Quadros – Militância e Responsabilização

Texto de Luísa Araújo, militante do Comitê Central do Partido Comunista Português, publicado originalmente na revista “O Militante” nº 285, de Nov-Dez de 2006. Foram realizadas alterações no texto para se adequar ao português brasileiro.

Na imagem da publicação está Fred Hampton (1948 – 1969), um dos maiores quadros do Partido dos Panteras Negras, dando orientações a outros militantes.


A reflexão sobre quadros engloba aspectos diversos do nosso trabalho. Além de balanços e de análise ao desempenho das tarefas, deve levar à definição de novos objetivos baseados nomeadamente no conhecimento da organização, dos militantes e da realidade social e política onde se intervém, na clarificação de prioridades da estruturação do Partido e na preocupação de acompanhamento e ajuda aos quadros.

O Partido forja os seus próprios quadros

A atividade revolucionária do Partido está intimamente ligada à dedicação e à ação de milhares de quadros que nas diferentes tarefas têm um papel determinante ao nível da capacidade de decisão, de direção e de intervenção. Pelo número e pelo esforço despendido só temos razões para nos orgulharmos, contudo as necessidades do coletivo partidário e da luta social, política e ideológica exigem mais.

É importante recordar que, com a Revolução de Abril, o PCP se transformou num grande Partido de massas e que só esteve à altura de se afirmar na nova situação porque, além da justeza da sua orientação política, promoveu e responsabilizou milhares de camaradas que responderam às variadas e exigentes tarefas de construção do regime democrático.

A liberdade criou extraordinárias condições de recrutamento, de organização dos militantes, de  mobilização dos trabalhadores e do povo em torno das palavras de ordem do Partido. Competia aos organismos e quadros dirigentes conhecer a realidade concreta, estruturar a organização de forma a integrar os militantes e potenciar as condições de intervenção, responsabilizar quadros e formá-los para a intensa luta de classes e confronto ideológico.

Todos os momentos da vida do Partido põem em relevo o papel dos quadros e da política de quadros. A memória num partido revolucionário constitui elemento indispensável não só para o conhecimento dos fatos históricos e das respostas encontradas, mas também para exemplo e experiência para o trabalho presente.

A história mostra que o Partido não existia se não tivesse sido capaz de forjar no seu seio os homens e as mulheres que deram e dão o melhor da sua inteligência, da sua consciência, do seu conhecimento, da sua vontade e dedicação ao Partido.

Não há quadros sem militância

Para responder às atuais necessidades do Partido, o trabalho de direção deve dar particular atenção à responsabilização de muitos mais camaradas pelas diversas tarefas e prioridades que estão definidas: o alargamento da estruturação da organização com a criação de muitos mais organismos para a mobilização e a integração dos militantes na ação partidária; o aprofundamento do princípio estatutário de prioritariamente os militantes serem organizados com base nos locais de trabalho; a intensificação da ação e da iniciativa do Partido junto dos trabalhadores e das populações para combater a política de direita.

Organismos e respectivos responsáveis sentem-se muitas vezes impotentes para responder a múltiplas orientações e decisões. É como se houvesse um estrangulamento que não permite ir mais além. Este não é um problema só de uma ou de outra organização, porque é um problema do Partido, e só será resolvido com a certeza de que a solução está no funcionamento e nas medidas tomadas na própria organização. Passa pela descentralização de responsabilidades, por chamar camaradas a organismos, por estimular mais camaradas a assumir tarefas concretas, desde logo os camaradas que já integram organismos, contribuindo para que cada um sinta a obrigação de responder no seu organismo pelo trabalho desenvolvido entre reuniões e que ele próprio tenha o sentimento das prioridades do Partido, contribua para as concretizar e para a constituição de mais organismos.

Reforçar o número de camaradas com tarefas concretas atribuídas, aprofunda a militância dos próprios e incentiva a militância de outros, responde à necessidade e confirma a possibilidade de criar e dinamizar organismos, alarga o conhecimento de vontades e disponibilidades de camaradas para desempenhar tarefas e para intervir nas lutas e ações de massas, aumenta o número de quadros do Partido.

A promoção de quadros deve corresponder a novas responsabilidades

O XVII Congresso do PCP colocou a necessidade de ampliar e reforçar o núcleo de quadros do Partido através da promoção e responsabilização audaciosa de novos quadros, particularmente operários, jovens e mulheres e a reunião do Comité Central de Novembro de 2005 fixou, entre outros objetivos, o da responsabilização, até ao final de 2006, de mais 500 camaradas com menos de 30 anos.

São visíveis os passos dados na promoção de quadros. A realização de centenas de Assembleias de Organização levou à eleição de organismos aos quais têm sido chamados novos camaradas. Questão que se coloca entre as nossas preocupações é atribuir tarefas a estes quadros e que eles próprios sejam organizadores do Partido. Não basta que um amplo número de camaradas participe na caracterização da organização e do meio em que se insere. É necessário que intervenha na sua estruturação e nas tarefas que daí advenham. Só assim estará em condições de envolver a organização nos objetivos decididos pela Assembleia.

Pelas características leninistas do PCP, na política de quadros e no trabalho da organização é atribuída grande atenção aos funcionários do Partido, quadros indispensáveis ao desenvolvimento das orientações, com grandes responsabilidades na afirmação da identidade do Partido e no funcionamento da organização. A sua disponibilidade revolucionária não pode ser entendida ou transformada, quer pelo próprio, quer pelo organismo, em centralização de tarefas no funcionário do Partido.  Este integra-se no trabalho coletivo e deve ter um papel destacado na motivação da organização, na iniciativa, na descentralização de  responsabilidades, na ajuda aos quadros no desenvolvimento das tarefas. Se a atividade recair quase exclusivamente sobre o funcionário, o camarada não terá as condições para desempenhar as suas responsabilidades.

A formação e a preparação dos quadros

Além de ser uma riqueza extraordinária, constitui um desafio contar com experiências de vida pessoal e do Partido diferentes, com origens sociais diferentes, com níveis culturais e escolares diferentes, com características e disponibilidades diferentes.  Responsáveis de organizações encontram por vezes dificuldades em lidar com esta situação sem deixar de responder às tarefas imediatas. Mas não temos outro caminho.  Esta é uma tarefa imediata e decisiva entre todas as outras tarefas que se colocam ao Partido.

De Janeiro de 2005 a Março de 2006 aderiram ao Partido mais de 3000 novos camaradas. A sua integração está a merecer uma enorme preocupação. É necessário que a estrutura da organização corresponda às necessidades da militância destes e de muitos outros camaradas, dando particular atenção aos camaradas que trabalham por conta de outrem, com a integração em células de empresa e de locais de trabalho já existentes ou a criar. Isto exige ganhar camaradas para a responsabilidade de acompanhamento de organismos.

Deparamos muitas vezes com hesitações, com o receio de não ser capaz de dirigir um organismo. A formação e a preparação dos quadros dá confiança para assumir e desenvolver as suas tarefas.

Recentemente foi editada a brochura Elementos de apoio à direção de reuniões e à dinamização de organismos e reeditado o livro Sobre a Célula de Empresa que têm constituído excelentes materiais de incentivo e de apoio aos novos quadros responsabilizados. É justo sublinhar que entre os novos camaradas já há exemplos de responsáveis por organismos do Partido.

A mais importante escola de formação dos quadros comunistas está no funcionamento leninista do nosso Partido, assente nos princípios do centralismo democrático, com o desenvolvimento criativo resultante da prática histórica do Partido. A nossa democracia interna assenta numa única orientação e numa única direção central. A participação no Partido é caracterizada pela discussão franca e livre dos problemas da vida, da orientação e da atividade, pela participação na elaboração da linha política, pela relação dos quadros com os organismos, pela livre iniciativa no desenvolvimento da orientação geral, pelo trabalho coletivo ligado à responsabilidade e iniciativas individuais, pela dinamização da vida partidária. Os comunistas participam nas decisões coletivas, definem e respeitam as decisões dos seus organismos. A formação do comunista tem por base os seus direitos e os seus deveres.

O acompanhamento dos responsáveis e dos organismos ao desenvolvimento das tarefas é indispensável na ajuda aos quadros. O controlo de execução não pode ser encarado exclusivamente para a observação do cumprimento das tarefas, mas sobretudo como um método de avaliação do êxito, da dificuldade, da experiência, do resultado relativamente ao objetivo. O controlo de execução quer no plano individual, quer no plano coletivo, contribui para o desenvolvimento do trabalho, para a concretização das tarefas e o estímulo aos camaradas.

Para a formação e preparação de um comunista é decisiva a prática da atividade, a ligação às massas, a luta, o trabalho coletivo e a relação entre os quadros. São frequentes ideias que limitam a formação dos quadros à frequência dos cursos, quando estes devem ser entendidos, isso sim, como um meio para a melhor preparação no desempenho das tarefas, assim como a leitura e estudo do «Avante»!, de O Militante, dos documentos do Partido e de outras iniciativas editoriais.

Os cursos de formação política e ideológica têm grande importância na formação dos quadros. Servem essencialmente para o conhecimento ou para reavivar o conhecimento de conceitos e princípios marxistas-leninistas. Servem, também, para valorizar a sua aplicação e para debater e analisar aspectos do trabalho.

A experiência confirma que os cursos estão intimamente ligados à atividade prática e esta é parte integrante da formação política e ideológica dos quadros.

Na nossa atividade regular, nas análises aos problemas do dia-a-dia temos  insuficiências na abordagem sob o ponto de vista ideológico. Grande parte dos quadros que hoje têm responsabilidades de organização, além de insuficientes conhecimentos teóricos, não tiveram a oportunidade de viver e conhecer experiências históricas que marcaram a vida do nosso Partido e contribuíram para a consciência revolucionária de gerações de comunistas.

A história do Partido, o significado e natureza da Revolução de Abril e as conquistas democráticas, assim como a valorização das transformações sociais e conquistas dos trabalhadores e dos povos na sociedade socialista, entre outras matérias, são temas dos cursos cujo aprofundamento leva a uma melhor compreensão dos quadros sobre o momento presente, as respostas e a organização necessárias.

O reforço da militância e da responsabilização não surge automaticamente. É determinado pelas atenções e esforços dos organismos, e a vontade e o entusiasmo dos camaradas por colocarem ao serviço do Partido as suas qualidades humanas e políticas.


Texto originalmente disponível neste link.

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