José Carlos Mariátegui – Nacionalismo e Internacionalismo

Publicado em Mundial: Lima, 10 de outubro de 1924. Sobre este tema, consultar o artigo “Nacionalismo e vanguardismo” no capítulo “Anexo a O problema do índio” no Tomo II da presente edição.

Tradução por Jhonatan Âlcantara.


Os limites entre o nacionalismo e o internacionalismo não estão ainda muito esclarecidos, apesar da convivência já velha de ambas as ideias. Os nacionalistas condenam integramente a tendência internacionalista, mas na prática fazem algumas conceções, às vezes mais tímidas, às vezes explícitas. O fascismo, por exemplo, integra a Liga das Nações. Pelo menos não abandonou esta sociedade que se alimenta do pacifismo e do liberalismo wilsonianos. Acontece, de fato, que nem o nacionalismo nem o internacionalismo seguem uma linha ortodoxa ou intransigente. Porém, não se pode apontar matematicamente onde se conclui o nacionalismo e onde começa o internacionalismo. Os elementos de uma ideia, às vezes, andam misturados a elementos de outra ideia.

A causa desta difícil demarcação teórica e prática é muito clara. A história contemporânea nos ensina a cada passo que a nação não é uma abstração, não é um mito, uma vez que a civilização e a humanidade tampouco o são. A realidade nacional não contraria, não anula a realidade internacional. A incapacidade de compreender e admitir essa segunda realidade não passa de uma falha de leitura, uma limitação orgânica. As inteligências envelhecidas, mecanizadas na contemplação da antiga perspectiva nacional não sabem distinguir a nova, vasta e complexa perspectiva internacional. A repudiam e a negam porque não podem adaptar-se a ela. O mecanismo dessa atitude é o mesmo da que rechaça automaticamente e aprioristicamente a física einsteiniana.

Os internacionalistas – exceto alguns românticos, pitorescos e inofensivos – se comportam com menos intransigência. Como os relativistas frente a física de Galileo, os internacionalistas não contradizem toda a teoria nacionalista. Reconhecem que corresponde a realidade, mas só em primeira aproximação. O nacionalismo apreende uma parte da realidade; mas nada mais que uma parte. A realidade é muito mais ampla, menos finita. Em uma palavra, o nacionalismo é válido como afirmação, mas não como negação. No capítulo atual da história tem o mesmo valor do provincialismo, do regionalismo em capítulos anteriores. É um regionalismo de novo estilo.

Por que se exacerba, por que se inflama em nossa época, esse sentimento que, pela sua idade avançada, deveria ser um pouco mais passivo e menos ardente? A resposta é fácil: o nacionalismo é uma face, um lado do extenso fenômeno reacionário. A reação se chama, sucessiva e simultaneamente, chauvinismo, fascismo, imperialismo etc. Não é por azar que os monarquistas de L’Action Française são, ao mesmo tempo, agressivamente chauvinistas e militaristas. Se opera atualmente um complicado processo de ajustamento, de adaptação das nações e seus interesses a uma convivência solidária. Não é possível que este processo se cumpra sem uma resistência extrema de mil paixões centrífugas e de mil interesses secessionistas. A vontade de dar aos povos uma disciplina internacional tem que provocar um levantamento exasperado do sentimento nacionalista que, romântica e anacronicamente, queria ilhar e diferenciar os interesses da própria nação do resto do mundo.

Os autores desta reação qualificam o internacionalismo de utopia. Porém, evidentemente, os internacionalistas são mais realistas e menos românticos do que parecem. O internacionalismo não é unicamente uma ideia, um sentimento; é, sobretudo, um fato histórico. A civilização ocidental se internacionalizou, se solidarizou com a vida da maior parte da humanidade. As ideias, as paixões, se propagam veloz, fluida e universalmente. Cada dia é maior a rapidez que se difundem as correntes do pensamento e da cultura. A civilização deu ao mundo um novo sistema nervoso.

Transmitida via cabo, as ondas hertzianas, a imprensa, toda a grande emoção humana recorre instantaneamente o mundo e, com isso, o hábito regional decai pouco a pouco. A vida tende a uniformidade, a unidade. Adquire o mesmo estilo, o mesmo tipo em todos os grandes centro urbanos. Buenos Aires, Québec, Lima, copiam a moda de Paris; seus alfaiates e modistas imitam os modelos de Paquin. Esta solidariedade, esta uniformidade não são exclusividades ocidentais. A civilização europeia atrai, gradualmente, a sua órbita e a seus costumes a todos os povos e a todas as raças. É uma civilização dominadora que não tolera a existência de nenhuma civilização concorrente ou rival, o exemplo disso é uma das suas características essenciais: a força de expansão. Nenhuma cultura conquistou jamais uma extensão tão vasta da Terra. O inglês que se instala em um rincão da África leva ali o telefone, o automóvel, o polo. Junto com as máquinas e as mercadorias se difundem as ideias e as emoções ocidentais. Aparecem estranha e insolitamente vinculadas a história e o pensamento dos povos mais diversos.

Todos estes fenômenos são absoluta e inconfundivelmente novos. Pertencem exclusivamente a nossa civilização que, desde este ponto de vista, não se parece com nenhuma das civilizações anteriores, e com estes fatos se coordenam outros. Os Estados europeus acabam de constatar e reconhecer, na Conferência de Londres, a impossibilidade de restaurar sua economia e sua produção respectivas sem um pacto de assistência mútua. A causa de sua interdependência econômica, os povos não podem, como antes, acometer-se e despedaçar-se impunemente. Não por sentimentalismo, mas por requerimento de seu próprio interesse, os vencedores têm que renunciar ao prazer de sacrificar os vencidos.

O internacionalismo não é uma corrente novíssima. Desde quase um século aproximadamente, se nota na civilização europeia a tendência a preparar uma organização internacional da humanidade. Tampouco é o internacionalismo socialista um internacionalismo burguês, o que não tem nada de absurdo ou de contraditório. Quando se averigua sua origem histórica, o internacionalismo resulta de uma emancipação, uma consequência do ideal liberal. A primeira grande incubadora dos germes internacionalistas foi a escola de Manchester. O Estado liberal emancipou a indústria e o comércio das travas feudais e absolutistas. Os interesses capitalistas se desenvolveram independentemente do crescimento da nação. A nação, finalmente, já não podia contê-los dentro das suas fronteiras. O capital se desnacionalizava; a indústria se lançava à conquista de marcados estrangeiros; a mercadoria não conhecia limites e pulsava por circular livremente através de todos os países. E então a burguesia se fez comercialmente livre. O livre-mercado, como ideia e como prática, foi um passo em direção ao internacionalismo, no qual o proletariado reconhecia já um dos seus fins, um dos seus ideais. As fronteiras econômicas se debilitaram e este acontecimento fortaleceu a esperança de anular um dia as fronteiras políticas.

Só a Inglaterra – o único país onde se realizou plenamente a ideia liberal e democrática, entendida e classificada como ideia burguesa – atingiu o livre-mercado. A produção, a causa da sua anarquia, padeceu em uma grave crise que provocou uma reação contra as medidas de livre-mercado. Os Estados voltaram a fechar suas portas para a produção estrangeira para defender sua própria produção. Veio outro período protecionista, durante o qual se reorganizou a produção sobre novas bases. A disputa dos mercados e as matérias primas adquiriu um amargo caráter nacionalista. Porém, a função internacional da nova economia voltou a encontrar sua expressão. Desenvolveu gigantescamente a nova forma do capital, o capital financeiro, a finança internacional. Para seus bancos e consórcios confluíam os tesouros de distintos países para serem investidos internacionalmente. A guerra mundial desgarrou parcialmente este tecido de interesses econômicos. Em seguida, a crise pós-guerra revelou a solidariedade econômica das nações, a unidade moral e orgânica da civilização.

A burguesia liberal, hoje como ontem, trabalha por adaptar suas firmas políticas a nova realidade humana. A Liga das Nações é um esforço, certamente vão, por resolver a contradição entre a economia internacionalista e a política nacionalista da sociedade burguesa. A civilização não se admite morrer deste choque, desta contradição. Se cria, por isso, todos os dias, organismos de comunicação e de coordenação internacionais. Ademais das duas Internacionais operárias, existem outras internacionais de diversas hierarquias. Suíça hospeda as “sedes” de mais de oitenta associações internacionais. Paris foi, não há muito tempo, a sede de um congresso internacional de professores de dança. Os bailarinos discutiram ali largamente seus problemas, em múltiplos idiomas. Os unia, acima das fronteiras, o internacionalismo foxtrote e o tango.

Um comentário em “José Carlos Mariátegui – Nacionalismo e Internacionalismo

  1. Bastante elucidativos e dotados de profundidade crítica capaz de conduzir leitores na luta contra a colonialidade.

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