Um Manifesto Comunista Indiano

Manifesto de M. N. Roy, Abani Mukhebji e Santi Devi

Escrito originalmente em agosto de 1920.

Republicado em um livro organizado por G. Adhikari em outubro de 1972.[1]

Originalmente disponível no site Marxists.

Tradução por Ian Cartaxo.


Chegou o momento para que os revolucionários indianos façam uma declaração de seus princípios de forma a gerar interesse no proletariado europeu e americano na luta das massas indianas, a qual vem rapidamente se tornando uma luta pela emancipação econômica e social e pela abolição da dominação de classe. O apelo é feito ao proletariado britânico por causa de sua relação com os movimentos revolucionários em países dominados pelo imperialismo britânico.

O movimento nacionalista na Índia falhou em gerar apelo nas massas porque busca uma democracia burguesa e não é capaz de justificar como as massas iriam se beneficiar pela existência de uma independência nacional. A emancipação da classe trabalhadora se baseia na revolução social e na fundação de um estado comunista. Portanto, o crescente espírito de rebelião nas massas precisa ser organizado sob a base da luta de classes, em conjunta cooperação com os movimentos proletários globais.

Mas, como a dominação britânica priva os indianos dos direitos elementares indispensáveis para a organização de tal luta, o movimento revolucionário precisa dar ênfase em seu programa à liberação política do país. Isso não faz com que seu objetivo final seja uma democracia burguesa sob a qual a classe privilegiada nativa governaria, explorando os trabalhadores nativos ao invés dos burocratas britânicos e capitalistas. Tudo aquilo que o mundo é permitido saber sobre o movimento revolucionário indiano é a agitação por uma autonomia política. Isso acabou, naturalmente, falhando em exercer simpatia na classe trabalhadora de qualquer país, a qual tende a ser sempre indiferente às aspirações puramente nacionalistas.

A ideia de uma rebelião por meio de uma consciência de classe contra a exploração capitalista vem ganhando terreno na Índia, imensamente estimulada pela guerra. A vida industrial apressada, o aumento do custo de vida, o emprego de tropas indianas no exterior e os ecos da Revolução Russa, fizeram concentrar o descontentamento sempre presente nas massas. O movimento revolucionário nacionalista, mediante o recrutamento da educada juventude de classe média, tentou substituir o descontentamento por um levante armado contra o domínio estrangeiro. Desde o começo do século atual, terrorismo, insurreições locais, conspirações e tentativas de revolta se tornaram cada vez mais frequentes até que, finalmente, todo o país foi posto em lei marcial. Essas atividades não inspiraram as massas com um entusiasmo duradouro: as lideranças falharam em prescrever remédios para os males econômicos e sociais, pelos quais os trabalhadores sofrem. Porém, forças econômicas dinâmicas, que estão destinadas a causar uma revolta proletária em todos os países, cresceram na Índia e, assim, o espírito de rebelião cresceu cada vez mais manifestadamente entre o povo, que não foi impactado pelas doutrinas nacionalistas pregadas pelos revolucionários. Hoje há duas tendências no movimento indiano, distintas em princípios e objetivos. Os nacionalistas advogam por uma Índia autônoma e incitam as massas a depor o explorador estrangeiro por meio de um programa democrático vago ou nenhum programa, independente. O real movimento revolucionário exige a emancipação econômica dos trabalhadores e tem por base o fortalecimento de uma consciência de classe do proletariado industrial e do campesinato sem-terra. Esse segundo movimento é grande demais para os líderes burgueses e só pode se satisfazer com uma revolução social. Esse manifesto visa atender aqueles que compõem as fileiras desse segundo movimento. Nós queremos que o mundo saiba que o nacionalismo está confinado à burguesia, mas as massas estão começando a atender ao chamado da revolução social.

O crescimento da consciência de classe entre o proletariado indiano era desconhecido para o mundo exterior até o ano passado, quando uma das mais poderosas e bem organizadas greves na história foi declarada pelos revolucionários indianos. Apesar dos nacionalistas a terem usado como uma arma contra a opressão política, foi na realidade uma rebelião espontânea do proletariado contra uma exploração econômica insuportável. Como os operários das fábricas de algodão, propriedades dos capitalistas nativos, foram os primeiros a aderir, não é possível se sustentar que a greve foi nada mais do que uma demonstração nacionalista.

Sabe-se na Inglaterra como essa revolta dos trabalhadores famintos foi esmagada pelo imperialismo britânico. Mas a classe trabalhadora britânica foi enganada ao ser induzida a acreditar que foi meramente uma demonstração nacionalista, acabando, portanto, por abdicar de demonstrar ações definidas de acordo com os princípios de solidariedade de classe. Uma greve geral simultânea teria desferido um golpe vital no capitalismo imperialista, em casa e no estrangeiro, mas o proletariado britânico falhou em se levantar para a ocasião.

A única ação tomada foi muito fraca e de natureza pequeno-burguesa – o protesto contra a forma com que a revolta foi esmagada, assinada por Smillie, Williams, Lansburry e Thomas. Isso não representou a voz do proletariado revolucionário, soerguido para defender os interesses de classe.

O movimento nacionalista burguês não pode ser significativo para a luta do proletariado mundial ou para a classe trabalhadora britânica, a qual vem aprendendo a inutilidade da mera independência política e criticam o governo representativo sob o capitalismo. Mas o movimento proletário indiano é de vital interesse. A força tremenda que o capitalismo imperialista deriva de extensivas possessões coloniais, ricas em recursos naturais e mão de obra barata, não pode mais ser ignorada. Enquanto a Índia e outros países se mantiverem como vítimas desamparadas da exploração capitalista e enquanto o capitalista britânico se mantiver seguro de seu absoluto domínio sob milhões e milhões de homens sofredores, ele será capaz de conceder as demandas dos sindicalistas britânicos e postergar a revolução proletária que o deporá. De forma a destruí-lo completamente, o capitalismo global precisa ser atacado simultaneamente, em todas as frentes. O proletariado britânico não pode marchar rumo à vitória final sem caminhar junto aos seus camaradas das colônias, lutando ambos contra o inimigo em comum.

A perda das colônias pode alarmar a psicologia sindicalista ortodoxa com o perigo do desemprego, mas um proletariado com consciência de classe, com o objetivo de destruir totalmente a propriedade capitalista e fundar o estado comunista, não poderia fazer algo diferente de dar as boas-vindas ao colapso do presente sistema, pois isso levaria à falência econômica do capitalismo – uma condição necessária para sua deposição final.

Para todos os possíveis receios dos camaradas britânicos, nós declaramos que nosso objetivo é o de impedir que se estabeleça um governo nacionalista burguês, que seria um outro baluarte do capitalismo. Nós desejamos organizar a crescente rebeldia das massas indianas nos princípios da luta de classes, para que quando a revolução chegar, que ela seja uma revolução social. A ideia de uma revolução proletária distinta do nacionalismo chegou à Índia e vem se demonstrando em greves sem precedentes. É primitivo e claramente não a consciência de classe, o que acaba fazendo com que seja vítima das ideias nacionalistas em alguns momentos. Mas, aqueles que estão construindo as greves, vêm o objetivo e a luta, rejeitando a ideia de unir todo o país sob o nacionalismo com o único propósito de expulsar o estrangeiro, porque eles compreendem que os príncipes nativos, latifundiários, donos de fábricas, banqueiros, que viriam a controlar o governo, não seriam menos opressores do que o estrangeiro. “Terra para o trabalhador” será nossa principal palavra de ordem, porque a Índia é um país agrário e a maioria da população é composta de camponeses sem-terra. Nosso programa também clama pela organização do proletariado indiano sob a base da luta de classes para a fundação do estado comunista, durante o período de transição na ditadura do proletariado.

Nós conclamamos a todos os trabalhadores de todos os países, especialmente da Grã-Bretanha, para nos ajudar a realizar nosso programa. A luta proletária na Índia, assim como em outras dependências da Grã-Bretanha, deve ser considerada como fatores vitais no movimento proletário internacional. A autodeterminação da Índia apenas encoraja a ideia do nacionalismo burguês. Denunciem os imperialistas mascarados que a reivindicam e que desgraçam o seu nome (de trabalhadores britânicos). O fato de que a Índia é governada pelo imperialismo mais poderoso conhecido na história faz com que qualquer organização entre a classe trabalhadora seja quase impossível. O primeiro passo rumo à revolução social precisa ser a partir da criação de uma situação favorável para se organizar as massas para a luta final. Tal situação pode ser criada apenas pela deposição, ou pelo menos o enfraquecimento, do imperialismo estrangeiro que se mantêm por meio da força militar.

Deixar de serem vítimas das mentiras imperialistas, que dizem que as massas do Oriente são raças atrasadas e que precisam passar pelo fogo infernal da exploração capitalista pelo qual vocês estão lutando para escapar. Nós apelamos a vocês para que reconheçam o movimento revolucionário indiano como uma parte vital da luta proletária mundial contra o capitalismo. Ajudem-nos a levantar a bandeira da revolução social na Índia e a nos libertar do imperialismo capitalista, para que nós possamos ajudá-los na luta final pela realização universal do estado comunista.

Manabendra Nath Roy

Abani Mukhebji

Santi Devi

(NAI-HPD, agosto de 1920, arquivo nº 110, Informe Semanal do Diretor, Central de Inteligência, Simla, 2 de agosto de 1920 – “A ameaça Bolshevik”.)


[1] ROY, R. N.; MUKHEBJI, Abani; DEVI, Santi. An Indian Communist Manifesto. In: ADHIKARI, G. Documments of the History of the Communist Party of India v.1 1917-1922. Nova Delhi: People’s Publishing House, 1972, pp. 151 – 155.

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