Novembro, 1971.
Originalmente publicado no site History is a Weapon.
Fotografia da capa por Stephen Shames.
Tradução por Guilherme Henrique.
Para a maioria dos leitores deste continente, servidos de informações autenticadas pelas agências de notícias imperialistas, o nome de George Jackson é desconhecido ou apenas um nome qualquer. Os poderes que constituem os Estados Unidos apresentaram a versão oficial de que George Jackson era um criminoso perigoso mantido em segurança máxima nas prisões mais árduas das Américas e ainda capaz de matar um guarda na Prisão de Soledad. Dizem que ele próprio foi morto ao tentar escapar este ano em agosto. As versões oficiais dadas pelos Estados Unidos sobre tudo, desde a Baía dos Porcos, em Cuba, até a Baía de Tonkin, no Vietnã, têm a característica comum de colocar a verdade de cabeça para baixo. George Jackson foi preso por supostamente roubar 70 dólares. Ele recebeu uma sentença de um ano de prisão por ser negro e foi mantido encarcerado por anos nas condições mais desumanas porque descobriu que a negritude não precisa ser um emblema de servilismo, mas pode ser uma bandeira para uma luta revolucionária intransigente. Ele foi assassinado porque estava fazendo de tudo para passar essa atitude aos companheiros de prisão. George Jackson era um prisioneiro político e um lutador pela liberdade negra. Ele morreu nas mãos do inimigo.
Uma vez que se saiba que George Jackson foi um revolucionário negro nas prisões dos brancos, pelo menos um ponto é estabelecido, pois estamos familiarizados com o fato de que uma proporção significativa de líderes nacionalistas africanos se formou nas prisões colonialistas, e neste momento as prisões da África do Sul mantêm cativos alguns dos melhores de nossos irmãos naquela parte do continente. Além disso, há uma consciência considerável de que, desde os dias da escravidão, os EUA não passam de uma vasta prisão no que diz respeito aos descendentes de africanos. Dentro desta prisão, a vida negra é barata, então não deveria ser surpresa que George Jackson tenha sido assassinado pelas autoridades penitenciárias de San Quentin, que são encarregadas pelo carcereiro-chefe das Américas, Richard Nixon. O que resta é ir além das generalidades e compreender os elementos mais significativos ligados à vida e à morte de George Jackson.
Quando ele foi morto em agosto deste ano, George Jackson tinha vinte e nove anos de idade e passou os últimos quinze [correção: 11 anos] atrás das grades – sete deles em isolamento especial. Como ele mesmo disse, ele era do lumpemproletariado. Ele não fazia parte da força produtiva regular de trabalhadores e camponeses. Estando isolados do sistema de produção, os elementos lumpemproletários do passado raramente entendiam a sociedade que os vitimizou e não eram confiáveis para tomar medidas revolucionárias organizadas dentro da sociedade capitalista. De fato, o próprio termo lumpemproletariado foi originalmente destinado a expressar a inferioridade desse setor em comparação com a autêntica classe trabalhadora.
No entanto, George Jackson, como Malcolm X antes dele, educou-se dolorosamente atrás das grades da prisão, a ponto de sua visão clara da realidade histórica e contemporânea e sua capacidade de comunicar sua perspectiva assustar a estrutura de poder dos Estados Unidos o suficiente para liquidá-lo fisicamente. A sobrevivência de Jackson por tantos anos em prisões cruéis, sua autoeducação e sua publicação de Soledad Brother foram enormes realizações pessoais e, além disso, oferecem uma visão interessante sobre o potencial revolucionário da massa negra nos EUA, muitos dos quais foram reduzidos ao status de lumpemproletários.
No capitalismo, o trabalhador é explorado através da alienação de parte do produto de seu trabalho. Para o camponês africano, a exploração é efetuada através da manipulação do preço das colheitas que ele trabalhou para produzir. No entanto, o trabalho sempre foi classificado como superior ao desemprego, pela razão óbvia de que a sobrevivência depende da capacidade de obter trabalho. Assim, no início da história da industrialização, os trabalhadores cunharam o slogan direito ao trabalho. Massas de negros nos EUA são privadas desse direito básico. Na melhor das hipóteses, eles vivem em um limbo de incerteza como trabalhadores temporários, os últimos a serem contratados e os primeiros a serem demitidos. A linha entre desempregados e criminosos não pode ser descartada como o lumpemproletariado branco na Europa capitalista era geralmente descartado.
Estes últimos foram considerados desajustados e trabalhadores regulares serviram de vanguarda. Os trinta e tantos milhões de negros nos EUA não são desajustados. Eles são os mais oprimidos e os mais ameaçados no que diz respeito à sobrevivência. A grandeza de George Jackson é que ele serviu como um porta-voz dinâmico para os mais miseráveis entre os oprimidos, e ele estava na vanguarda da frente de luta mais perigosa.
A prisão dificilmente é uma arena na qual se poderia imaginar que ocorreria uma guerra de guerrilhas. No entanto, é neste terreno mais desfavorecido que os negros demonstraram coragem para travar uma guerra por dignidade e liberdade. Em Soledad Brother, George Jackson revela de maneira comovente a natureza dessa luta à medida que ela evoluiu nos últimos anos. Vale a pena registrar alguns dos episódios mais recentes da luta na prisão de San Quentin. Em 27 de fevereiro deste ano, prisioneiros negros e pardos (mexicanos) anunciaram a formação de uma Coalizão do Terceiro Mundo. Isso veio na esteira de organizações como a filial do Partido dos Panteras Negras em San Quentin e o estabelecimento do SATE (Self-Advancement Through Education¹). Esse nível de mobilização dos prisioneiros não brancos era ressentido e temido por guardas brancos e alguns prisioneiros brancos racistas. Estes últimos formaram-se em um grupo autodeclarado nazista, e meses de incidentes violentos se seguiram. Desnecessário será dizer que, com a autoridade branca do lado dos nazistas, os irmãos negros e mexicanos tiveram muita dificuldade. George Jackson não é a única vítima do lado dos negros. Mas a unidade entre eles foi mantida, e a maioria dos prisioneiros brancos se recusou a apoiar os nazistas ou os denunciou. Assim, mesmo dentro dos muros da prisão, o primeiro princípio a ser observado era a unidade na luta. Uma vez que os mais oprimidos tomassem a iniciativa, poderiam ganhar aliados.
A luta dentro das prisões está tendo repercussões cada vez mais amplas a cada dia. Em primeiro lugar, está criando verdadeiros quadros revolucionários a partir de cada vez mais lumpemproletários. Isso é particularmente verdadeiro nas prisões da Califórnia, mas o movimento está fazendo seu impacto ser sentido em todos os lugares, de Baltimore ao Texas. Irmãos lá dentro estão escrevendo poesia, ensaios e cartas que desnudam a América capitalista branca. Tal como em Soledad Brother, eles aprenderam que os livros de sociologia nos chamam de antissociais e nos rotulam de criminosos, quando na verdade os criminosos estão no registro social. Os nomes daqueles que governam a América estão todos no registro social.²
Em segundo lugar, está solidificando a comunidade negra de maneira notável. Os negros pequeno-burgueses também se sentem ameaçados pela polícia, juízes e agentes penitenciários maníacos. Intelectuais negros que costumavam ser completamente alienados de qualquer forma de luta, exceto pela sua agitação pessoal, agora reconhecem a necessidade de se aliar e se orientar pelas forças de rua dos desempregados negros, moradores de guetos e presos.
Em terceiro lugar, a coragem dos prisioneiros negros provocou uma resposta da América branca. O pequeno grupo de revolucionários brancos assumiu uma posição positiva. Os Weathermen³ denunciaram o assassinato de Jackson colocando algumas bombas em determinados lugares e o Partido Comunista apoiou a demanda dos prisioneiros negros e do Partido dos Panteras Negras de que o assassinato fosse investigado. Em uma nota mais geral, a América liberal branca foi perturbada. Os liberais brancos nunca gostam de ouvir que a sociedade capitalista branca está podre demais para ser reformada. Até a imprensa do establishment capitalista veio à luz com denúncias sobre as condições de vida nas prisões, e os massacres fascistas de prisioneiros negros na prisão de Attica recentemente levou o senador Muskie a se posicionar com um grito de basta.
Em quarto lugar (e para nossos propósitos de forma mais significativa) os esforços de prisioneiros negros e dos negros na América como um todo tiveram repercussões internacionais. As acusações apresentadas contra os líderes dos Panteras Negras e contra Angela Davis foram denunciadas em muitas partes do mundo. Comitês de defesa e solidariedade foram formados em lugares como Havana e Leipzig. A OPAAL declarou 18 de agosto como o dia da solidariedade internacional com os afro-americanos; e significativamente a maior parte de sua propaganda para esse fim terminou com um apelo para libertar todos os presos políticos.
Há mais de uma década, os movimentos de libertação dos povos no Vietnã, Cuba, África Austral, etc., mantêm conversas com militantes e progressistas nos EUA apontando para a dualidade e respectivas responsabilidades da luta dentro do campo imperialista. A revolução nas colônias e neocolônias exploradas tem como objetivo a expulsão dos imperialistas: a revolução na metrópole é transformar as relações capitalistas de produção nos países de origem. Uma vez que os EUA são o senhor do imperialismo mundial, tem sido comum retratar qualquer movimento progressista lá como operando dentro do ventre da besta. Dentro de um bloco de isolamento nas prisões de Soledad ou San Quentin, isso não era apenas uma expressão figurativa. George Jackson sabia bem o que significava buscar uma maior consciência socialista e humanista dentro da barriga da besta imperialista branca.
A solidariedade internacional nasce da luta em diferentes localidades. Esta é a verdade tão profunda e claramente expressa por Che Guevara quando pediu a criação de um, dois, três – muitos Vietnãs. Há muito se reconhece que a classe trabalhadora branca nos EUA é historicamente incapaz de participar (como classe) na luta anti-imperialista. O racismo branco e o papel de liderança das Américas no imperialismo mundial transformaram o trabalho organizado nos EUA em uma força reacionária. Por outro lado, a luta negra é internacionalmente significativa porque desmascara as relações sociais bárbaras do capitalismo e coloca o inimigo na defensiva em seu próprio território. Isso é amplamente ilustrado no processo político que envolveu os três Soledad Brothers – George Jackson, Fleeta Drumgo e John Clutchette -, bem como Angela Davis e uma série de outros negros agora atrás das grades da prisão nos EUA.
NOTA: George Jackson também é autor de Blood In My Eye, que foi publicado postumamente, ou depois que este artigo foi escrito.
Notas da tradução:
¹ Auto Progresso Através da Educação
² O Registro Social é uma publicação semestral nos Estados Unidos que lista os membros da alta sociedade norte-americana.
³ Weathermen ou Weather Underground, também chamada Weather Underground Organization (WUO) foi uma organização norte-americana de extrema esquerda fundada no campus de Ann Arbor da Universidade de Michigan. Seu objetivo era criar um partido revolucionário para derrubar o imperialismo norte-americano. O FBI descreveu o WUO como um grupo terrorista doméstico. A organização fazia oposição à Guerra do Vietnã e aliou-se ao Exército de Libertação Negra e ao Partido dos Panteras Negras.