Brad Lomax e o apoio dos Panteras Negras ao Movimento de Pessoas com Deficiência

Texto de Eileen AJ Connelly.

20 de julho de 2020.

Originalmente publicado no New York Times.

Tradução por Andrey Santiago.


Esquecido Não Mais: Brad Lomax, uma ponte entre os movimentos por direitos civis

Membro do Partido dos Panteras Negras, ele ajudou a liderar uma histórica, e vitoriosa, manifestação em São Francisco como parte de uma campanha nacional antidiscriminação organizada em nome das pessoas com deficiência.

Quando Brad Lomax se juntou ao Partido dos Panteras Negras no fim dos anos 60, ele esperava fazer parte de uma revolução que iria fornecer uma vida melhor para os negros americanos, livre da desigualdade, pobreza e brutalidade policial. E em grande parte ele teve sucesso, fazendo importantes contribuições para os Panteras em ambos os lados do país. Mas foi em um movimento por direitos civis totalmente diferente – um movimento para pessoas com deficiência – que ele iria deixar sua mais indelével marca.

Lomax já sabia que tinha esclerose múltipla quando ele auxiliou a fundar a célula de Washington Partido dos Panteras Negras em 1969. Ele procedeu a organizar, em 1972, a primeira demonstração pelo Dia da Libertação de África, que levou dezenas de milhares de manifestantes ao National Mall para proclamar solidariedade às nações Africanas em seus esforços para conquistar independência.

Ele se mudou para Oakland, Califórnia, no ano seguinte – em um período que a Área da Baía estava em um tornado de ações sociais. O movimento pelo direitos de pessoas com deficiência conquistou uma base lá, assim como o movimento gay e o movimento pelos direitos dos nativos americanos.

Em Oakland, Lomax tinha dificuldades ao navegar pelo sistema de trânsito. Para subir num ônibus, seu irmão, Glenn, tinha que segurá-lo de sua cadeira de rodas, carregá-lo alguns degraus e colocar ele em um assento, depois voltar para recuperar a cadeira de rodas.

Tais indignidades galvanizaram Lomax a considerar a condição das pessoas com deficiência em um mundo que não tornava nada fácil para elas. “Ele podia observar todas os obstáculos que elas tinham que encarar”, Glenn Lomax disse em uma entrevista por telefone.

Lomax se tornou uma figura-chave no movimento por direitos para pessoas com deficiência quando ele se organizou mais de 100 pessoas em 1977 para ocupar o quarto andar dos escritórios do Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar do Prédio Federal de San Francisco. O objetivo deles era de persuadir o governo a aplicar há muito ignorada seção do Ato de Reabilitação de 1973.

Imerso no ato estava a Seção 504, que, com base na Lei dos Direitos Civis de 1964, tinha o potencial de mudar a vida de pessoas com deficiência ao proibir os beneficiários de ajuda federal de discriminar quaisquer “indivíduos portadores de deficiência qualificados”.

A manifestação, conhecida como 504 Sit-in (ocupação 504, em português), duraria quase um mês, tornando-se a mais longa ocupação pacífica de um prédio federal na história do país. Lomax, acompanhado por um assistente, Chuck Jackson, não apenas ajudou a liderar o protesto; ele também ganhou o apoio de seus companheiros Panteras Negras, um grupo que defendia a autodefesa armada ao mesmo tempo que prestava serviços sociais à comunidade negra; os Panteras concordaram em levar refeições quentes e outras provisões para o prédio diariamente.

“Sem a presença de Brad Lomax e Chuck Jackson, os Panteras Negras não teriam alimentado os participantes do 504 que ocuparam o edifício”, Corbett O’Toole, que participou da demonstração, escreveu em um livro de memórias não publicado. “Sem aquela comida, o protesto teria entrado em colapso.”

Bradford Clyde Lomax, o mais velho de três irmãos, nasceu em 13 de setembro de 1950, na Filadélfia, filho de Katie Lee (Bell) Lomax e Joseph Randolph Lomax, um veterano e eletricista da Segunda Guerra Mundial.

A infância de Lomax foi repleta de futebol, clubes de teatro e escoteiros, tudo contra o pano de fundo carregado do movimento pelos direitos civis. Uma viagem para visitar a família de sua mãe no Alabama quando ele tinha 13 anos causou uma impressão indelével, lembrou seu irmão.

Em 1963, o Alabama foi um epicentro do movimento pelos direitos civis, com manifestações em lanchonetes, marchas de protesto e outras ações destinadas a desmantelar a segregação patrocinada pelo Estado. Lá, pela primeira vez, Brad encontrou placas designando alguns espaços públicos para brancos e outros para negros.

Depois de se formar na Benjamin Franklin High School na Filadélfia em 1968, Lomax considerou entrar no exército, mas enquanto a guerra no Vietnã se intensificava, com soldados negros suportando uma parcela desproporcional do fardo, ele decidiu estudar na Howard University em Washington.

Naquele ano – ao que parecia inexplicavelmente – Lomax começou a cair enquanto caminhava. Então ele soube que tinha esclerose múltipla. À medida que a doença progredia, ele começou a usar uma cadeira de rodas – e isso abriu seus olhos para outra forma de discriminação. Cadeiras de rodas que deveriam fornecer independência, ele descobriu, eram de pouca utilidade para obter acesso a prédios públicos sem rampas. Ele viu que as pessoas com deficiência não podiam estudar regularmente e que havia poucos serviços para ajudá-las a encontrar moradia ou empregos, especialmente se fossem negros.

Depois de se mudar para Oakland, ele aprendeu sobre o Centro para Vida Independente, uma organização fundada por pessoas com deficiência que foi fundamental para conseguir cortes no meio-fio para cadeiras de rodas nas esquinas de San Francisco e nas proximidades de Berkeley. Em 1975, ele abordou o diretor, Ed Roberts, e propôs que o centro combinasse esforços com os Panteras Negras para oferecer assistência a pessoas com deficiência na comunidade predominantemente negra de East Oakland.

Os relacionamentos que ele construiu nas duas comunidades se provariam vitais durante o 504 Sit-in, dois anos depois.

O Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar foi encarregado de redigir os regulamentos para a implementação da Seção 504, que deveria ser um modelo para outras agências federais. Mas os regulamentos nunca foram promulgados sob o presidente Gerald R. Ford por causa da resistência dos interesses comerciais e governamentais, que eram cautelosos com os custos de fornecer acesso à educação, emprego, saúde e edifícios públicos.

Em sua campanha para presidente em 1976, Jimmy Carter prometeu fazer avançar os regulamentos, mas depois de assumir o cargo, seu novo secretário de Saúde, Educação e Bem-Estar, Joseph A. Califano Jr., disse que as regras teriam que ser reformuladas antes de ele assiná-las.

Para os ativistas, parecia que Califano estava protelando na tentativa de amenizar as regulamentações.

Depois de anos pedindo que a Seção 504 fosse promulgada, os ativistas dos direitos das pessoas com deficiência estabeleceram o dia 5 de abril de 1977 como prazo para a ação.

A manifestação em São Francisco naquele dia começou fora dos escritórios dos Departamentos de Saúde, Educação e Bem-Estar, no 50 United Nations Plaza, com discursos e gritos. Um grupo de manifestantes então entrou exigindo saber quando Califano assinaria o regulamento.

Um dos manifestantes, Dennis Billups, disse em uma entrevista por telefone que muitos dos manifestantes não tinham ideia de que as manifestações estavam acontecendo simultaneamente nos escritórios do Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar em Washington, Denver, Los Angeles e em outras partes do país, ou que o protesto duraria tanto. A maioria não tinha escovas de dente, nenhuma muda de roupa ou comida. Mas mesmo com os protestos nas outras cidades fracassando, e mesmo com o governo cortando o abastecimento de água, cortando linhas telefônicas e restringindo o movimento de entrada e saída do prédio federal, o contingente de São Francisco se manteve firme.

Depois que Lomax avisou aos Panteras Negras que os manifestantes pretendiam ficar parados, o grupo se mobilizou, entregando costelas, frango frito e uma mensagem de solidariedade.

“Brad conseguiu fazer o Partido dos Panteras Negras ver que isso era fundamental para o trabalho que estavam fazendo”, disse Judy Heumann, uma líder da manifestação. “Ele foi o elemento fundamental para isso.”

Embora a manifestação tenha recebido apenas cobertura esporádica da grande mídia, o jornal do Pantera Negra acompanhou-a de perto, com Lomax atuando como intermediário para os repórteres.

“Mesmo que os direitos das pessoas com deficiência não estivessem no topo da agenda do Partido dos Panteras Negras per se, isso estava,” Michael Fultz, que foi editor do jornal, disse em uma entrevista.

Depois de três semanas, Lomax e Jackson estavam entre os 25 manifestantes escolhidos para viajar a Washington para pressionar Califano a assinar os regulamentos. Os Panteras Negras pagaram sua passagem. A viagem foi um sucesso: Califano assinou os regulamentos em 28 de abril de 1977, e o contingente voltou a São Francisco para liderar os manifestantes para fora do prédio federal cantando “Nós Vencemos”.

Lomax continuou a trabalhar com os Panteras por mais alguns anos. Ele morreu de complicações de esclerose múltipla em Sacramento em 28 de agosto de 1984. Ele tinha 33 anos.

“Não acho que todas as suas aspirações foram realizadas, mesmo depois da manifestação”, disse Billups. “Ele realmente queria mais.”

Embora os regulamentos 504 pressionassem o governo em direção à acessibilidade, eles se aplicavam apenas a programas financiados pelo governo federal. Mas sua promulgação lançou as bases para a Lei dos Americanos com Deficiências, que foi aprovada em 1990.

Um comentário em “Brad Lomax e o apoio dos Panteras Negras ao Movimento de Pessoas com Deficiência

  1. Excelente material de vocês…parabéns pelo trabalho revolucionário…

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