Ensaio de Souvankham Thammavongsa para o New Yorker, publicado em 3 de julho de 2023.
Tradução por Andrey Santiago.
Ilustração da capa por Leonie Bos.
Não havia muitos sons agradáveis na nossa rua. Sirenes de polícia e ambulâncias. Na casa ao lado, um homem frequentemente gritava, e seus berros às vezes eram seguidos por um suave som de algo batendo. Na nossa televisão, um filme passava: um prédio explodindo, tiros, chamas. Não deveríamos assistir a coisas assim, mas meu irmão e eu estávamos sozinhos em casa. Eu tinha dez anos, e ele, oito.
Nossos pais nos disseram para manter a televisão alta, para que parecesse que havia um adulto conosco. Eles nos mostraram os lugares onde poderíamos nos esconder juntos, caso sentíssemos medo. Na banheira, com a cortina do chuveiro fechada. No armário, sob uma pilha de roupas. Debaixo da pia da cozinha, entre algumas panelas e potes. Quando eles não estavam em casa, não podíamos sair. Não podíamos andar de bicicleta nem procurar bolinhas de gude bonitas no chão.
Era verão. Não havia escola, e contratar uma babá custava caro demais para o tempo que meus pais trabalhavam, mesmo uma adolescente juntando dinheiro para o vestido do baile. Não morávamos perto dos avós. Não havia primos ao lado, nem tios ou tias no bairro para onde ir. Era só nós dois.
“Você ouviu isso?” meu irmão perguntou.
“O quê?” respondi.
“O caminhão de sorvete.”
Escutei. E lá estava. Aquele som metálico e brilhante, cintilando em algum lugar próximo.
Quando você ouve um caminhão de sorvete na sua rua, significa que alguém pensou em você. Significa que alguém acha que você merece algo bom no mundo e que você não precisa imaginar isso sozinho.
Naquele dia, o caminhão de sorvete veio para a nossa rua.
Tirei a corrente da porta e destranquei. Peguei meu irmão e corremos para a calçada. O som do caminhão de sorvete era tão alto, tão próximo. Meu irmão e eu acenamos para ele parar.
O caminhão de sorvete parou para nós.
Estávamos frenéticos de alegria, gritando o que queríamos comer, e por algum motivo o homem no caminhão fez para nós. Pegamos o que pedimos e comemos rápido, tentando não deixar o calor do verão nos roubar. Lambemos nossos dedos, mãos, pulsos. E rimos sem motivo, exceto pelo fato de podermos.
Não percebemos o caminhão de sorvete indo embora. Não percebemos sua música alta se afastando, ficando distante.
Meu irmão olhou para mim com uma preocupação repentina e disse: “Esqueci de pagar. E você?”
Eu também esqueci.
Entendi naquele momento por que talvez os caminhões de sorvete não viessem à nossa rua. Por que, quando ouvíamos o caminhão de sorvete antes, ele estava sempre em uma rua ao lado, onde havia casas de tijolos com gramados, irrigadores e flores brilhantes.
Prometemos um ao outro que não contaríamos aos nossos pais. Não diríamos que saímos de casa. Que comemos sorvete. Que não pagamos. Passamos o resto da tarde assistindo a desenhos sobre pequenas pessoas azuis que viviam dentro de cogumelos.
Agora tenho quarenta e quatro anos. Vou fazer quarenta e cinco neste verão. Não ouvia um caminhão de sorvete no meu bairro há anos, mas, algumas semanas atrás, lá estava ele. Fraco, cintilante. Não havia ninguém para perguntar: “Você ouviu isso?” Agora eu podia sair de casa sem ter que avisar a alguém. Peguei algum dinheiro e corri.
Não sabia exatamente onde estava o caminhão de sorvete, mas fui até onde sua música parecia mais alta. Fechei os olhos e segui o que sentia.
Quando abri os olhos, vi alguém que parecia meu irmão. Um garotinho correndo. Eu sabia que ele não era meu irmão. Lembrei a mim mesmo que meu irmão havia crescido e que ele tinha morrido no ano passado. Quem quer que fosse aquele garotinho, ele sabia para onde estava indo. Então corri na mesma direção.
E lá estava, o caminhão de sorvete, em um estacionamento. Entrei na fila como todos os outros. Quando chegou minha vez de pagar, dei ao homem do caminhão tudo o que tinha, uma nota de vinte dólares, e disse a ele para ficar com o troco. O homem me aplaudiu de pé.
Peguei meu sorvete e o comi sob o sol. Eu mereço essa alegria, eu disse. Eu mereço tudo isso.

Antídoto à amargura. Lindo texto
Meu Deus que coisa linda