Malcolm X e o Pesadelo Americano

A população negra não estava com livre acesso para o Sonho Americano, mas estavam para o que Malcolm X descrevia como “Pesadelo Americano” de desigualdade econômica e injustiça sem balanços. A verdadeira extensão dessa desigualdade era mascarada pelo terrorismo racial. Cem anos após a Emancipação, os Afro-americanos desmantelaram os últimos vestígios da discriminação legal com o movimento dos direitos civis, mas a animação do movimento logo se esvaneceu enquanto as cidades americanas se encheram com várias pessoas negras que estavam com raiva e desiludidas depois de serem colocadas do lado de fora do acesso as riquezas da sociedade norte-americana. Centenas de milhares de Afro-americanos participaram em revoltas na busca de resoluções para os problemas de envenenamentos, infestações de ratos, fome e má nutrição, subempregos, escolas precárias e a persistente pobreza. Onde liberais e radicais convergiam, era sobre a demanda de que as pessoas negras deveriam ter maior controle político sobre suas comunidades. Para os liberais, as políticas eleitorais dos negros era um sinal de maturidade política enquanto o movimento saia das ruas para as urnas de votação, governança urbana e controles comunitários. O problema não era “o sistema”, era a exclusão do acesso a tudo que a sociedade norte-americana tinha para oferecer. Alguns radicais foram atraídos pela possibilidade de auto governança e controle comunitário. Realmente, era uma estratégia viável, dado que muito da vida negra era controlado por pessoas brancas em instituições de maioria branca. Mas a questão permanecia: poderia uma maquinaria feita sob a opressão da população negra ser agora reconfigurada em nome da libertação negra?

[…]

Ser uma minoria oprimida não necessariamente significa ser um sujeito colonizado. Chamar as pessoas de colonizadas levou a luta negra até a rebelião global contra os “opressores coloniais”. Malcolm X falou sobre isso quando ele reconheceu que era “incorreto classificar a revolta do negro como sendo simplesmente um conflito racial entre o negro e o branco, ou somente como um problema norte-americano. Ao invés disso, estamos vendo hoje uma rebelião global dos oprimidos contra os opressores, os explorados contra os exploradores.” Ao colocar a Rebelião Negra dentro do contexto da “Revolução Africana” era desafiada a ideia de que a população negra era somente uma população “minoritária” lutando sozinhas na barriga da besta. A identificação da luta negra com o movimento anti-colonial também reintroduziu interpretações sobre o socialismo dentro do movimento negro. Existiram milhares de socialistas, comunistas e outros anticapitalistas negros nos Estados Unidos por vários anos, mas a caça anticomunista levou o governo federal a destruir em grande escala qualquer ligação entre o movimento socialista e a nova onda de lutas do movimento negro.

Ao final dos anos 50, socialismo estava de novo na mesa como uma legitima alternativa aos “trigêmeos do mal” (o racismo, a pobreza e a guerra) que Martin Luther King se preocupava. A maioria dos radicais negros estavam gravitando em torno de alguma conceitualização do socialismo. Era fácil ver o porquê, considerando o quão expostos eram os crimes do capitalismo eram. Os Estados Unidos estavam experienciando anos de crescimento econômico, mesmo assim, a pobreza, o subemprego, as casas sem estrutura ainda eram a norma para as populações negras e marrons. Em um discurso Malcolm X deu no evento de fundação da Organização de Unidade Afro-americana que ele ajudou a construir, ele disse:

“Estou dizendo a vocês porque vivemos em um dos países mais podres que já existiram nessa terra. É o sistema que está podre: nós temos um sistema apodrecido. É um sistema de exploração, de exploração política e econômica, de direta humilhação, degradação, descriminação – todas essas coisas ruins e negativas que você pode acabar se deparando, você pode encontrar elas nesse sistema que se disfarça de democracia… e você pode andar por aí e acabar sendo levado a uma junta militar para ir a algum outro país defender esse sistema. Alguém precisa acabar com a sua cabeça e deixar ela de cabeça pra baixo.”

Ele iria então dizer o nome desse sistema:

“Todos os países que estão emergindo hoje das algemas do colonialismo estão se direcionando ao socialismo. Eu não acho que isso seja uma coincidência ou um acidente. A maioria dos países de poder colonial eram países capitalistas e o último bastião do capitalismo hoje em dia é a América, e é impossível para uma pessoa branca hoje em dia acreditar no capitalismo e não acreditar no racismo. Não existe capitalismo sem racismo. E se você achar uma pessoa que não é racista você vai acabar descobrindo em uma conversa com ela sobre sua filosofia que coloca que elas não tenham uma visão racista em sua análise, que elas normalmente são socialistas ou a sua filosofia política é a do socialismo.”

Sobre os intelectuais e o socialismo [Entrevista de Malcolm X em novembro de 1964]

“No passado os Afro-americanos e o intelectual negro talvez permitiram ser utilizados de modos que não eram tão beneficiais ao total da luta afro-americana. Mas hoje eu penso que esses intelectuais começaram a tomar uma nova consciência sobre esse problema, e estão olhando ele sobre como ele realmente é, e estão começando a ver mais e mais no contexto intelectual, a relação que ele tem com a luta Africana. E o intelectual Africano está começando a olhar para o problema no contexto Africano e ver o que pode ser bom em um país, para em ordem ser utilizado em outro país, ou ser rearranjado. Você pode pegar o exemplo do socialismo Africano. Muito dos intelectuais africanos que analisaram a via do socialismo começaram a ver onde os Africanos podem usar a forma do socialismo e onde ela se encaixa no contexto Africano; onde a forma que é usada num país europeu pode ser boa para um particular país europeu, mas não pode ser utilizada de bom modo num contexto Africano. Penso que os intelectuais Africanos estão fazendo essas contribuições e estão fazendo bem elas.”


Trechos originalmente transcritos do livro “From BlackLivesMatter to Black Liberation” escrito por Keeanga-Yamahtta Taylor.

Tradução por Andrey Santiago.

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