente de Murphy reviver suas batalhas de maneira encenada, amena, pouco gráfica para não desconfortar o público, Kravchenko praticamente vivencia a Segunda Guerra Mundial na frente de câmeras, imprimindo reações impactantes e significativas acerca dos traumas que uma pessoa pode sofrer naquele momento, proporciona ao público uma reflexão ímpar e universal.
Vá e Veja é marcado pela iluminação natural, close-ups, long shots, comgrande parte de seu mise-en-scène desorientador, dado o caos presente nas cenas retratadas e a naturalidade dos atores e figurantes presentes, todos bielorrussos. Necessário destaque a dois elementos centrais da obra além das interpretações: a produção de som que capta com cuidado os barulhos ensurdecedores de bombas, gritos e tiros e a maquiagem, caracterizando a tragédia e envelhecimento dos personagens durante o filme, como retratado na Figura 1 que mostra Flyora no inicio do filme e na Figura 2 que o captura próximo do fim.


O filme é contado de maneira linear, com elementos surrealistas inseridos de maneira pontual contrastando com a realidade bárbara que é evidenciada. No primeiro ato do filme em que Flyora se junta aos partisans e deixa sua família com mãe, pai e duas irmãs para trás, da mesma forma, ele é deixado para trás pelos partisans e sofre um bombardeio de aviões nazistas, seu nariz e orelhas são marcadas por sangue, sua audição é fortemente prejudicada com um estridente som acompanhando-o por vários momentos seguintes. Junto de Glasha, uma jovem que auxiliava enquanto enfermeira no abrigo dos partisans ele parte para sua vila natal, se deparando com ela vazia, sem encontrar sua família.
Em Vá e Veja, a população civil tem papel proeminente, a sobrevivência de Flyora em meio a tragédia da guerra segue fatos reais sobre o que aconteceu nas vilas de seu país. A Bielorrusia foi a república soviética mais atingida pelos danos da Segunda Guerra Mundial, em todo o seu tempo de ocupação ela teve 200 de suas 209 cidades destruídas, 85% de sua indústria danificada e cerca de um terço de sua população foi assassinada, com cerca de 1,6 milhões de civis mortos e 620 mil soldados bielorussos do exército vermelho abatidos em combate, o país só conquistaria números de habitantes ao nível pré-guerra em 1971[5]. O Holocausto assassinou sistematicamente cerca de 66% da população judia no país, ao mesmo tempo em que a atuação dos partisans era extremamente significativa, como relatado no caso do Grupo Bielski que construiu uma comunidade na floresta de Naliboki.
O massacre da vila de Flyora é mostrado graficamente no filme com corpos dos habitantes empilhados em uma parede com marcas de tiro e sangue, a cena não dura muito segundos, mas é o bastante para chocar e deixar o telespectador num estado de profundo desconforto. Durante o restante da história, o protagonista vai compreendendo cada vez mais o que estava acontecendo, a desestruturação de sua vida é completa, seu trauma é perceptível e o impacto das mortes que ele presencia fica cada vez mais evidente em seu olhar frígido.
No segundo ato da obra, Florya e mais alguns personagens buscam comida na devastada Bielorrussia, passando por minas terrestres que chegam a abater dois de seus colegas, deixando a sua frente apenas a perna de um deles. O desespero por comida faz o protagonista tentar junto de seu colega guerrilheiro, roubar uma vaca para a comunidade que o esperava, porém tiros das metralhadoras de nazistas atingem o animal que provia leite, toda fonte de alimentação literal e metaforicamente é abatida pelos invasores alemães.
Isolado pela morte ou desaparecimento de todos aqueles ao seu redor, o adolescente sobrevive perambulando pelas zonas devastadas pela guerra, até ser acolhido por um senhor de idade, que lhe dá um nome falso e o leva para a vila de Perekhody. Nesta vila ocupada pelos alemães novamente o protagonista acompanha atrocidades sendo cometidas, pessaos humilhadas e sendo levadas para uma cabana, em vão ele tenta avisar as pessoas sobre o que poderia ocorrer, a morte delas.
Essa sequência em particular, próxima do fim do filme, tem nítida inspiração nos acontecimentos que levaram ao Massacre da Khatyn, uma vila na região de Minsk, Bielorrússia, onde 147 habitantes, foram executados com tiros e queimados vivos pela Brigada Dirlewanger [6]. Na obra, Flyora testemunha uma cabana sendo preenchida com os habitantes da cidade em que estava, conseguindo escapar, mas observando do lado de fora soldados alemães se divertirem atirando e queimando o local com homens, mulheres e crianças vivas.
Vá e Veja não se furta de mostrar e fazer ouvir os gritos desesperados da população acometida pelas atrocidades nazistas, a experiência do público ao assistir a cena da cabana é induzida a uma sensação de desprazer, horror, choque, a guerra aqui é vista como uma grande tragédia, de tal modo que James Chapman afirma que
Vá e Veja não é um filme de guerra convencional sobre batalhas entre exércitos; em vez disso, enfoca os efeitos da guerra sobre a população civil que sofreu durante a invasão alemã. Os eventos na filmagem são uma destilação de experiências históricas reais. O ataque alemão à União Soviética em 1941 foi marcado por um nível sem precedentes de brutalidade e matança indiscriminada enquanto os invasores interpretavam de forma muito vaga as notórias “medidas militares especiais” para lidar com “bolcheviques, agitadores, guerrilheiros, sabotadores e judeus”. (CHAPMAN, 2008, pág. 112) (tradução nossa)
Inicialmente o filme se chamaria “Mate Hitler”, justificando a cena em que Flyora atira num retrato de Hitler no chão buscando acabar com a guerra, neste momento inclusive, Klimov traz em seu filme uma montagem com arquivos reais da Segunda Guerra Mundial sendo executados no modo reverso, de modo a “voltar no tempo”, evitar com que toda aquela situação acontecesse.
Os partisans chegam posteriormente a área, capturam e executam os líderes nazistas enquanto estes buscam se salvar apontando o dedo uns aos outros covardemente, com apenas um soldado tendo a coragem de proferir suas ideias reacionárias. O processo histórico retratado no filme termina com o protagonista se juntando aos partisans, seguindo na resistência do país enquanto é exibido na tela: “628 aldeias bielorrussas foram totalmente queimadas com todos os seus habitantes”. A obra de Klimov tem um final melancólico, o apocalipse retratado na tela durou cerca de 2h22min, porém ainda não se compara ao que os cidadãos bielorrussos experienciaram por quase cinco anos, milhões morreram, mas não foram esquecidos.
Conclusão
“Eis que é chegado o grande Dia da ira deles; e quem poderá sobreviver?”, diz a passagem final do Livro do Apocalipse na Bíblia, de onde Vá e Veja tirou seu título final, interessante notar como a alegoria da guerra enquanto inferno se faz presente nos dois filmes analisados no artigo.
Terrível como o Inferno busca mostrar que o seu soldado chegou até o inferno, porém voltou para um estado de paz posterior, condecorado, reconhecido, vivo para prosperar. O filme, entretanto, utiliza as experiências de Audie Murphy para impulsionar a agenda de patriotismo em seu país, sua história serve apenas enquanto catalisador para que aqueles que assistirem o filme honrem os valores de bravura, humildade, coragem e liderança que motivou os soldados estadunidenses em sua jornada, filmes como Terrível como o Inferno e outros da época “foram citados por veteranos do Vietnã como influenciando sua decisão de se alistar” (CHAPMAN, 2008).
O apoio direto do Departamento de Defesa dos EUA, sua prontidão para ceder soldados reais, equipamentos, um general para narrar o filme demonstra evidentemente que não se tratava apenas da história de um indivíduo, se tratava do que esse indivíduo poderia simbolizar.
De certa forma, todo filme propagandeia uma mensagem, não existem vácuos políticos na vida cotidiana, uma obra do cinema, uma obra de arte sempre está inserida numa complexa totalidade que se desenvolve a partir de avanços, recuos e contradições. Acontece que, a partir das inovações tecnológicas surgidas após as Guerras Mundiais, eram necessárias maneiras de conquistar ainda mais grupos de pessoas para determinadas ideias e agendas.
O filme de propaganda começa quando o pensamento crítico termina, seu objetivo deliberadamente é influenciar opiniões e argumentar sobre um ponto, embora Terrível como o Inferno tenha sua narrativa baseada em fatos reais, isso não impede que a obra no contexto inserido servisse para propósitos maiores do governo estadunidense, principalmente para recrutar novos soldados. O inferno pode até existir, mas participar dele tem suas celebrações.
Em um polo oposto, caminham grande parte dos filmes soviéticos sobre a Segunda Guerra Mundial feitos durante a Guerra Fria. O país que mais perdeu habitantes para o conflito, que foi atacado barbaramente por toda sua existência, por meio de suas narrativas buscou representar aqueles que caíram e lembra-los, não por meio de uma postura que levasse pessoas a quererem mais violência e coerção para controlar os seus destinos, mas para que impedissem outros horrores de acontecerem.
Vá e Veja, através de suas imagens cruas, seu som estridente, sua montagem caótica, sua maquiagem realística faz com que o desconforto tome conta daqueles que o assistem, a guerra nesse filme é condenada pelos horrores que são demonstrados e que impelem aqueles que assistem para não se animarem com aquele período histórico. Restam algumas contribuições ao debate que a definição de James Chapman traz sobre filmes anti-guerra, onde ele afirma
Um filme anti-guerra é aquele que expressa, por meio de seu conteúdo ou de sua forma, a ideia da guerra como uma tragédia moral e um desperdício de vidas humanas. Na medida em que é uma tentativa de persuadir o público sobre a tragédia e atrocidade da guerra, então um filme anti-guerra é tanto uma peça de propaganda quanto um entusiasta filme de combate patriótico. (CHAPMAN, 2008, pág. 117)
Por meio dessa definição, ambas as obras cairiam sob o gênero de “filmes de propaganda”, dado que são produções audiovisuais que visam persuadir o público para determinada visão, entretanto, como mencionado, todas as produções artísticas são marcadas por uma visão de mundo de um modo ou de outro, a forma em que os filmes enfatizam suas mensagens pode ser semelhante de forma superficial, porém seu conteúdo as diferem radicalmente.
O mérito de um filme anti-guerra, particularmente o que foi analisado neste artigo, centra-se na valorização da vida humana em meio as tragédias demonstradas, apesar de retratar tantas horrores, há uma condenação implícita ao que acontece, a disputa pela memória é travada no sentido de resgatar aquelas histórias, para que não se repitam.
Sua direção, produção, roteiro, montagem, a utilização de atores não profissionais, elementos surreais, existenciais, distinguem de maneira profunda este filme anti-guerra de um filme de propaganda como Terrível como o Inferno, o conteúdo do filme tem relação constante com a realização do mesmo. Lukács afirmará que essa relação entre conteúdo e forma deve respeitar a observação de Hegel que diz “o conteúdo não é senão o mudar da forma em conteúdo, e a forma não é senão o mudar do conteúdo em forma”, o filósofo húngaro discorre
Vemos assim como todo um conteúdo de uma obra de arte deve converter-se em forma para que a verdadeira materialidade do conteúdo possa ter um efeito artístico. A forma nada mais é do que a abstração mais elevada, o modo mais alto de condensação do conteúdo, a intensificação das suas determinações, o estabelecimento correto entre as determinações individuais, da hierarquia, da importância entre as contradições singulares que a obra de arte reflete. (LÚKACS, 1934)
Desta maneira, a condenação soviética da Guerra em Vá em Veja faz com que o filme realize seu objetivo principal de maneira muito mais coerente e autêntica do que a celebração estadunidense em Terrível como o Inferno.
Vá e Veja se trata de um filme anti-guerra, não de uma simples propaganda financiada pelo Departamento de Defesa de seu país, com o último propósito de levar mais jovens a criarem infernos para cidadãos de outros países que batalham diariamente para construir seu paraíso na Terra, e de igual forma, criarem infernos em suas próprias mentes pelo que fazem.
Referências Bibliográficas
BLUM, William. Killing Hope: US Military and CIA Interventions Since World War II . Monroe, Maine: Commong Courage, 1995.
CHAPMAN, James. War and Film. Trowbridge, Wiltshire: Reaktion Books, 2008.
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Referências Filmográficas
A BALADA DO SOLDADO. Direção de Grigori Chukhray. Roteiro de Grigori Chukhray, Valentin Yezhov. Distribuição: CPC-UMES Filmes, 1959. 84min. P&B.
A INFÂNCIA DE IVAN. Direção de Andrei Tarkovsky. Roteiro de Vladimir Bogomolov, Andrei Konchalovsky, Mikhail Papava e Andrei Tarkovsky. Produzido por: Mosfilm. Distribuição: Mosfilm, 1962. 94min. P&B.
APOCALYPSE NOW. Direção de Francis Coppola. Roteiro de Francis Coppola, John Milius. Produzido por: Francis Copppola Distribuição: United Artists, 1979. 153min.
HEARTS OF THE WORLD. Direção de D.W. Griffith. Roteiro de D.W. Griffith. Produzido por: D.W. Griffith Distribuição: Paramount Pictures, 1918. 117min. P&B.
PATHS OF GLORY. Direção de Stanley Kubrick. Roteiro de James B. Harris. Produzido por: Stanley Kubrick, Calder Willingham, Jim Thompson. Distribuição: United Artists, 1957. 88min.
QUANDO VOAM AS CEGONHAS. Direção de Mikhail Kalatozov. Roteiro de Viktor Rozov. Produzido por: Igor Vakar Distribuição: CPC-UMES Filmes, 1957. 96min. P&B.
TERRÍVEL COMO O INFERNO. Direção de Jesse Hibbs. Roteiro de Gil Doud. Produzido por: Aaron Rosenberg. Distribuição: Universal Pictures, 1955. 106min.
THE DEER HUNTER. Direção de Michael Cimino. Roteiro de Deric Washburn. Produzido por: Barry Spikings, Michael Deeley, Michael Cimino, John Peverall Distribuição: Universal Pictures, 1978. 184min.
THE LITTLE AMERICAN. Direção de Cecil B. DeMille, Joseph Levering. Roteiro de Jeanie MacPherson, Cecil B. DeMille e Clarence J. Harris. Produzido por: Cecil B. DeMille, Mary Pickford. Distribuição: Artcraft Pictures Corporation, 1917. 86min. P&B.
THE UNBELIEVER. Direção de Alan Crosland. Produzido por: Edison Company, George Kleine. Distribuição: George Kleine, 1918. 86min. P&B.
VÁ E VEJA. Direção de Elem Klimov. Roteiro de Elem Klimov, Ales Adamovich. Produzido por: Mosfilm, Belarusfilm. Distribuição: Sovexportfilm, 1985. 142min.
[1] Estimativas retiradas do Centre Européen Robert Schuman.
[2] Estimativas retiradas do The National WWII Museum.
[3] Informações retiradas do site oficial do exército dos EUA.
[4] Muitas informações sobre o massacre são adquiridas através da pesquisa de Giovanni Bartolone em seu livro Le altre stragi. Le stragi alleate e tedesche nella Sicilia del 1943-1944”.
[5] Como evidenciado na obra de Helen Fedor intitulada “Belarus: A Country Study”.
[6] A Brigada Dirlewanger foi uma unidade militar nazista composta majoritariamente por criminosos, pessoas sentenciadas por estupro, homicídio, roubo e extorsão, eram vistos como um dos setores mais bárbaros do exército nazista, liderados por Oskar Dirlewanger, cometeram vários crimes de guerras na Europa.
Excelente artigo, já peguei todas as referências bibliográficas que consegui para meus estudos sobre cinema no viés marxista.
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