Resumo
Originalmente publicado em 1984, o livro “Movimento Estudantil em Santa Catarina” de Serenito A. Moretti se trata de um resgate histórico da formação e estruturação do movimento estudantil catarinense entre o início da década de 30 até o fim da década de 70, perpassando a fundação do Centro Acadêmico de Direito XI de Fevereiro (um dos mais antigos do estado), a formação do Diretório Central dos Estudantes da UFSC, a construção da União Catarinense dos Estudantes, envolto das várias campanhas e disputas que formaram a história do movimento estudantil catarinense.
Apresentação por Carlos Alberto Marques – então presidente da União Catarinense dos Estudantes
Na simplicidade e seriedade deste documento, busca-se resgatar parte da história do povo de Santa Catarina.
Reunidos nesta pequena obra, mas de grande valor histórico, encontram-se vários momentos da vida do movimento estudantil de Santa Catarina. Momentos estes que sempre estiveram profundamente identificados com os anseios populares de nosso Estado e este fato o levou a ser perseguido e impedido de livre expressão e manifestação.
O trabalho incansável de recolher, organizar, redigir e imprimir este documentário, se reveste de importância sem igual neste momento, na medida em que assume o compromisso de revelar parte escondida de nossa história, por meio do Movimento Estudantil e particularmente através da União Catarinense dos Estudantes – UCE.
Por isso, recomendar a leitura desse opúsculo muitíssimo me apraz, pois existe de minha parte a certeza de que o que aqui está escrito, desnuda a memória adormecida da juventude de Santa Catarina, que, a cada dia que passas rompe os guilhões para dar continuidade à sua missão histórica de contribuir para a superação do grau de pobreza, dor e exploração de nosso povo.

Introdução por Serenito A. Moretti
A atuação dos estudantes na História do Brasil tem sido vista como um fenômeno secundário. Daí a ausência de pesquisas e estudos a respeito, salvo raras exceções.
Argumenta-se, muitas vezes, que a atuação estudantil é consequência do “conflito de gerações” ou do “idealismo e a sede de justiça da juventude” e que, por isso mesmo, não merece maior atenção, já que marcada pela transitoriedade da idade cronológica do jovem. Além do mais o “conflito de gerações” e o “idealismo e sede de justiça” tende a desaparecer à medida que o jovem estudante passa a ocupação de uma atividade profissional e com a constituição de uma família, assumindo compromissos inalienáveis à sua existência.
Porém, a história do Movimento Estudantil brasileiro se não prova o contrário, ao menos evidencia que os estudantes sempre estiveram presentes na História do Brasil.
Registra-se em 1710, sua primeira manifestação, quando repeliram a invasão de mil soldados franceses no Rio de Janeiro que, devido à bravura dos estudantes, capitularam. Ainda naquele século os estudantes estiveram presentes na Inconfidência Mineira. Já no Brasil Império, com a fundação das primeiras faculdades, apareceram as Sociedades Acadêmicas que desempenharam importante papel nas campanhas da Abolição da Escravatura e Proclamação da República. As Sociedades Acadêmicas representaram o primeiro passos da atuação coletiva e, portanto, organizada dos estudantes. A partir de então, a atuação estudantil empreendera crescente participação no destino do País. E foi nas entranhas do Estado Novo que os estudantes conseguiram consolidar seu movimento, com a fundação da UNE, em 1937. Com a criação da UNE, as lutas estudantis foram centralizadas e, progressivamente, adquiriram caráter organizado e de emancipação nacional que resultou na “desmistificação do significado da independência política formal conquistada pelo Brasil em 1822”.
Assim, o movimento estudantil foi se moldando através dos tempos, e não raras vezes se converteu, em muitos momentos da vida nacional, em verdadeiro “ponta de lança” dessa sociedade oprimida e reprimida, atuando no sentido de desencadear movimentos de caráter mais amplo e que desembocaram em sérias transformações políticas do País. É o que aconteceu, exemplo, na campanha pela entrada do Brasil na luta contra o nazi-fascismo, no início da década de 40; na campanha pelo estabelecimento do monopólio estatal do petróleo e a criação do Petrobrás; nos protestos contra a ditadura, nos anos de 1966 a 1968; em todos, foi decisiva a participação dos estudantes, ou seja, eles, enquanto componentes de um movimento, assumiram o papel de fenômeno político de primeiro plano.
O movimento estudantil, contudo, como qualquer outro movimento social, está sujeito aos fatores conjunturais do desenvolvimento histórico. Daí os momentos de fluxo e refluxo.
Há, porém, que ressaltar que o movimento estudantil brasileiro advém da reação garantida dos estudantes às estruturas que mantém um sistema de opressão e garantem o domínio de uma minoria privilegiada às custas da grande maioria da população. Esta reação, que inicialmente, é de caráter reivindicatório, origina-se da contradição da função do próprio sistema educacional; instrumento ideológico da classe dominante, para garantir sua hegemonia no poder e, assim, perpetuar seu sistema de dominação e exploração.
Destarte, resgatar a história do movimento estudantil em Santa Catarina é recuperar a memória inquietante de jovens que, com sua práxis, acreditaram estar construindo uma sociedade melhor, mais livre, independente e que desse garantias à vida do povo no seu grau de humanidade. Daí ser este trabalho imprescindível às novas gerações de universitários barrigas-verdade que buscam, na atuação conjunta e organizada de sua categoria e aliada à luta das classes populares, a transformação das estruturas sociais arcáicas e opressoras da sociedade contemporânea e que, ao mesmo tempo, assumem o compromisso de construir novos idas onde a Justiça e a Liberdade sejam precedentes à imposição de normas de comportamentos e leis que mantém a ordem vigente.
O resultado deste trabalho é parte de uma pesquisas realizada pelo autor, que serviu-lhe para concluir seu curso de licenciatura em Estudos Sociais, na Fundação Educacional de Brusque. Foram dois anos de pesquisa, seja na reunião de documentos espalhados por todos os lados, e, para compreender melhor os fatos e textos escritos, foi realizado um certo número de entrevistas com ex-militantes do movimento estudantil, seja no estudo e seleção do material colhido, como também na redação final do texto. Há, porém, limites que, devido à incineração de todos os arquivos das entidades estudantis pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), em 1982, tornou-se impossível superar. Por outro lado, houve o cuidado para que somente fossem transcritos os fatos que não deixassem quaisquer margem de dúvida quanto à sua veracidade histórica.
A publicação deste opúsculo se deu às necessidades urgentes do movimento estudantil no Estado de Santa Catarina, que neste ano completa seu 35º ano de consolidação, e sob os insistentes pedidos de líderes da União Catarinense de Estudantes.
Entretanto, é projeto do autor, a curto prazo, publicar a obra completa, com documentário, depoimentos e um capítulo sobre a rearticulação do movimento estudantil catarinense, no final dos anos 70.
Florianópolis, setembro de 1984.