Originalmente disponível no site Marxists.
Tradução por Guilherme Henrique
Havana
26 de junho de 1985
General (r) Nelson Werneck Sodré
Prezado General:
O problema da dívida externa tornou-se, sem dúvida e por unanimidade, o mais importante para a economia da América Latina e do Caribe como um todo e para as economias de cada um de nossos países. A cifra que já ultrapassa os 360 bilhões de dólares que a América Latina e o Caribe devem a bancos privados, organizações multilaterais de crédito e diferentes governos de países desenvolvidos, gravita sobre o continente com um peso que se torna insuportável nas condições da situação econômica internacional. Mesmo naqueles países que têm uma dívida absoluta mais baixa ou uma dívida per capita mais baixa, a comparação entre as suas receitas de exportação e o serviço exigido por essa dívida, produz um resultado tão desfavorável que não se pode evitar a convicção de que, nessas condições, o desenvolvimento econômico é impossível.
A gravidade da dívida externa latino-americana aumenta quando se nota que ela não se deve apenas a circunstâncias conjunturais que podem variar, mas que, antes, derivam principalmente da natureza estrutural das relações econômicas entre os países subdesenvolvidos e os países capitalistas desenvolvidos, dentro dos quais se move toda a América Latina e o Caribe.
É evidente que a crise econômica internacional gerada nos últimos anos nas economias capitalistas desenvolvidas, e cujos efeitos estamos sofrendo, torna mais difícil para os países da América Latina enfrentar o pagamento de suas dívidas. Mas mesmo no caso improvável de que a situação econômica internacional melhore, os problemas fundamentais da América Latina e do Caribe permanecerão sem solução. Enquanto persistir a troca desigual, impondo preços ruinosos para nossos produtos básicos ao mesmo tempo em que eleva constantemente preços de bens industriais que importamos; enquanto perdurar a anarquia de uma economia monetária, em que prevalece o dólar sobrevalorizado; enquanto não forem resolvidos os problemas do protecionismo, que está cada vez pior e cada vez mais longe de ser eliminado; enquanto as taxas de juros permanecerem altas, mesmo que seus níveis atuais sofram uma redução moderada, a América Latina e o Caribe não só não poderão se desenvolver, mas, como aconteceu nos últimos anos, sofrerão um retrocesso.
Profundamente preocupado com os problemas da economia latino-americana e sua dívida externa, dediquei a eles, como você deve saber, intensas reflexões. Dei a conhecer os resultados dessas análises através de diversos documentos, alguns dos quais estou anexando a esta carta; outros ainda não foram publicados. Nestas conversações, expressei, com a ajuda de dados que ninguém poderia contradizer e análises que não poderiam ser contestadas, minha profunda convicção de que a dívida da América Latina é impagável. Como eu disse, isso não significa que eu acredite que esta seja a posição que devem assumir, de imediato, os representantes dos governos no diálogo necessário entre credores e devedores que estou defendendo. Mas, a longo prazo, a dívida não pode ser paga e soluções alternativas devem ser encontradas, algumas das quais listei como sugestões.
Além disso, minha reflexão me convenceu de que, mesmo que se chegasse a um acordo para não pagar a dívida, os problemas da América Latina e do Caribe não seriam resolvidos. Se persistirem as demais situações decorrentes da ordem econômica internacional, será impossível não só promover o desenvolvimento dos países latino-americanos, como também mitigar a situação dos 130 milhões de homens e mulheres do continente que vivem situação de extrema pobreza. Se a situação atual continuar a piorar, é difícil imaginar o desenvolvimento posterior dos processos de recuperação democrática em curso no continente, e mais difícil ainda o surgimento de outros.
Por isso, a análise da dívida deve estar vinculada a promoção da Nova Ordem Econômica Internacional, pactuada nas Nações Unidas, mas ao mesmo tempo ignorada, apesar das permanentes demandas por negociações globais que os países subdesenvolvidos continuam formulando.
Há algo que se torna cada dia mais evidente para as figuras responsáveis e os povos da América Latina e do Caribe: as soluções que o Fundo Monetário Internacional impôs e pretende continuar impondo são inaceitáveis, não só porque não resolvem situação dos nossos países, mas porque a agravam.
É necessário, portanto, discutir longamente essas questões, sem pré-condições ou rigidez, para realizar um intercâmbio de ideias envolvendo todas as forças que a América Latina necessita para enfrentar esta crise, que por suas características é mais grave do que a dos anos da Grande Depressão e mais decisiva do que aquela que deu origem, há 175 anos, à independência inicial dos países latino-americanos.
O problema da dívida envolve todos nós, empresários e trabalhadores, latifundiários, camponeses e trabalhadores agrícolas, conservadores e radicais. Só aquela minoria insignificante que sempre viveu e quer continuar vivendo nas costas de seus países e a serviço de interesses estrangeiros pode permanecer insensível a este problema. O resto de nós está envolvido, como latino-americanos e caribenhos, por obrigação histórica; mas também como governantes, dirigentes políticos, empresários, intelectuais ou trabalhadores, porque é o próprio destino de cada uma dessas forças que está em jogo.
Tanto o resultado de minhas próprias análises quanto os frutíferos intercâmbios de ideias que tive nos últimos tempos com líderes de vários setores de nossos países me levaram a concluir que seria interessante contribuir para uma reflexão sobre esses problemas. Seria uma discussão, sem nenhuma outra pauta além de: “A Dívida da América Latina e do Caribe no Contexto da Crise Econômica Internacional: A Nova Ordem Econômica Internacional e sua Urgência”. Uma discussão sem documento prévio e sem a pretensão de que dela vão derivar acordos ou conclusões. Diálogo, ao mesmo tempo, acadêmico e político, profissional e popular; uma análise que pode destacar a convergência de interesses neste problema entre o empresário e o trabalhador, o cristão e o comunista, homens de esquerda e conservadores; com o objetivo de que a verdade que cada um de nós acredita ter, possa se tornar uma verdade compartilhada por todos após a análise coletiva de problemas tão prementes.
Convido você, na sua condição de personalidade de destaque, a estar presente no encontro continental que iniciaremos em Havana, na noite de 30 de julho e prosseguirá em 31 de julho e nos próximas 1,2 e 3 de agosto.
Pretendemos reunir nesta ocasião mais de 300 representantes de todas as forças políticas, sociais e intelectuais possíveis da América Latina e do Caribe, sem restrições ideológicas, religiosas ou de classe.
Ficaria muito grato se você fizesse um grande esforço para estar presente nessa reunião, na qual será extremamente útil para todos nós ter suas opiniões e experiências. Saúdo-o respeitosamente,
Fidel Castro Ruz