Um tributo a Che Guevara
08 de outubro de 1987
Traduzido do inglês por Pedro Magalhães
Uma semana antes do desmonte do governo revolucionário e do assassinato de Sankara, ele deu este discurso em Uagadugu, na inauguração de uma exibição em homenagem à vida do líder revolucionário cubano Ernesto Che Guevara, morto exatamente vinte anos atrás. Uma delegação cubana, que incluía o filho de Guevara, Camilo Guevara March, esteve presente. Passagens inaudíveis da gravação do discurso foram indicadas por elipses.
Estamos aqui, nesta manhã, humildemente, para abrir esta exibição que busca traçar a vida e o trabalho de Che. Ao mesmo tempo, queremos dizer para o mundo hoje que, para nós, Che Guevara não está morto. Porque, ao redor do mundo, há centros de luta onde o povo se esforça por mais liberdade, mais dignidade, mais justiça e mais felicidade. Ao redor do mundo, o povo luta contra opressão e dominação; contra o colonialismo, neocolonialismo e imperialismo; e contra a exploração de classe.
Caros amigos, unimos nossas vozes com todos aqueles no mundo que se recordam que, um dia, um homem chamado Che Guevara … seu coração preenchido com fé, assumiu a luta juntamente a outras pessoas e, fazendo isso, conseguiu criar uma fagulha que, poderosamente, perturbou as forças de ocupação no mundo.
Nós simplesmente queremos dizer que chegou uma nova era em Burkina Faso, uma nova realidade marcha na direção do nosso país. É assim que o chamamento à ação de Che Guevara precisa ser entendido – Che, quem queria acender lutas candentes ao redor do mundo.
Che Guevara tombou por balas, balas imperialistas, sob céus bolivianos. E dizemos que, para nós, Che Guevara não está morto.
Uma das lindas frases comumente relembrada pelos revolucionários, pelos grandes revolucionários cubanos, é uma que o amigo de Che, seu companheiro da luta, seu camarada, seu irmão, o próprio Fidel Castro repetia. Ele ouvira da boca de um homem do povo em um dia durante a luta – um dos oficiais de Batista quem, apesar de ser parte do exército reacionário, repressivo, conseguiu fazer contatos com as forças lutadoras pelo bem estar do povo cubano. Logo após o assalto ao Quartel Moncada ter falhado, quando os seus envolvidos estavam para serem assassinados pelas armas do exército de Batista – iam atirar neles –, o oficial simplesmente disse: “Não atire. Você não pode matar ideias.”[1]
É verdade: você não pode matar ideias. Ideias não morrem. É por isso que Che Guevara, uma reificação das ideias revolucionárias e abnegação, não está morto. Vocês vieram aqui hoje [de Cuba] e nós nos inspiramos em vocês.
Che Guevara, um argentino, segundo seu passaporte, tornou-se um cubano adotado por meio do sangue e suor que derrubou pelo povo cubano. Ele se tornou, acima de tudo, um cidadão do mundo liberto – o mundo liberto que estamos construindo juntos. É por isso que dizemos que Che Guevara é, também, africano e burquinabê.
Che Guevara chamava sua boina la boina. Ele tornou essa boina e sua estrela conhecida em todo lugar em África. Do norte ao sul, a África lembra de Che Guevara.
A juventude corajosa – juventude sedenta por dignidade, sedenta por coragem, sedenta também por ideias e pela vitalidade que ele simboliza em África – buscava Che Guevara no intuito de beber da fonte, a revigorante fonte representada no mundo por esse capitão revolucionário. Alguns dos poucos que tiveram a oportunidade e honra de estar na presença de Che – que ainda estão vivos – estão aqui entre nós hoje.
Che é burquinabê. Ele é burquinabê porque faz parte da nossa luta. Ele é burquinabê porque suas ideias nos inspiram e estão inscritas em nosso Discurso de Orientação Política. Ele é burquinabê porque sua estrela está estampada na nossa bandeira. Ele é burquinabê porque algumas de suas ideias vive em cada um de nós, na luta de diária que travamos.
Che é um homem, mas um homem que sabia como nos mostrar e nos ensinar que podemos ousar ter confiança em nós mesmos e em nossas habilidades. Che está entre nós.
Eu pergunto, que é Che? Che, para nós, é, acima de tudo, convicção, revolucionária convicção, fé revolucionária no que você está fazendo, a convicção que a vitória nos pertence e que a nossa luta é o nosso único recurso.
Che é, também, um senso de humanidade. Humanidade – essa expressão de generosidade e abnegação que fez Che não apenas um argentino, cubano, e um combatente internacionalista, mas também um homem, com toda palidez de um homem.
Che é, também e acima de tudo, implacável. O caráter implacável de quem teve a boa aventurança de nascer em uma família com boas condições… ainda assim, ele era capaz de dizer não a todas as tentações, a rechaçar o caminho fácil para, ao contrário, afirmar-se como homem do povo, um homem que é empático com o sofrimento dos outros. O caráter implacável de Che é o que deve nos inspirar ao máximo.
Convicção, humanidade, um caráter implacável – tudo isso o faz Che. Aqueles capazes de reunir estas virtudes dentro de si, aqueles capazes de reunir estas qualidades dentro de si – essa convicção, essa humanidade e esse caráter implacável –, poderão dizer que são como Che – pessoas entre pessoas, mas, acima de tudo, revolucionários entre revolucionários.
Acabamos de observar essas imagens que traçam parte da vida de Che da melhor forma que podem. Apesar da expressão enérgica, essas imagens mantêm-se silentes na parte mais crucial do homem, a parte na qual o imperialismo mirou. Miraram muito mais no espírito de Che do que em sua imagem. Encontramo-la em todo lugar do mundo. Sua foto está na mente de todos e sua silhueta é uma das mais conhecidas. Então, vejamos se somos capazes de conhecer melhor a Che.
Vamos nos aproximar de Che. Vamos nos aproximar dele não como faríamos com um deus, nem com uma ideia – uma imagem acima das pessoas – mas sim com um sentimento de que estamos caminhando na direção de um irmão que fala com a gente e com quem a gente também pode falar. Precisamos ver se os revolucionários que buscam inspiração do espírito de Che também se tornaram internacionalistas, se eles também, junto a outras pessoas, aprenderam como construir fé – fé na luta pela mudança, na luta contra o imperialismo e contra o capitalismo.
Quanto a você, Camarada Camilo Guevara, nós, certamente, não podemos falar de você como um filho órfão. Che pertencia a todos nós. Ele pertencia a nós como uma herança pertencente a todos os revolucionários.
Assim, você não pode se sentir sozinho e abandonado, achando em cada um de nós – esperamos – irmãos, irmãs, amigos e camaradas. Junto anos, hoje, você é um cidadão de Burkina porque você seguiu resolutamente nos passos de Che – o Che que pertence a todos nós, um pai para todos nós.
Ao fim, lembremos Che simplesmente como uma reificação de um romantismo eterno, da fresca e revigorante juventude e, ao mesmo tempo, do discernimento, sabedoria e devoção que somente pessoas profundas, pessoas com coração podem possuir. Che foi a juventude de dezessete anos de idade. Porém, Che também foi a sabedoria de uma pessoa de setenta e sete anos. Essa combinação sagaz é algo que todos nós devemos alcançar a todo tempo. Che foi tanto o coração que falava e a mão audaciosa e vigorosa que agia.
Camaradas, gostaria de agradecer aos nossos amigos cubanos pelos esforços que fizeram para estar conosco. Gostaria de agradecer a todos que viajaram milhares de quilômetros e cruzaram oceanos para chegar até aqui em Burkina Faso para recordar Che.
Eu também gostaria de agradecer a todos cujas contribuições pessoais assegurarão que este dia não será uma mera data no calendário, mas que, sobretudo, tornarão dias, muitos dias no ano, muitos dias através dos anos e séculos, mantendo vivo o espírito de Che eternamente.
Camaradas, gostaria de, por fim, expressar a minha alegria por termos conseguido imortalizar as ideias de Che aqui em Uagadugu ao dar a esta rua o nome de Che Guevara.
Toda vez que pensarmos em Che, tentemos ser mais como ele e fazer com que este homem, este combatente viva uma vez mais. E, especialmente, toda vez que pensemos em agir no seu espírito de abnegação, ao rejeitar bens materiais que buscam nos alienar, ao rechaçar o caminho fácil, voltando-nos para a educação e a disciplina rigorosa da moralidade revolucionária – toda vez que tentemos agir assim, melhor serviremos às ideias de Che, mais eficientemente as espalharemos.
Pátria ou morte, venceremos!
[1] Em 26 de julho de 1953, cerca de 160 combatentes liderados por Fidel Castro atacaram o Quartel Moncada em Santiago de Cuba e o quartel na cidade de Bayamo, com o objetivo de iniciar um levante popular contra a ditadora de Fulgencio Batista apoiada pelos EUA. Depois do ataque, as forças de Batista massacraram mais de cinquenta dos revolucionários capturados. Apesar do seu insucesso, o ataque Moncada marcou o estopim da luta revolucionária que culminou menos de seis anos depois a derrocada da ditadura em Janeiro de 1959.