Dalcídio Jurandir – Carta aos Amigos do Pará

Dalcidio Jurandir para a Tribuna Popular, Ano 1, Nº 72, de 12 de Agosto de 1945.

Transcrição de Ian Cartaxo.


Amigos e amigas, o Partido abre as suas portas para todos vocês, para esclarecer e ser compreendido, para ter em cada um de vocês um amigo. Não pretendo convertê-los ao Partido, não. Quero apenas que compreendam o Partido, acompanhem a sua vida e procurem ver o que é o Partido Comunista. O Partido Comunista, declarou Prestes, numa reunião entre trabalhadores, tem as debilidades e as qualidades da classe operária. Os defeitos são humanos, diminuem no processo de organização e crescimento do Partido. As qualidades são as dominantes e crescentes. Como um homem, o Partido tem o seus erros. Mas não teima no erro, na base dos próprios erros ele cria experiência e descobre o caminho certo. Assim tem sido o Partido Comunista. A medida que ele se torna mais forte, mais profundamente apoiado no povo, melhor será a sua qualidade, maior o seu trabalho.

Meus queridos amigos, muitos de vocês não sabem ler nem escrever, muitos de vocês não leem jornais, sei bem disto e vocês sabem bem porque, são barqueiros, pescadores, seringueiros lavradores, madeireiros, foliões, marítimos, operários. Muitas de vocês foram minhas amigas do interior, lavadeiras, capinadoras de ruas e cemitérios, apanhadoras de sementes oleaginosas no rio, vozinheiras, zeladoras de Igreja, roceiras, companheiras de festas e procissões, da escola primaria, da infância e da adolescência. Muitas são velhas mães de família que contrataram histórias sobre a pobreza e os seus trabalhos, velhas e queridas amigas que não sabem ler nem escrever e que sempre conversaram comigo, sempre me quiseram bem e isto sempre foi um motivo de orgulho e coragem para minha vida. Aos amigos do interior que sabem ler e que leem jornais peço que leiam esta carta aos nossos amigos ainda não alfabetizados.

A instalação do Comitê Estadual do Partido Comunista em Belém do Pará é o resultado de muitos anos de trabalhos constantes e difíceis realizados por dezenas de paraenses que sustentaram com bravura, paciência, sem interrupção, a atividade de Partido em nossa terra quando todas as forças reacionárias se lançavam contra os comunistas.

Os tempos mudaram. A guerra veio demonstrar que os comunistas são os mais dedicados amigos da liberdade, do povo e sempre mais próximos do futuro. Tudo sacrificaram pela honra do Partido que é a honra do povo e o mais rico legado das lutas populares para as gerações de amanhã. Amigos e amigas, católicos, protestantes, espíritas, maçons, teósofos, judeus, peço a vocês um pensamento de homenagem aos comunistas sacrificados e mortos pelo amor do povo. Nas ladainhas, nas novenas e missas, nas sessões e reuniões religiosas, nas rezas sempre amadas do nosso interior, defronte dos oratórios, das bíblias, dos catecismos e das cerimônias, pensem um pouco também nos que tombaram e padeceram pelo povo pensem nos comunistas que não estão conosco, que estão ausentes para sempre.

Quando alguém lhes disser que os comunistas querem destruir as igrejas, tomar as roças, as fazendas, as canoas, o gado, a criação e a rede da pesca, tomar, afinal, a propriedade que a maioria de vocês nunca teve, riam na cara do velho intrigante, chamem-no de mentiroso e infame, digam que agora os tempos mudaram, a mentira foi descoberta e esmagada, a infâmia queima a língua do próprio difamador.

Hoje vocês já sabem que a intriga e a mentira eram lançadas para dividir o povo, para afastar os comunistas do povo, evitar que o povo se organizasse e compreendesse que a miséria tem remédio.

Os velhos e infames intrigantes sabem já que onde houver povo há comunistas. Onde houver classe operária há o Partido Comunista. Inútil querer afastar os comunistas do povo, seria o mesmo que tirar os olhos, o coração do corpo de um homem. Seria o mesmo que arrancar do povo o direito que ele tem de saber o que quer e o grande futuro que o guarda. Os comunistas são a carne da carne do povo. Botem para longe de seus lares e de seus locais de trabalho os velhos e infames intrigantes, inimigos do povo, a sua infâmia e a sua intriga não pegam mais.

A data de doze de agosto, meus amigos, marca assim um acontecimento histórico na vida política paraense.

A história paraense está cheia de lutas do povo pela liberdade. Desde os tempos da Colônia, o caboclo paraense foi um lutador em defesa da terra, de sua independência, de melhores condições de vida. Os índios contra os seus escravizadores; os heroicos e caluniados cabanos contra o fidalgotes, negociantes mandões, o governo dominante de então que oprimia os nativos; em todos os movimentos populares contra as oligarquias, os mandões estaduais, contra o capital colonizador, contra o fascismo, o atraso e a miséria, o povo paraense ocupou sempre uma posição destacada.

Hoje, herdando as tradições dessa história que ainda não foi bem contada pelos nossos historiadores, história do povo do Pará, o Partido Comunista, depois dessa guerra, dentro das novas condições históricas do país e do mundo, apresenta um novo tipo de luta pela qual conduz o povo, ao lado de outras formas democráticas e progressistas, para melhores dias. Por que é uma luta de novo tipo? Porque ela se trava dentro da tranquilidade e da ordem determinada pela vitória das democracias nesta guerra, abrindo assim “uma época de desenvolvimento pacífico”.

Dirijo-me em particular, aos meus prezados amigos intelectuais de Belém do Pará, da velha e boa amizade provinciana, a vocês dirijo o meu apelo de amigo, de companheiro, de cuja sinceridade vocês já deram provas de que não duvidam. Confiem no Partido, não vejam nele uma seita, uma organização fechada e dogmática, alheia à cultura, à literatura, ao folclore, às artes. O Partido abre oportunidades a todos os escritores, poetas, intelectuais da província para saíram da solidão e do isolamento em que se encontrem do injusto anonimato e da falta de estímulo em que vivem, para dedicar o seu talento e a sua cultura a serviço da nossa terra, sem nenhuma restrição ao temperamento e à vocação de cada um. Que todos os talentos e todas as inteligências tenham essa oportunidade. Queremos o aproveitamento o desenvolvimento de todas as vocações. Quantos talentos e inteligências não se perdem, ignorados e sufocados no interior? Fazer com que os jovens de vocação, seja artística, técnica ou política, apareçam, estudem, sirvam ao povo pelo seu trabalho e pela sua cultura, eis uma das tarefas do Partido Comunista.

Meus amigos, escritores, professores, poetas, jornalistas, pintores, intelectuais da velha e nova geração, ajudem e estimulem os militantes do Partido porque assim vocês estão trabalhando pelo povo, por vocês mesmos. Compreendam o sentido da legalidade do PCB, de sua Declaração de Princípios, de seus estatutos, de sua atividade prática. Por sua vez o Partido lutará por melhores condições, na província em que os intelectuais possuam desenvolver amplamente a sua cultura, realizar livremente a sua obra, fazer a sua carreira, criando assim uma vida cultural no Estado, não somente na capital como nos municípios, renovadora e criadora, liberta da rotina, das limitações e de todos os complexos comuns a um estreito e apático ambiente provinciano.

O Partido, na sua organização do Pará, como em todo o Brasil, tem a direção homens fortalecidos na experiência e no sofrimento como Henrique Santiago, autêntico líder operário. O povo aprendeu a confiar nesses homens, conhece a sua lealdade de há muitos anos. Entre esses homens, dois líderes se forjaram no então ilegal Comitê do PC no Pará e que são hoje uma honra para nosso estado: João Amazonas Pedroso e Pedro Pomar, dirigentes nacionais do Partido Comunista do Brasil. Alguns amigos meus a quem dirijo esta carta conhecem Pedro Pomar e João Amazonas Pedroso e sabem o que fizeram no Pará pelo povo, pela democracia contra o fascismo, pelo esclarecimento e organização da classe operária dentro das mais duras circunstâncias, como souberam ser fiéis e esclarecidos na sua luta. Em breve contarei a história desses admiráveis militantes.

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