Publicado em Pageant, Nova Iorque, janeiro de 1946.
Originalmente disponível no livro “Albert Einstein – Pensamento Político e últimas Conclusões”, com seleção e prefácio de Mário Schenberg, publicado pela Editora Brasiliense.
Transcrição por Andrey Santiago.
Escrevo na qualidade de alguém que viveu entre vocês na América um pouco mais que 10 anos. E o faço com seriedade e como admoestação. Muitos leitores podem perguntar: “Que direito tem ele de falar de coisas que dizem respeito somente a nós e que nenhum recém-chegado deveria ter?”.
Não acho esse ponto justificado. Aquele que cresceu num ambiente aceita coisas sem pensar. Por outro lado, aquele que chegou a este país já como pessoa madura pode ter um olho mais aguçado para tudo que é peculiar e característico. Acho que essa pessoa deveria falar livremente sobre o que vê e sente, pois ao fazê-lo pode talvez mostrar-se de alguma utilidade.
O que logo torna o recém-chegado dedicado a esse país é a qualidade democrática de seu povo. Não estou me referindo aqui tanto à constituição política democrática do país, por mais que seja louvável. Estou pensando no relacionamento entre indivíduos e na atitude que mantem uns para com os outros.
Nos Estados Unidos todos se sentem seguros de si mesmos como indivíduos. Ninguém se humilha diante de outra pessoa ou classe. Até mesmo a grande diferença em riqueza, o poder superior de uns poucos, não conseguem subverter esta saudável autoconfiança e respeito natural pela dignidade do seu semelhante.
Há, no entanto, um ponto escuro na visão social dos americanos. Seu senso de igualdade e de dignidade humana é basicamente limitado a pessoas de pele branca. Mesmo entre essas há preconceitos dos quais eu, como judeu, tenho plena consciência; mas são sem importância em comparação com a atitude dos “brancos” para com seus compatriotas de pele mais escura, particularmente para com os negros. Quanto mais me sinto americano, mais esta situação me magoa. Só posso escapar ao sentimento de cumplicidade falando nisso abertamente.
Muitas pessoas sinceras me responderão: “Nossa atitude para com os negros é resultado de experiências desagradáveis que tivemos ao viver lado a lado com negros neste país. Não são iguais a nós em inteligência, ou senso de responsabilidade. Não se pode confiar neles”.
Estou firmemente convencido de que qualquer pessoa que acredito nisso é vítima de um equívoco total. Seus ancestrais arrastaram esses pretos, à força, tirando-os de seus lares. E na busca do homem branco pela riqueza e uma vida fácil, eles foram selvagemente reprimidos e explorados, degradados à condição de escravos. O preconceito moderno contra os negros é o resultado do desejo de manter esta condição indigna.
Os antigos gregos possuíam escravos. Não eram escravos negros, mas sim homens brancos que tinham sido capturados nas guerras. Não se poderia falar de diferenças raciais. E, no entanto, Aristóteles, um dos grandes filósofos gregos, declarou que escravos eram seres inferiores, devidamente subjugados e privados de sua liberdade. É claro que ele estava imerso num preconceito tradicional do qual, a despeito de seu extraordinário intelecto, não conseguiu se libertar.
Grande parte da nossa atitude para com as coisas é condicionada por opiniões e emoções que inconscientemente absorvermos, quando crianças, do nosso ambiente. Em outras palavras, é a tradição – além de aptidões e qualidades herdadas – que nos faz o que somos. Raramente refletimos o quão pequena é a influência de nosso pensamento consciente sobre nossa conduta e convicções quando comparada à poderosa influência da tradição.
Seria tolice desprezar a tradição. Mas, com nossa crescente percepção de nós mesmos, como indivíduos, e nossa inteligência mais desenvolvida, precisamos começar a controlar a tradição e assumir uma atitude crítica para com ela, para que as relações humanas venham a mudar para melhor. Temos de tentar reconhecer em nossa tradição aquilo que é danoso para nosso destino e dignidade – reformular nossas vidas de acordo.
Creio que quem tenta pensar em profundidade e honestamente logo reconhecerá o quanto é indigno e até fatal o preconceito tradicional contra os negros.
No entanto, que pode fazer um homem de boa vontade para combater esse preconceito tão arraigado? Tem de ter a coragem de dar o exemplo, por palavras e obras, e tem de manter-se vigilante para que seus filhos não fiquem influenciados por esse preconceito racial.
Não creio que haja maneira de curar rapidamente esse mal profundamente entrincheirado. Mas, até que esse objetivos seja alcançado, não existirá maior satisfação para uma pessoa justa e de boas intenções do que saber que dedicou o melhor de suas energias ao serviço de uma boa causa.