Friedrich Engels – Notas sobre Darwin

Originalmente publicado no site Red Sails.

Tradução por Guilherme Henrique.

Esta carta é parte da correspondência entre F. Engels e P. L. Lavrov, um narodnik russo. [1] A edição original exuberantemente comentada – com extensas notas de rodapé fornecidas pela historiadora marxista britânica Dona Torr – está disponível no Marxists Internet Archive. [2]

Acho que é um pequeno documento muito interessante: ilustra o estilo retórico de Engels de unir julgamentos duros e precisos com saudações calorosas, expressa uma oposição decisiva ao malthusianismo e ao apelo sentimental de ascetismo primitivista (podemos considerar os críticos atuais do “desenvolvimentismo” na Bolívia e “consumismo” na China), e mostra sua pura paixão e compreensão pelas ciências naturais. [3]

Muitas das ideias esboçadas aqui logo seriam desenvolvidas em Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico (1880), de Engels, um texto-chave para impulsionar o marxismo à importância histórica mundial.

Um detalhe divertido sobre o original: o primeiro e o último parágrafos da carta foram escritos em francês. Duas citações do artigo de Lavrov e algumas frases estavam em russo, “luta pela vida, seleção natural” no primeiro parêntese estava em inglês, e o resto da carta estava em alemão! — R.D.


12 de novembro de 1875

Meu caro senhor Lavrov,

Agora que voltei de uma visita à Alemanha, finalmente pude dar atenção ao seu artigo, que acabei de ler com muito interesse. Aqui estão minhas observações sobre ele, escritas em alemão, pois isso me permite ser mais conciso.

(1) Da teoria darwiniana eu aceito a teoria da evolução, mas apenas tomo o método de comprovação de Darwin (luta pela vida, seleção natural) como a primeira, provisória e incompleta expressão de um fato recém-descoberto. Antes de Darwin, as mesmas pessoas (Vogt, Buchner, Moleschott, etc.) [4] que agora não veem nada além da luta pela existência em todos os lugares, enfatizavam precisamente a cooperação na natureza orgânica – como o reino vegetal fornece oxigênio e alimentos ao reino animal, enquanto o reino animal, por sua vez, fornece ao reino vegetal ácido carbônico e adubo, como Liebig, em particular, havia enfatizado. Ambas as concepções têm uma certa justificação dentro de certos limites, mas cada uma é tão unilateral e estreita quanto a outra. A interação dos corpos naturais – animados ou inanimados – inclui tanto harmonia quanto colisão, luta e cooperação. Se, portanto, um suposto cientista natural se permite subsumir toda a multiforme riqueza do desenvolvimento histórico sob a frase unilateral e insuficiente “luta pela existência”, uma frase que, mesmo na esfera da natureza, só pode ser tomada com um grão de sal, tal procedimento é sua própria condenação.

(2) Dos três darwinistas convictos citados, apenas Hellwald parece merecer menção. Seidlitz é apenas uma luz menor, na melhor das hipóteses, e Robert Byr é um romancista, cujo romance Três Vezes está aparecendo no momento em Por Terra e Mar – o lugar certo para toda a sua fanfarronada também.

(3) Sem contestar os méritos de seu método de ofensiva, que eu poderia chamar de psicológico, eu mesmo deveria ter escolhido um método diferente. Cada um de nós é mais ou menos influenciado, sobretudo, pelo meio intelectual em que se move. Para a Rússia, onde você conhece seu público melhor do que eu, e para um jornal propagandista que apela ao vínculo do sentimento, ao sentimento moral, seu método é provavelmente o melhor. Para a Alemanha, onde o falso sentimentalismo causou e ainda está causando um enorme dano, seria inadequado, e seria incompreendido e distorcido sentimentalmente. O que precisamos é mais ódio do que amor – para começar, pelo menos – e, acima de tudo, livrar-se dos últimos resquícios do idealismo alemão e instaurar os fatos materiais em seus direitos históricos. Eu deveria, portanto, atacar esses darwinistas burgueses com algo nesse estilo (e talvez o faça a tempo):

Toda a teoria darwiniana da luta pela existência é simplesmente a transferência da sociedade para a natureza animada da teoria de Hobbes da guerra de todos os homens contra todos os homens e da teoria econômica burguesa da competição, juntamente com a teoria malthusiana da população. Esta façanha tendo sido realizada – (como indicado em (1) eu contesto sua justificação sem reservas, especialmente no que diz respeito à teoria malthusiana) – as mesmas teorias são transferidas novamente da natureza orgânica para a história e sua validade como leis eternas da sociedade humana declaradas como provadas. A infantilidade desse procedimento é óbvia, não vale a pena desperdiçar palavras. Mas se eu quisesse ir mais longe, deveria fazê-lo de tal forma que os expusesse em primeiro lugar como maus economistas e apenas em segundo lugar como maus cientistas naturais e filósofos.

(4) A diferença essencial entre a sociedade humana e a animal é que os animais são, no máximo, coletores, enquanto os homens são produtores. Essa distinção única, mas fundamental, por si só, torna impossível simplesmente transferir as leis das sociedades animais para as sociedades humanas. Torna possível que, como você justamente observa,

“O homem lutou não apenas pela existência, mas pelo prazer e pelo aumento de seus prazeres […] ele estava pronto a renunciar aos prazeres inferiores em favor dos superiores.”

Sem contestar suas deduções adicionais a partir disso, as conclusões adicionais que devo tirar de minhas premissas seriam as seguintes:

Em um certo estágio, portanto, a produção humana atinge um nível em que não apenas as necessidades essenciais, mas também os luxos são produzidos, mesmo que, por enquanto, sejam produzidos apenas para uma minoria. Daí a luta pela existência – se admitirmos por um momento esta categoria como válida aqui – se transforma em uma luta por prazeres, uma luta não mais pelos meros meios de existência, mas pelos meios de desenvolvimento, meios de desenvolvimento socialmente produzidos, e nesta fase, as categorias do reino animal não são mais aplicáveis. Mas se, como agora, a produção em sua forma capitalista produz uma abundância muito maior dos meios de existência e desenvolvimento do que a sociedade capitalista pode consumir, porque a sociedade capitalista mantém a grande massa dos produtores reais artificialmente afastada dos meios de existência e desenvolvimento; se esta sociedade é forçada, pela lei de sua própria existência, a aumentar continuamente a produção já muito grande para ela e, portanto, periodicamente a cada dez anos, chega a um ponto em que ela mesma destrói uma massa não apenas de produtos, mas de forças produtivas , que sentido ainda resta na fala da “luta pela existência”? A luta pela existência pode então consistir apenas em que a classe produtora retire o controle da produção e distribuição da classe até então confiada a ela, mas agora não mais capaz de fazê-lo; isso, no entanto, é a revolução socialista.

Aliás, deve-se notar que a mera consideração da história pregressa como uma série de lutas de classes é suficiente para revelar toda a superficialidade da concepção dessa mesma história como uma versão ligeiramente variada da “luta pela existência”. Portanto, eu nunca deveria fazer essa concessão a esses cientistas naturais espúrios.

(5) Pela mesma razão, eu deveria ter dado uma formulação diferente à sua declaração, que é substancialmente correta,

“que a ideia de solidariedade, como meio de atenuação da luta, poderia finalmente expandir-se a ponto de abranger toda a humanidade, contrapondo-a como uma sociedade solidária de irmãos ao resto do mundo de minerais, vegetais e animais”.

(6) Por outro lado, não posso concordar com você que a guerra de cada homem contra cada homem foi a primeira fase do desenvolvimento humano. Na minha opinião, o instinto social foi uma das alavancas mais essenciais no desenvolvimento do homem a partir do macaco. Os primeiros homens devem ter vivido gregariamente e, até onde podemos ver, descobrimos que era assim.

17 de novembro

Fui interrompido de novo e retomo estas linhas hoje para enviá-las a você. Você verá que minhas observações se aplicam mais à forma, ao método, de sua ofensiva do que à sua base. Espero que você os ache suficientemente claros. Eu os escrevi apressadamente e, ao reler, gostaria de mudar muitas palavras, mas tenho medo de tornar o manuscrito muito ilegível.

Com cordiais saudações,

F. Engels

Notas de rodapé:

1 – Para entender a relação entre marxismo, bolcheviques e populistas, veja The Sentimental Criticism of Capitalism (1897), de V. I. Lenin. (https://redsails.org/the-sentimental-criticism-of-capitalism/)

2 – Friedrich Engels (1875) editado por Dona Torr (1936). (https://marxists.architexturez.net/archive/marx/works/1875/letters/75_11_12.htm)

3 – Para muito mais sobre o marxismo, Engels e a dialética da natureza, veja Marxism and the Philosophy of Science (1993), de Helena Sheehan. (https://www.goodreads.com/book/show/3147503-marxism-and-the-philosophy-of-science)

4 – Karl Marx escreveu um livro inteiro desmantelando Carl Vogt, Herr Vogt (1860). Vogt agora não é conhecido por mais nada. (https://www.marxists.org/history/etol/newspape/ni/vol10/no08/marx.htm)

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