Texto originalmente publicado no site Democracy Now.
Tradução por Andrey Santiago
AMY GOODMAN: Este é o Democracy Now!, democracynow.org, The Quarantine Report. Eu sou Amy Goodman e estou aqui com Juan González.
Enquanto o Mês da História Negra se inicia hoje, recordamos o assassinato do líder Pantera Negra Fred Hampton em Chicago há 51 anos atrás e como novos documentos revelam mais detalhes sobre o papel do FBI no homicídio do revolucionário de 21 anos de idade.
Fred Hampton foi morto em 4 de dezembro de 1969, quando a polícia de Chicago invadiu seu apartamento e atirou para mata-lo em sua cama. O líder dos Panteras Negras Mark Clark também foi executado pela polícia naquela incursão. As autoridades inicialmente afirmaram que os Panteras abriram fogo contra a polícia que estava ali para cumprir um mandado de busca por armas. Evidências emergiram posteriormente contando uma história bem diferente: o FBI, o Escritório do Procurador de Estado do Condado de Cook e a polícia de Chicago conspiraram para assassinar Fred Hampton.
Agora centenas de páginas de documentos e relatórios do FBI, obtidos pelo historiador e escritor Aaron Leonard por meio da requisição ao Ato da Liberdade de Informação, documentam que o diretor da Divisão de Inteligência Domestica do FBI, William Sullivan, e o chefe da Seção Extremista da Divisão de Inteligência Domestica, George Moore, também tiveram papeis no planejamento da incursão e na cobertura do que se seguiu.
Para comentar mais sobre o que esses documentos têm a dizer, estamos na presença de Flint Taylor e Jeff Haas, membros fundadores do Escritório de Advocacia Popular de Chicago, os quais eram os principais advogados no importante caso dos direitos civis de Fred Hampton e Mark Clark. Seu novo escrito para o site Truthout tem a seguinte manchete “Novos documentos sugerem que J. Edgar Hoover estava envolvido na morte de Fred Hampton.”
Jeff Haas, vamos começar com você. Você escreveu um livro sobre Fred Hampton. Fale sobre o que os novos documentos mostram e o que você observa como indicio do envolvimento direto de J. Edgar Hoover.
JEEF HAAS: Obrigado, Amy.
Bom, antes de tudo, fazem 51 anos desde o incidente e cerca de 40 anos desde o julgamento. Nunca tínhamos obtido estes documentos antes. Mas o que eles mostraram que Hoover, Sullivan e Moore estava seguindo Roy Mitchell, o agente especial em comando, de modo muito próximo em relação a O’Neal [Informante do FBI que atuava próximo a Fred Hampton]. E que eles estavam elogiando e recompensando-o desde o momento em que O’Neal deu informações sobre os planos e a planta baixa do local ao agente especial Mitchell. Eles estavam comemorando o maravilhoso trabalho que Mitchell fez com esse informante. Claro, Mitchell conseguiu a planta do prédio, deu a polícia de Hanrahan, e foi isso que levou a incursão. A planta mostrava até a cama em que Hampton e Johnson estariam dormindo.
Então, sabíamos sobre isso. Sabiamos que O’Neal conseguiu um bônus. Nunca soubemos que Mitchell conseguiu um bônus. E não sabíamos que Hoover, Sullivan e Moore estavam começando a observar isso em Novembro, 10 dias antes do acontecimento. Eles estavam monitorando exatamente o que aconteceu. E isso foi aprovado nos altos escalões. Durante o julgamento, queríamos chegar até Sullivan, Moore e Hoover, porém o juiz não nos permitiu. Pensamos que até John Mitchell e Richard Nixon estavam envolvidos. Nós não tínhamos esses documentos, então não poderíamos descobrir isso. Isso também mostrar que depois da incursão, o chefe do FBI em Chicago se encontrou e deu parabéns ao informante O’Neal, agradeceu pela informação fornecida, que levou ao sucesso da incursão.
O que é interessante é, que 51 anos depois, esses documentos ainda têm suas redações. Existe uma redação especifica porque um agente do FBI foi chamado ao grande júri, e foi dito a ele, “se eles perguntarem qualquer coisa sobre branco”, que era o FBI, “saia do grande júri e informe seus superiores”.
Um ano após a incursão, o papel do FBI e do COINTELPRO não havia sido anunciado. Era tudo apenas sobre Hanrahan e a polícia. Nos levou 13 anos para descobrir que foi o COINTELPRO, um programa que tinha como objetivo despedaçar, destruir e neutralizar os Panteras, e especificamente, prevenir a ascensão de um Messias Negro, como Fred Hampton, alguém que poderia unificar e eletrizar as massas. Foi esse programa do FBI que levou a entrarem no prédio com a planta dele em mãos e atirar 90 vezes em Fred Hampton que foi executado em sua cama as 2:30 da manhã no dia 4 de dezembro.
JUAN GONZÁLEZ: Agora, Jeff, esses documentos também indicam que existia um plano para cobrir o envolvimento do FBI na incursão. Você poderia falar sobre esse aspecto do que vocês descobriram?
JEFF HAAS: Sim. No grande júri – esse era um grande júri especial de estado. Pelo fato de que a comunidade negra estava tão indignada e havia uma enorme pressão, eles chamara um grande júri especial, onde eles permitiram um agente do FBI falar sobre quem atirou com as armas, mas eles não permitiram falar sobre a planta baixa ou o papel do informante, William O’Neal, em preparar a incursão e ganhar um bônus por isso. Então, isso foi mantido baixo. De fato, se não houvesse tido uma incursão no escritório do FBI em Media, Pensilvânia, poderíamos nem ter conhecimento do COINTELPRO.
JUAN GONZÁLEZ: E em termos do porque essas redações demoraram tanto e porque ainda existem registros desses documentos – quero dizer, o assassinato do presidente Kennedy, existiram documentos que foram abertos sobre isso. E aqui temos um sobre um revolucionário radical de Chicago, e demorou tanto tempo para conseguir alguma informação sobre o que realmente aconteceu.
JEFF HAAS: Bom, sim. Eu acredito que o acobertamento continua, na verdade, muitas dessas páginas contem revisões, incluindo a informação sobre O’Neal. Então existem coisas que o FBI continua não mostrando, acreditamos que tem relação com o envolvimento dos superiores. Nos temos uma recompensa continua do agente especial, Roy Mitchell, se referindo ao sucesso da incursão, como a incursão foi critica para o papel do FBI. Então, alguns desses documentos são novos. Pelo próximo ano após a incursão, o FBI parabenizou Mitchell pelo modo que ele lidou com O’Neal e como foi importante a informação que ele conseguiu. Eles continuamente falaram de modo interno sobre como a incursão foi um sucesso, mas por externamente estavam escondendo seu envolvimento.
AMY GOODMAN: Gostaria de trazer Flint Taylor a esta conversa, co-fundador do Escritório de Advocacia Popular em Chicago. Você e Jeff foram presos por protestar contra aquilo que chamaram neste escrito de “as decisões ultrajantes do juiz e a flagrante má conduta da defesa.” Você poderia me explicar como foi esse julgamento Flint?
FLINT TAYLOR: Bom, este foi um julgamento, um julgamento que durou 18 meses, Jeff, eu e outros no nosso escritório, lutamos para estabelecer o papel do FBI. E nos tivemos um juiz muito parecido com o juiz Hoffman do julgamento da Conspiração dos 8, que muitas pessoas podem se lembrar. E ele estava louco para ser contra nós, era originalmente de Alabama. Ele era um racista. E ele não acreditava e não iria nos deixar conseguir a evidência de que o FBI estava envolvido neste caso. Mas estávamos desenvolvendo essa evidência junto do comitê selecionado pelo Senado, o Comitê Church. Então estávamos expondo as evidencias tanto na corte, quanto fora da corte, e o juiz estava mais e mais se irritando conosco.
E então, nos protestamos contra os julgamentos injustos que ele estava fazendo – ele estava nos impedindo de colocar Hoover no caso. Ele estava nos impedindo de colocar John Mitchell e os outros de Washington no caso. E ele estava nos impedindo de obter os documentos que mostravam o bônus para O’Neal, o informante. Por tudo isso, lutamos todos os dias. E quando protestamos, nós dois, em várias ocasiões, fomos detidos por desacato e enviados para a prisão federal aqui em Chicago.
Mas continuamos lutando contra isso. O juiz descartou o caso após 18 meses de julgamento, acredite ou não. Ele não deixaria o júri decidir o caso. Nós lutamos para apelar e ganhamos uma decisão notável no tribunal de apelações, defendendo-a no Supremo Tribunal dos Estados Unidos. E depois de 13 anos de litígio e luta para obter as evidências, finalmente conseguimos obter um dos maiores, senão o maior, acordo de violência policial para as famílias de Mark Clark e Fred Hampton e os Panteras sobreviventes da história na época dos tribunais federais.
JUAN GONZÁLEZ: E, Flint, para os membros mais jovens de nosso público que realmente não entendem o papel e a importância do Partido dos Panteras Negras e, por exemplo, J. Edgar Hoover rotulando-os de a maior ameaça doméstica ao governo dos EUA, Hoover estava ciente, àquela altura, embora o público descobrisse mais tarde, que havia uma votação feita, uma votação secreta feita, que mostrava que mais de 25% de todos os afro-americanos da época apoiavam o Partido dos Panteras Negras. Você poderia falar sobre o significado deste partido?
FLINT TAYLOR: O partido foi muito significativo. E sua liderança também. E Fred Hampton não era apenas um líder promissor, mas um líder muito carismático e dinâmico. Os Panteras tinham um Programa de Dez Pontos. Esse programa era coberto com todos os tipos de programas revolucionários e socialistas – um programa de café da manhã gratuito, por exemplo, uma clínica médica gratuita, por exemplo, um jornal que era impresso toda semana e falava sobre as atrocidades da polícia e do governo.
Era basicamente uma organização anti-imperialista, lutou contra a Guerra do Vietnã, disse que as pessoas não deveriam ir para o Vietnã, se opôs ao encarceramento em massa antes que realmente houvesse esse termo, e também foi muito forte em estabelecer e lutar por coalizões entre Negros, Hispânicos ou – como os Young Lords – claro, você sabe disso, Juan – e outras organizações, organizações revolucionárias e radicais. E esta é outra razão pela qual Hoover temia tanto os Panteras, porque eles estavam reunindo todos os tipos de grupos radicais e revolucionários diferentes, grupos contra a Guerra do Vietnã. E isso era muito ameaçador para o governo na época, e eles almejaram, dentro do programa COINTELPRO, que tinha como objetivo destruir o Partido dos Panteras Negras, em Fred Hampton e os Panteras Negras, porque eles tinham tanto sucesso aqui em Chicago.
AMY GOODMAN: Queremos agradecer a você, Flint Taylor e Jeff Haas, membros co-fundadores do Escritório de Advocacia Popular em Chicago, advogados líderes no caso de direitos civis de Fred Hampton e Mark Clark. Seu novo artigo, para o qual faremos um link, em Truthout, é intitulado “Novos documentos sugerem que J. Edgar Hoover estava envolvido no assassinato de Fred Hampton.”
Em seguida, continuamos nossa análise do assassinato do líder dos Panteras Negras Fred Hampton em Chicago, 51 anos atrás, conforme contado em um novo filme notável que estreou no Festival de Cinema de Sundance hoje. É chamado de Judas e o Messias Negro. Vamos falar com seu diretor, Shaka King. Fique conosco.