Discurso feito no Capitol Theatre, 19 de maio de 1969.
Transcrito para um panfleto impresso pela célula do Panteras Negras em Illinois.
Publicado originalmente no site Marxists.
Tradução por Élton Zobisch.
Sim, é um dia glorioso. Fico feliz em estar por aqui no aniversário de Malcolm. E nós devemos estar nos perguntando por que várias outras pessoas não estão por aqui. E aquelas outras pessoas que não estão por aqui, devemos estar nos perguntando “por que não estão por aqui? ”. Há muita gente nessa cidade que tem falado muitas coisas que não se tornaram verdade. Muita gente tem feito muitas afirmações. E eu vou falar sobre esses pretos [1]. É preciso falar sobre eles. Me deixa dizer uma coisa. Nós estamos honrando Malcolm. E o que é tão bom sobre o Malcolm é que por meio da crítica, por meio da crítica construtiva, revolucionária, Malcolm moveu a maioria desses pretos preguiçosos que nunca teriam se movido se Malcolm não os tivesse criticado.
Malcolm disse “eu acredito em qualquer coisa que seja necessária para corrigir condições injustas – políticas, econômicas, sociais, físicas, o que for necessário. Eu acredito desde que seja inteligentemente direcionado e pensado para se obter resultados”. Nós precisamos entender que o que ele falava é que qualquer coisa, independente de quão estranho pareça, independente de qual incomum pareça… porque quando Malcolm apareceu, ele parecia estranho e também incomum. Mas apesar de ele parecer estranho para vocês, apesar de parecer incomum para vocês, anos depois ele provou ser seu líder revolucionário. E eu digo agora que nós entendemos muito bem, se vocês lerem a última edição do Jornal dos Panteras Negras, nós fizemos um belo trabalho sobre Malcolm X, por causa do nosso Ministro da Defesa [2] que hoje, em 1969, dia 19 de maio, nós não temos medo de dizer a ninguém que ele é um dos filhos da mãe mais fodas que algum dia saiu das páginas de um livro de história.
Como nós sabemos disso? Porque foi Huey P. Newton quem veio a frente e disse “nós não ligamos pro que acontece. Nós estamos definindo um limite aqui. Os porcos não vão mais avançar. Ele não nos farão recuar. Nós teremos algum lugar, não importa para quão longe corramos, que quando chegarmos nesse ponto, vamos poder parar e dizer na voz que Huey diria: “Filhos da puta, e agora, entendem? Eu carrego minha arma, filho da puta, e você carrega a sua. E se você tentar atirar em mim com a sua arma, desgraçado, ou se tentar me desarmar, então eu vou explodir sua cabeça”.
É sobre isso, tem de ser sobre isso. Huey P. Newton era um que dizia que, sempre que um escravo mata seu senhor, acontece um processo de limpeza.
Porque foi Huey P. Newton quem disse que as pessoas só entendem basicamente por observação e participação. O que ele fez? Bem, ele disse e fez tantas vezes, mas deixa eu contar para vocês – é muito bonito.
Teve uma situação numa esquina onde havia uma interseção de quatro vias e as pessoas eram atropeladas. E Huey disse que nós iríamos parar essa situação. O povo foi ao governo e apresentou suas queixas pacificamente, imploraram que colocassem placas de trânsito como forma de ação humanitária, só para impedir nossas crianças de serem atropeladas nas ruas, para impedir esses maníacos que dirigem rápido e não têm nenhum motivo legal para parar. Vocês sabem o que o porco disse?
Disse que vocês podem voltar pra casa porque eu mando nisso aqui e vocês não decidem nada. Mas Huey P. Newton se impôs e disse ao povo “me deem uma chance, porque eu acredito além disso. Acredito com toda minha alma, com todo meu coração e com toda minha mente que as pessoas deveriam ter, poderiam ter e terão o poder. Me deixem ir lá e ver se eu consigo colocar essas placas”.
Eles disseram, “bem, Huey, nós já tentamos”. Mas eles não entendiam que Huey é como o irmão Malcolm, que Huey executaria coisas mesmo que não correspondessem com o que você pensou que deveria ser feito. Ele diria coisas não porque você quer ou não as ouvir.
Huey chamou Bobby Seale e Bobby Seale pegou sua nove milímetros. Huey pegou sua espingarda, pegou quatro placas de pare, pegou um martelo, foi até a esquina, entregou sua espingarda ao presidente Bobby Seale e disse, “se vierem nessa esquina encher o saco, a gente explode a cabeça deles”.
Huey P. Newton disse que as pessoas aprendem basicamente por observação e participação. As pessoas observaram. Outra vez tiveram uma interseção de quatro vias, mesmo problema. Pessoas passavam correndo onde deveria ter uma placa de pare, mas não tinha. Crianças sendo mortas e mutiladas nas ruas. De novo, Huey chamou o Presidente Bobby, Presidente Bobby pegou sua nove milímetros, Huey pegou sua espingarda, quatro placas e um martelo. Ele foi até a esquina e disse a Bobby, “qualquer um que encha o saco, explode a cabeça dele”. Fixou as quatro placas. Sem mais acidentes, sem mais problemas.
Outra vez – as pessoas que se empolgaram na última vez se empolgaram agora também. Elas observaram e participaram. O que aconteceu? Teve outra interseção, uma de quatro vias. Crianças sendo assassinadas. Crianças sendo mutiladas. Huey se mobilizava novamente, mas ele entendeu o que aconteceria, ele só não sabia que aconteceria agora. Então ele olhou para frente e até a vanguarda se surpreendeu quando ele viu as pessoas com seus martelos, carregando suas placas de pare. As pessoas estavam lá. Sem mais problemas e acidentes. Como eles aprenderam? Eles aprenderam por observação e aprenderam por participação, e esse é o modo de agir que o Partido dos Panteras Negras acredita.
Vocês têm de entender muito claramente que nós temos de nos apegar a nossos líderes e proteger nossos líderes antes de eles serem eliminados. Vocês têm de entender muito bem que vocês precisam parar de identificar as pessoas como suas irmãs porque elas têm a mesma cor de pele que vocês têm. Eu digo pra vocês que um preto vai te parar num beco, te roubar à mão armada, você diz que quer seu dinheiro de volta, você tem uma arma, mas você não deve ter seu dinheiro de volta, não deve ficar bravo porque “eu sou seu irmão”. Irmãos agem como irmãos. E vocês precisam parar de se pendurar nessa questão de raça, porque isso é uma luta de classes.
É uma luta de classes queiram vocês encarar ou não. O Partido dos Panteras Negras ouve muita gente dizendo “vamos lutar contra o fogo com fogo”, mas nós dizemos “não, não, não! ”. Nós não nos importamos com quanta gente diz isso, porque ninguém sabe direito o que está acontecendo. Huey estava por conta, mas estar em minoria nem sempre significa que você está errado. Nós podemos estar em minoria, mas essa minoria continuará a gritar alto e claro, “nós não vamos lutar contra o fogo com fogo, nós vamos lutar contra o fogo com água. Nós não vamos lutar contra o racismo com racismo, nós vamos lutar contra o racismo com solidariedade. Nós não vamos lutar contra o capitalismo com capitalismo negro, igual a alguns desses caras na cidade de Chicago querem fazer, nós vamos lutar contra o capitalismo com socialismo. ”
Entendam, é isso que a gente precisa fazer. Vocês precisam entender muito bem que existe uma situação em Chicago que acontece em todo tipo de feriado. Você tem uma situação que todo domingo as pessoas levantam e se preocupam sobre que tipo de roupa vestir e se elas não tiverem um belo vestido novo, elas não podem sair. E elas saem da reunião e você diz, “qual o texto do sermão hoje?”, ou “sobre o que o pastor falou?”, ou “qual o problema atual?”, e elas dirão, “eu não sei – mas ele vestia uma bela gola alta”. Eu digo para vocês que quando as coisas chegam nesse estado, vocês estão mal.
Esses pretos – me dá um minuto – esses pretos, das 5000 pessoas que estarão lá, talvez 3000 deles sejam empresários. Para quem eles estão intentando? Você tem Páscoa negra, Natal negro, Dia da Marmota negro, Dia da Mentira negro – isso não é aparelhado para ninguém além de empresários negros. E eu digo que qualquer um que entre em nossa comunidade e estabeleça qualquer circunstância que não atenda às necessidades das massas, então eu, presidente Fred Hampton do Partido dos Panteras Negras, digo que eu vou pegar esse preto[1] pela gola alta e bater nele até a morte com um Jornal dos Panteras Negras. Nós poderíamos mata-lo com o jornal porque esse jornal tem uma ideologia e se vocês não o leem, vocês deveriam.
[1] No texto original foi usada a n-word.
[2] Huey Newton