16 de maio e 29 de junho de 1971
Entrevista de Karen Wald e publicada em Cages of Steel: The Politics Of Prisonment In The United States
(Editado por Ward Churchill e J.J. Vander Wall)
Tradução por Guilherme Henrique.
Notas da tradução:
a. Autêntico Dragão se refere a seguinte citação do líder vietnamita Ho Chi Minh:
“As pessoas que saem da prisão podem construir o país: a desgraça é um teste à fidelidade das pessoas: aqueles que protestam contra a injustiça são pessoas de verdadeiro mérito! Quando as portas da prisão forem abertas, o autêntico dragão voará para fora! (People who come out of prison can build up the country: misfortune is a test of people’s fidelity : those who protest at injustice are people of true merit! When the prison doors are opened, the real dragon will fly out!)”
Karen Wald: George, você poderia comentar sobre sua concepção de revolução?
George Jackson: A principal contradição entre o opressor e o oprimido pode ser reduzida ao fato de que a única maneira de o opressor manter sua posição é fomentando, nutrindo, construindo desprezo pelos oprimidos. Essa coisa fica fora de controle depois de um tempo. Isso leva a excessos que vemos e os excessos estão crescendo dentro do estado totalitário aqui. Os excessos geram resistência; a resistência está crescendo. A coisa cresce em espiral. Só pode terminar de uma maneira. Os excessos levam à resistência, a resistência leva à brutalidade, a brutalidade leva a mais resistência e, finalmente, a questão será resolvida com a destruição antieconômica dos oprimidos ou com o fim da opressão. Estes são os trabalhos da revolução. Cresce em espirais, confrontos, e quero dizer em todos os níveis. As instituições da sociedade apoiaram o establishment, então quero dizer que todos os níveis devem ser atacados.
Wald: Como o movimento de libertação das prisões se encaixa nisso? Sua importância é exagerada ou artificial?
Jackson: Nós não temos que inventar nada… Veja, a coisa particular em que estou envolvido agora, o movimento prisional foi iniciado por Huey P. Newton e o Partido dos Panteras Negras. Huey e o resto dos camaradas de todo o país. Estamos trabalhando com Ericka [Huggins] e Bobby [Seale, presidente do BPP; na época eles eram co-réus em um julgamento de assassinato em New Haven, Connecticut, por acusações que foram posteriormente arquivadas], o movimento prisional em geral, o movimento para provar ao establishment que a técnica do campo de concentração não funcionará em nós. Não temos que inventar qualquer importância para o nosso movimento particular. É uma questão muito real, muito real e eu sou da opinião que, junto com o movimento estudantil, junto com o antigo e bem conhecido Movimento operário, o movimento prisional é central para o processo de revolução como um todo.
Wald: Muitos dos quadros das forças revolucionárias do lado de fora foram capturados e presos. Você está dizendo que mesmo estando na prisão, esses quadros ainda podem funcionar de maneira significativa para a revolução?
Jackson: Bem, todos nós estamos familiarizados com a função da prisão como uma instituição que atende às necessidades do regime totalitário. Temos que destruir essa função; a função tem que não ser mais viável, no final. É uma das instituições mais fortes de apoio ao regime totalitário. Temos que destruir sua eficácia, e é disso que se trata o movimento prisional. O que estou dizendo é que eles nos colocam nesses campos de concentração aqui da mesma forma que colocam pessoas em jaulas de tigres ou “aldeias estratégicas” no Vietnã. A ideia é isolar, eliminar, liquidar as seções dinâmicas do movimento geral, os protagonistas do movimento. O que temos que fazer é provar que isso não vai funcionar. Temos que organizar nossa resistência uma vez dentro, não lhes dar paz, transformar a prisão em mais uma frente de luta, derrubá-la por dentro. Entende?
Wald: Mas essa batalha pode ser vencida?
Jackson: Muito disso tem a ver com nossa capacidade de nos comunicarmos com as pessoas na rua. A natureza da função da prisão dentro do estado policial tem que ser continuamente explicada, elucidada para as pessoas na rua porque não podemos lutar sozinhos aqui. Ah, sim, podemos lutar, mas se estivermos isolados, se o estado for bem-sucedido em conseguir isso, os resultados geralmente não são construtivos em termos de provar nosso ponto de vista. Lutamos e morremos, mas não é esse o ponto, embora possa ser admirável de algum ponto de vista puramente moral. A questão é, no entanto, diante do que enfrentamos, lutar e vencer. Esse é o verdadeiro objetivo: não apenas fazer declarações, por mais nobres que sejam, mas destruir o sistema que nos oprime. Por qualquer meio disponível para nós. E para isso, devemos estar conectados, em contato e comunicação com aqueles que estão na luta do lado de fora. Devemos nos apoiar mutuamente porque estamos todos juntos nisso. É uma luta na base.
Wald: A forma de luta que você está falando aqui é diferente daquelas com as quais podemos estar mais familiarizados, aquelas que estão ocorrendo no terceiro mundo, por exemplo?
Jackson: Na verdade não. Claro, todas as lutas são diferentes, dependendo de toda a gama de fatores particulares envolvidos. Mas muitos deles têm semelhanças fundamentais que são mais importantes do que as diferenças. Estamos falando de uma guerra de guerrilha neste país. O guerrilheiro, o novo tipo de guerreiro que se desenvolveu a partir de conflitos nos países do terceiro mundo, não luta necessariamente pela glória. A guerrilha luta para vencer. A guerrilha luta o mesmo tipo de luta que nós, o que às vezes é chamado de “guerra dos pobres”. Não é uma forma de guerra travada com armamento de alta tecnologia ou engenhocas de última geração. É combatido com o que se pode ter – armas capturadas quando podem ser obtidas, mas muitas vezes armas de fogo antiquadas, artefatos caseiros, facas, arcos e flechas, até estilingues – mas principalmente pela pura vontade do guerrilheiro de lutar e vencer, não importa o que aconteça. Huey [P. Newton] diz que “o poder das pessoas superará o poder da tecnologia do homem”, e vimos isso comprovado repetidamente na história recente.
Você sabe, a guerra de guerrilha não é simplesmente uma questão de tática e técnica. Não são apenas questões de atacar e se esconder ou terrorismo. Trata-se de provar à ordem estabelecida que ela simplesmente não pode se sustentar, que não há como vencer utilizando os meios de força disponíveis. Temos que provar que as guerras são vencidas por seres humanos, e não por dispositivos mecânicos. Temos que mostrar que no final eles não podem resistir a nós. E nós vamos! Nós vamos fazer isso. Nunca haverá um momento de paz para qualquer pessoa associada ao establishment em qualquer lugar onde eu esteja, ou onde algum dos meus camaradas esteja. Mas vamos precisar de coordenação, vamos precisar de ajuda. E agora, essa ajuda deve vir na forma de educação. É fundamental ensinar às pessoas como é importante destruir a função da prisão dentro da sociedade. Isso, e mostrar a elas em termos concretos que a guerra está acontecendo – agora mesmo! – e que nesse sentido não somos realmente diferentes dos vietnamitas, ou dos cubanos, ou dos argelinos, ou de qualquer outro povo revolucionário do mundo.
Wald: Em uma entrevista com alguns tupamaros presos, guerrilheiros urbanos no Uruguai, levantou-se a questão sobre a dizimação das fileiras de tupamaros; camaradas mortos ou presos pelo Estado. Os entrevistados me garantiram que havia muito mais pessoas se juntando às fileiras do que estavam sendo perdidas pela repressão estatal e que o movimento continuava a crescer. Você sente a mesma confiança no Partido dos Panteras Negras, no movimento revolucionário como um todo neste país?
Jackson: Estamos estruturados de forma a nos permitir existir e continuar resistindo apesar das perdas que absorvemos. Foi configurado dessa forma. Sabemos que o inimigo opera sob o conceito de “mate a cabeça e o corpo morrerá”. Eles têm como alvo aqueles que veem como líderes-chave. Sabemos disso e estabelecemos salvaguardas para evitar que a estratégia funcione contra nós. Eu sei que poderia ser morto amanhã, mas a luta continuaria, haveria duzentos ou trezentos para ocupar meu lugar. Como disse Fred Hampton: “Você pode matar o revolucionário, mas não pode matar a revolução”. Hampton, como você sabe, era o chefe do partido em Chicago e foi assassinado enquanto dormia pela polícia em Chicago, junto com Mark Clark, o líder do partido de Peoria, Illinois. A perda deles é tremenda, mas a luta continua. Certo?
Não é apenas uma coisa militar. É também uma coisa educativa. Os dois vão de mãos dadas. E também é uma coisa cíclica. Neste momento, estamos em um ciclo de pico. Há uma tremenda energia lá fora, dirigida contra o Estado. Não está tudo focado, mas está lá, e está crescendo. Talvez isso seja suficiente para realizar o que devemos realizar no curto prazo. Veremos, e certamente podemos esperar que este seja o caso. Mas talvez não. Devemos estar preparados para travar uma longa luta. Se for esse o caso, provavelmente veremos um ciclo diferente, no qual a energia revolucionária do povo parece ter se dispersado, perdido o fôlego. Mas – e isso é importante – tais ciclos são enganosos. As coisas parecem estar em baixa, mas na verdade o que está acontecendo é um período de reagrupamento, um período em que damos um passo atrás e aprendemos com os erros cometidos durante o ciclo anterior. Nós nos educamos a partir de nossa experiência e educamos aqueles que nos rodeiam. E o tempo todo, desenvolvemos e aperfeiçoamos nossa organização principal. Então, da próxima vez que ocorrer um ciclo de pico, estaremos muito mais prontos do que da última vez. É uma combinação de militares e educação, sempre. No final das contas, vamos vencer. Sacou?
Wald: Você vê sinais de progresso no interior, na prisão?
Jackson: Sim, vejo. Certamente houve avanços em termos de conscientização de pelo menos alguns setores da população carcerária. Em parte, isso se deve às vitórias limitadas que alcançamos nos últimos anos. São vitórias simbólicas, talvez, mas coisas que podemos e devemos aproveitar. Por exemplo, lutamos muito em torno da ideia de poder nos comunicar diretamente com as pessoas do lado de fora. Neste ponto, qualquer pessoa na rua pode se corresponder com qualquer indivíduo dentro da prisão. Minha sugestão é, agora que temos os canais de educação garantidos, pelo menos temporariamente, é que as pessoas de fora comecem a bombardear as prisões com jornais, livros, revistas, recortes, qualquer coisa de valor educacional, para ajudar a politizar os camaradas que ainda não estão se relacionando. E nós, é claro, devemos retribuir enviando consistentemente informações sobre o que realmente está acontecendo aqui. Aliás, entrevistas como esta vão longe nessa direção. Deveria haver muito mais desse tipo de coisa.
Wald: Você revelou há alguns meses que era membro do Partido dos Panteras Negras há algum tempo. Certamente, o trabalho do partido neste Estado e em outros lugares, o trabalho para libertar presos políticos e, claro, o trabalho do partido dentro da comunidade negra foram fatores que influenciaram sua decisão. Mas o internacionalismo do Partido Negro foi um dos aspectos chave que o atraíram a ele? E, se for assim, o internacionalismo é significativo para as pessoas na prisão e, portanto, é uma razão pela qual eles se identificam com o partido?
Jackson: Bem, vamos dar um passo de cada vez. Huey veio à prisão cerca de um ano atrás porque ele tinha ouvido histórias sobre a coisinha que já tínhamos. Ele conversou conosco, conferiu e decidiu nos absorver. Depois, ele me enviou uma mensagem e me disse isso. Ele apenas me disse que eu fazia parte do Partido agora, e que nosso pequeno grupo também fazia parte do Partido. E ele me disse que meu trabalho atual é construir, ou ajudar a construir, o movimento. Bem desse jeito. Como eu disse, o objetivo do nosso movimento é provar que o Estado não pode nos isolar em um campo de concentração, então aceitei. O que mais eu poderia fazer? Era a coisa certa. Agora, quanto ao seu segundo ponto, as pessoas dentro da prisão, a classe dos presidiários, se relacionaram 100% com a ideologia do partido. E nós mudamos de… bem, nós não, eu sempre fui um internacionalista. E um materialista. Acho que eu era materialista antes de nascer. Atualmente estou estudando swahili para poder conversar com os camaradas na África em seus próprios termos, sem ter que depender de uma língua colonial. E tenho trabalhado com o espanhol, que é obviamente uma língua colonial, mas que é falada por milhões e milhões de camaradas na América Latina e em outros lugares. Eu pretendo estudar chinês depois disso, e possivelmente árabe. Quando eu completar esta tarefa, poderei falar com algo como setenta e cinco por cento das pessoas do mundo em sua própria língua ou algo parecido com sua própria língua. Eu acho que isso é importante.
Os outros irmãos aqui estão percebendo isso. E tem alguns, principalmente aqueles que já estão politizados antes de entrar, que estão por cima. Mas, como eu disse, é de extrema importância que as pessoas de fora bombardeiem este lugar com material que ajude os prisioneiros a entender a importância do internacionalismo para sua luta. Está chegando, mas ainda tem um caminho a percorrer antes que o processo educacional seja concluído. A ignorância é uma coisa terrível e ser cortado do fluxo do movimento é realmente prejudicial. Devemos corrigir a situação como primeira prioridade.
Wald: Você pode receber correspondências e publicações de outros países?
Jackson: O correio pode ser recebido de qualquer lugar do globo. Eu recebo coisas agora da Alemanha, Inglaterra e França como resultado do livro ser publicado nesses países. E alguns exemplares do Tricontinental [um jornal revolucionário cubano] chegaram. Eles ajudaram a ampliar o escopo e explicaram algumas coisas aos camaradas que eles não entendiam. Isso é algo que realmente perturba os patrões. No passado, toda vez que um prisioneiro negro alcançava um avanço intelectual e começava a relacionar nossa situação com a situação dos cubanos, digamos, ou dos vietnamitas ou dos chineses – ou em qualquer outro lugar do Terceiro Mundo – bem, esses prisioneiros seriam rapidamente assassinados. Agora isso se tornou um pouco mais difícil de fazer. Então, eu acredito que as pessoas na rua deveriam começar a inundar as prisões com coisas como o Tricontinental.
Wald: Apesar de algumas vitórias pacíficas na América Latina, como a de Salvador Allende no Chile, muitas pessoas ainda acreditam que a luta armada é a única maneira pela qual a maioria dos países latino-americanos serão livres. Além disso, houve algumas vitórias recentes nos tribunais para membros do Partido dos Panteras Negras, Los Siete de la Raza [sete ativistas chicanos de São Francisco acusados de assassinato em 1969; eles foram absolvidos], e assim por diante. Você acredita que as vitórias no Chile e nos tribunais…
Jackson: Foram apaziguadas. Allende… a coisa que aconteceu com Allende… veja, não foi uma “revolução pacífica”. Isso é engano. Allende é um bom homem, mas o que está acontecendo no Chile é apenas um reflexo das aspirações nacionais da classe dominante. Você nunca encontrará uma revolução pacífica. Ninguém entrega seu poder sem resistência. E até que a classe dominante no Chile seja esmagada, Allende pode ser derrotado a qualquer momento. Nenhuma revolução pode ser consolidada nas condições que prevalecem no Chile. O sangue fluirá para lá. Ou Allende o abandonará ao liquidar a classe dominante, ou a classe dominante o abandonará sempre que decidir que é a hora certa. De qualquer forma, não há revolução pacífica.¹
O mesmo pode ser dito para os casos judiciais de que você está falando. São uma ilusão. De vez em quando o establishment abre mão de um caso – geralmente um que era tão ultrajante para começar que eles não poderiam vencê-lo sem expor todo o seu sistema de injustiça de qualquer maneira – e então eles trotam por aí balbuciando sobre “provas de que o sistema funciona”, quão justo e honesto ele é. Eles nunca mencionam o fato de que as pessoas que deveriam ter recebido a justiça do sistema muitas vezes já passaram meses e meses na prisão e foram forçadas a gastar milhares de milhares de dólares, evitando passar anos e anos na prisão, antes de ser considerado inocente. Tudo isso para se defender de acusações para as quais não havia fundamento, e o Estado sabia que não havia fundamento. Há um sistema. Você recebe sua punição antes de seu julgamento neste país se for negro, pardo ou politizado. Mas eles usam essas coisas para dizer que o sistema funciona – o que eu acho que funciona, da perspectiva deles – e para construir sua credibilidade para os casos que realmente contam, quando eles realmente querem levar alguém para uma cela de prisão. A solução não é aprender a jogar o sistema para “vitórias” ocasionais dessa ordem, embora admita que elas às vezes tenham uma vantagem tática. A vitória vem apenas na destruição do próprio sistema. Nunca devemos nos confundir nesse ponto.
Wald: Mas as alternativas às vezes trazem consequências terríveis. Isso levanta a difícil questão da morte de seu irmão, Jonathan, e se sua vida pode, até certo ponto, ter sido desperdiçada.
Jackson: Bem, essa é obviamente uma pergunta difícil para mim porque, emocionalmente, eu gostaria muito que meu irmãozinho estivesse vivo e bem. Mas se eu acho que a vida de Jonathan pode ter sido desperdiçada? Não, eu não. Acho que o único erro que ele cometeu foi pensar que todos os 200 porcos que estavam lá teriam, sabe, algum tipo de preocupação com a vida do juiz. Claro, eles escolheram matar o juiz e arriscar matar o promotor e os jurados, para pegar Jonathan e os outros. Pode ter sido um erro técnico. Mas duvido, porque sei que Jonathan estava muito familiarizado com ideias militares, e tenho certeza de que lhe ocorreu que havia a possibilidade de que pelo menos um porco atiraria, e que se um atirasse, todos atirariam, e seria um massacre. Juiz ou não juiz. Foi tudo um blefe gigantesco, sabe? Jonathan assumiu um risco calculado. Algumas pessoas dizem que isso o torna um tolo. Digo que foi o tipo de coragem que fez com que homens de sua idade fossem premiados com a Medalha de Honra do Congresso em situações um tanto diferentes. A diferença é que Jonathan entendeu muito claramente quem era seu verdadeiro inimigo; o cara que recebe a medalha do Congresso geralmente não. Agora, quem é o tolo?
Pessoalmente, suporto muito mal a sua perda. É um grande fardo para a minha alma. Mas acho que é imperativo – devemos isso a ele – nunca esquecer por que ele fez o que fez. E isso era para ficar como um símbolo na frente do povo – na minha frente – e dizer de fato que temos a capacidade e a obrigação de nos levantar, independentemente das consequências. Ele estava dizendo que se todos nos levantarmos, nosso poder coletivo destruirá as forças que se opõem a nós. Jonathan viveu por esses princípios, ele foi fiel a eles, ele morreu por eles. Esta é a coisa mais honrosa que se possa imaginar. Ele alcançou uma certa imortalidade merecida na medida em que realmente teve a coragem de morrer de pé ao invés de viver um momento de joelhos. Ele foi um exemplo, um farol para todos nós, e tenho admiração por ele, mesmo sendo meu irmão mais novo.
Wald: As notícias de hoje disseram que Tom Hayden² declarou em frente ao Congresso da Associação Nacional de Estudantes que haverá mais ações como a que Jonathan tentou. Você concorda?
Jackson: Eu tenho pensado muito sobre a situação. Não estou dizendo que essas táticas particulares – mesmo quando executadas com sucesso – constituem a única forma revolucionária válida neste momento. Obviamente, eles não. Também deve haver atividades de organização de massa, incluindo manifestações não violentas em grande escala, educação dos setores sociais menos desenvolvidos e assim por diante. Essas coisas são essenciais. A revolução deve prosseguir em todos os níveis. Mas é precisamente isso que torna as táticas necessárias, e muitos autoproclamados revolucionários perderam o ponto neste aspecto. As táticas empregadas por Jonathan representam todo um nível – toda uma dimensão – de luta que quase sempre esteve ausente da chamada cena americana. E embora seja verdade que a luta armada em si mesma nunca pode alcançar a revolução, as várias outras formas de atividade também não. A dimensão secreta, armada e guerrilheira do movimento se encaixa perfeitamente com a dimensão aberta; as duas dimensões podem e devem ser vistas como aspectos indissociáveis de um mesmo fenômeno; nenhuma dimensão pode ter sucesso sem a outra.
Vendo as coisas objetivamente, podemos determinar prontamente que a dimensão aberta do movimento está relativamente bem desenvolvida neste momento. Nos últimos doze anos, vimos a criação de um vasto movimento de massas em oposição ao establishment neste país. Não vou me aprofundar nisso porque tenho certeza de que todos já sabem do que estou falando. Deve ser suficiente observar que nos últimos dois anos, o movimento se mostrou repetidamente capaz de colocar até um milhão de pessoas nas ruas a qualquer momento para expressar sua oposição à guerra imperialista na Indochina [isso parece ser uma referência à Moratória para Acabar com a Guerra do Vietnã de novembro de 1969, encenada em Washington, D.C.]. A dimensão encoberta do movimento é, em comparação, muito atrasada atualmente. Em parte, isso pode ser devido à própria natureza da atividade em questão: as guerrilhas sempre começam com um número muito pequeno de pessoas. Mas, mais ao ponto, acho que a situação se deve a uma forte resistência a toda a ideia de luta armada por parte de grande parte da suposta liderança do movimento – particularmente a liderança branca – até este ponto. Eu os ouço argumentando – contrariamente à história, à lógica, ao bom senso e tudo mais – que a luta armada é desnecessária, até mesmo “contraproducente”. Eu os ouço argumentando da maneira mais estupidamente enganosa que se possa imaginar que a dimensão aberta do movimento pode trazer a revolução por conta própria. Este é o maior absurdo, e os “líderes” que se envolvem em tal balbucio deve ser descartados sem hesitação.
Podemos propor uma regra simples: a probabilidade de uma mudança social significativa nos Estados Unidos pode ser medida pela extensão em que o aspecto guerrilheiro disfarçado e armado da luta é desenvolvido e consolidado. Se os contrarrevolucionários e os tolos que se apresentam como líderes enquanto resistem ao desenvolvimento da capacidade armada do movimento forem superados – e a luta puder, portanto, prosseguir na direção adequada -, acho que veremos uma mudança revolucionária neste país em breve. Se, por outro lado, esta liderança é capaz de fazer com sucesso o que equivale ao trabalho do Estado – isto é, convencer a maioria das pessoas a se afastar da luta armada e isolar aqueles que se comprometem a agir como guerrilheiros da massa de apoio que deveria ser deles – então a revolução será evitada. Teremos aqui uma situação muito parecida com a do Chile, onde o establishment permite uma certa quantidade de ganhos sociais aparentes, mas está pronto para retirar esses “ganhos” sempre que for conveniente. Você pode marcar minhas palavras sobre isso: a menos que uma verdadeira revolução seja alcançada, tudo o que foi ganho durante as lutas da última década será perdido durante os próximos dez anos. Pode nem demorar tanto.³
No momento, vejo uma série de sinais muito esperançosos – indicações muito positivas – de que uma verdadeira força revolucionária está surgindo. Mais notavelmente, é claro, a direção tomada pelo Partido dos Panteras Negras está correta. Mas há muitos outros exemplos que eu poderia citar. Mesmo na comunidade branca, vimos o desenvolvimento, ou pelo menos o início do desenvolvimento, do que é necessário com o establishment da organização Weatherman. Claramente temos um longo caminho a percorrer, mas está acontecendo, e é isso que é importante no momento. O próprio fato de que Tom Hayden, que é, naturalmente, um radical branco, estava disposto a fazer a declaração que fez, e diante do público para o qual a fez, indica a verdade disso. Então, sim, eu tendo a concordar com ele e espero que ambos estejamos corretos. Claro o suficiente?
Wald: Sim. Você vê uma relação entre o que aconteceu no Centro Cívico do Condado de Marin, entre o que Jonathan e os outros irmãos fizeram, e os tipos de coisas que acontecem no Terceiro Mundo, digamos, na América Latina?
Jackson: Bem, claro. Jonathan era um estudante… ele era um irmão de mentalidade militar. Ele estudava Che Guevarra (sic) e Ho, e Giap e Mao, e muitos outros. Tupamaros, Carlos Marighella. Ele prestou muita atenção a outras guerrilhas estabelecidas, outras sociedades revolucionárias estabelecidas, culturas revolucionárias ao redor do mundo. Ele estava muito consciente do que estava acontecendo na América do Sul e, bem, vamos apenas dizer que cerca de noventa e nove por cento de nossa conversa estava centrada em assuntos militares. Eu o conhecia bem. Ele entendeu.
Wald: Eu ia perguntar se os revolucionários cubanos tiveram um significado para você e Jonathan de alguma forma concreta.
Jackson: Hmmmm… Acho que não funcionou para Jonathan. Mas funcionou para mim, porque eu estava na prisão. Eu estava apenas começando meu tempo nesta batida aqui quando Castro, Che e o resto levaram a revolução até lá a uma conclusão bem-sucedida. E o alarme que se espalhou por toda a nação, especialmente, você sabe, dentro do establishment e da polícia… bem, vamos apenas dizer que como um prisioneiro recém chegado, eu gostei muito disso. A libertação de outra pessoa às custas do establishment, foi um impulso vicário no momento em que eu mais precisava. E eu sempre senti muita ternura em relação à revolução cubana como resultado.
Wald: Então você não era anticomunista quando foi preso?
Jackson: Ah, eu nunca fui anticomunista. Suponho que se possa dizer que eu não tinha muita compreensão do comunismo quando cheguei, e por isso não era pró-comunista de forma significativa. Mas eu nunca fui “anti”.
Wald: Mas você inicialmente não achou terrível que Cuba “tornou-se comunista”?
Jackson: Não, não, não! É isso que estou tentando lhe dizer. Estou tentando transmitir que sempre fui fundamentalmente antiautoritário. O comunismo veio depois. E quando a revolução cubana aconteceu, o próprio fato de ter perturbado tanto as autoridades daqui me fez favorecê-la imediatamente e me fez querer investigá-la muito mais. A ideia era que se eles não gostam, deve ser bom. Você vê? E foi isso que me levou a estudar seriamente o socialismo. Devo muito da minha consciência à revolução cubana. Mas isso sou eu. Não necessariamente pertence a Jonathan. Ok?
Wald: O fato de um país tão pequeno tão perto da Flórida ter feito uma revolução bem-sucedida deu a você a sensação de que “se eles podem fazer isso, nós podemos fazer”?
Jackson: Sim, tanto antes quanto agora. Isso me levou a considerar o mito da invencibilidade. Você sabe, a ideia de invencibilidade militar dos EUA foi completamente destruída pela revolução cubana. Os EUA apoiaram Batista com foguetes e aviões, tudo era necessário, e ele ainda perdeu. Ele foi destruído pela guerrilha, a mesma coisa que está acontecendo no Vietnã agora. E os EUA estão perdendo novamente. Os vietcongues, quero dizer, eles pegam esses aparelhos – as melhores coisas que as melhores mentes militares do mundo ocidental podem produzir – eles os pegam e jogam de volta na cara desses tolos imperialistas. Cuba e agora Vietnã; essas coisas me chamam a atenção. Eu tento aprender as lições dos sucessos de outras pessoas. Agora, nesse sentido, tenho certeza de que a revolução cubana também teve significado para Jonathan.
Wald: Vejo que nosso tempo está quase acabando. Você tem alguma última observação que gostaria de fazer?
Jackson: Sim, eu gostaria de dizer PODER PARA O POVO! E gostaria de dizer que com isso quero dizer todo o poder, não apenas o tipo de poder simbólico que o establishment está preparado para nos dar para seus próprios propósitos. Eu gostaria de dizer que a única maneira de termos mudanças é ter o poder real necessário para trazer as mudanças que queremos. Eu gostaria de dizer que o establishment nunca será persuadido a nos dar poder real, nunca será enganado, nunca se sentirá culpado e mudará seus modos. A única maneira de obtermos o poder de que precisamos para mudar as coisas é tomando-o, sobre a oposição física aberta, brutal e física do establishment. Eu gostaria de dizer que devemos usar, como disse Malcolm X, todos os meios necessários para tomar o poder. Eu gostaria de dizer que realmente não temos alternativas no assunto, e que é ridículo ou pior pensar que temos. Isso é o que eu gostaria de dizer.
Notas
1. Nota do editor: Fiel à previsão de Jackson, os militares chilenos – em combinação com a CIA, o Departamento de Estado de Kissinger e corporações transnacionais (principalmente ITT e anaconda) – derrubaram o governo Allende em setembro de 1973. Mais de 30.000 progressistas e Allende ele próprio foi morto durante o golpe e nos três anos seguintes. Muitos milhares mais foram levados ao exílio permanente. Desde então, o povo chileno está sobrecarregado com o regime neofascista do Coronel Augusto Pinochet. Embora as eleições de demonstração tenham ocorrido em 1989, Pinochet ainda permanece no comando dos militares.
2. Nota do editor: Este foi o período antes de ele esgotar totalmente.
3. Nota do editor: Na verdade, foi um pouco mais longo; a administração Reagan dos anos 80 foi necessária para validar a previsão de Jackson.