Ho Chi Minh – Aos camaradas do Bac Bo

Texto retirado do livro “Ho Chi Minh: Política” organizado por Marta Elena Alvarez, lançado pela editora Ática em 1984.

Originalmente publicado em 1 de março de 1947.

Transcrição por Andrey Santiago.


Camaradas do Bac Bo,

Lamento que as circunstâncias me impeçam de tomar parte em sua reunião para proceder à crítica e à autocrítica e discutir nosso trabalho.

Gostaria de fazer-lhes algumas recomendações, na esperança de que vocês as levem em conta.

1. Quando a nação se acha numa encruzilhada de caminhos, quando estão em jogo nossa vida e nosso futuro, cabe a cada camarada e a toda nossa organização [1] trabalhar de corpo e alma para engajar o povo inteiro num só caminho e orientá-lo para o mesmo objetivo: expulsar os colonialistas franceses, realizar a unidade e a independência nacional.

Para fazê-lo, devemos mostrar-nos clarividentes, hábeis, prudentes, enérgicos, perseverantes e unânimes no pensamento e na ação.

2. A longa guerra de resistência é a revolução nacional no seu ponto culminante. Neste momento, os pensamentos e as ações de cada camarada tem sérias repercussões sobre os interesses gerais do país. Uma negligência individual, uma desatenção, podem trazer um grave fracasso: “Um erro do tamanho de uma polegada pode provocar um desvio de uma légua”.

Devemos então, com a máxima energia, desembaraçar-nos dos seguintes defeitos:

a) Espírito bairrista.

Alguns se preocupam só com os interesses de sua localidade, sem levar em conta o conjunto do país. Pensam só em defender seu setor. Esse defeito gera consequências mínimas à primeira vista, mas na realidade prejudiciais a nível do conjunto.

Assim, procuram conservar em seus distrito todos os quadros e todos os materiais, sem consentir nas mudanças e nos intercâmbios necessários reclamados pela instância superior.

b) Sectarismo.

Alguns escutam de bom grado os amiguinhos, mesmo quando estão equivocados, emprega-nos mesmo se forem incapazes. Por outro lado, qualquer um que não tenha a sorte de agradar-lhes é rebaixado sistematicamente, qualquer que seja seu valor. Suas observações, por mais justas que sejam, jamais são levadas em conta.

Este é um grave defeito. Isto faz nossa organização perder quadros, enfraquece sua unidade de pontos de vista e de ação. Frequentemente, é a causa do fracasso. Esta é uma doença muito perigosa.

c) Caudilhismo e burocratismo.

Alguns, nomeados responsáveis de uma região, se comportam como reizinhos, dando livre curso à sua arrogância e ao seu orgulho. Fazem pouco caso dos superiores e abusam de seus poderes para maltratar os escalões inferiores. Por suas maneiras de mandarins, fazem-se temer pelas massas. Esta mentalidade de “grande senhor” suscita antipatias e semeia a divisão, cavando um fosso entre os diversos escalões, entre nossa organização e o povo.

d) Estreiteza de espírito.

Devemos lembrar que todo homem tem qualidades e defeitos. Devemos fazer com que as qualidades sejam proveitosas e, ao mesmo tempo, ajudar as pessoas a corrigir seus defeitos. Devemos ser como o operário que trabalha a madeira. Para o artesão hábil, toda peça de madeira tem utilidade, seja grande ou pequena, reta ou curva.

A estreiteza de espírito prejudica a ação. Atrai mais inimigos que amigos. Priva um homem de seus pontos de apoio. Entrava o desenvolvimento de nossa organização.

e) Mania de formas e do decoro.

Em tudo, em vez de pensar aos imperativos do momento e nos resultados positivos, alguns só se preocupam com as aparências, só procuram o decoro por glória. Por que fazer treinamento militar? Antes de mais nada, para aprender a fazer uso de um fuzil, de uma arma branca, de uma granada, para habituar-se a utilizar o terreno, a fazer aproximações noturnas, a colher informações sobre o inimigo, em resumo, para exercitar-se a fazer a guerrilha, é o que penso. Isto não impede que em muitas localidades todo o tempo sejam empregado em exercícios de marcha recitando “um, dois! um, dois!”. Isto equivale a aprender a música ritual dos pagodes para apagar incêndios!

Em muitas outras localidades, como propaganda e agitação, limitaram-se a decorar a casa com informações e palavras de ordem em linda caligrafia, a exibir bandeiras e cartazes, a levantar um palanque solene. Mas não se dão ao trabalho de misturar-se cada dia às massas, para fazê-las compreender a fundo as diretrizes de nossa organização.

f) Burocracia.

Alguns mergulham com prazer na papelada. Sentados num escritório, contentam-se em dar ordens de longe, sem se dar ao trabalho de ir ao local, para controlar e indicar concretamente como aplicar as diretrizes. De fato, ignoram até mesmo se as diretrizes foram postas em prática ou não. Este estilo de trabalho é desastroso; impede de seguir de perto o movimento, de conhecer bem a situação local; eis por que a maioria de nossas diretrizes não tem sido aplicadas a fundo.

g) Indisciplina e relaxamento.

Nas regiões atingidas pela guerra, certos camaradas abandonaram deliberadamente suas localidades para ir trabalhar em outro lugar, sem a menor decisão dos escalões superiores da organização. Abandonar assim as tarefas que desencorajam, para se limitar a fazer os trabalhos mais fáceis e agradáveis, não é só deixar de ter moral, é também desprezar a disciplina e semear a desordem em nossas fileiras.

Em muitos casos, os camaradas faltosos não receberam as sanções merecidas; alguns, rebaixados de posto aqui, retomaram o trabalho em outro lugar, no mesmo escalão do passado; outros, rebaixados apenas formalmente, conservaram de fato suas antigas funções.

Por favoritismo, camaradas que mereciam sanções foram somente objeto de críticas e advertências puramente formais. Em certos casos, houve até cumplicidade para apagaram-se mutuamente as falhas, dissimular os erros, enganar as instâncias superiores e esconder a verdade à organização.

Tais práticas não só tornam os culpados incapazes de corrigirem-se, mas também inspiraram-lhes desprezo pela disciplina. Mais grave ainda é que tal relaxamento da disciplina na organização pode dar aos elementos reacionários a oportunidade de introduzirem-se em nossas fileiras para solapá-la.

h) Egoísmo e corrupção.

Existem camaradas que, por arrivismo, disputam postos de membro ou presidente de um ou outro comitê; outros há que só pensam nos prazeres da boa mesa e na elegância do vestuário, que procuram apropriar-se de bens públicos e aproveitar-se de suas funções para praticar comércio fraudulento e lucrativo, que se ocupam mais dos negócios particulares que dos negócios do Estado. As virtudes revolucionárias e a opinião pública são a última de suas preocupações.

Outros se mostram orgulhosos, maravilhados de si mesmos. Jantando-se de suas antigas condenações políticas, de sua participação na Liga Viet Minh, acham-se superiores a todos, inigualáveis. Certamente, as cadeias e os campos de concentração imperialistas foram escolas para os quadros, e a Liga Viet Minh é um agrupamento de patriotas devotados que trabalham para salvar o país. Mas é inegável que, fora de suas fileiras, existem também muitos homens de valor que ainda não conseguiu integrar. Mesmo supondo que os antigos condenados políticos e os membros da liga sejam pessoas excepcionais, poder-se-ia realmente dizer que todos os que não tiveram a honra de conhecer as cadeias e os campos imperialistas ou que não entraram na Liga não valem anda?

Cada camarada deve mostrar-se modesto. Quanto mais alguém é veterano na luta revolucionária, quanto mais capaz é, menos dever auto valorizar-se. É preciso almejar fazer ainda melhor e trazer sempre no espírito estas palavras de nosso mestre: “Aprender, aprender ainda, aprender sempre”. Mostrar-se fátuo e suficiente é fechar-se em si mesmo, entravar o próprio progresso.

Existem camaradas que aplicam o velho provérbio: “Um parente mandarim e toda a família aproveita”. Dão postos aos parentes e aos íntimos, sem se preocuparem se são capazes. Pouco lhes importa que disso resultem consequências deploráveis para nossa organização, contanto que seus parentes e amigos tenham boa colocação.

Sei que, no conjunto, nossos camaradas são pacientes, trabalhadores, engenhosos, cheios de iniciativa. São qualidades preciosas, que constituem boa base para adquirir outras. Mas nesta época de provações, sozinhas não bastam. Para estarmos seguros da vitória final, é preciso que nossos camaradas se apoiem sobre esta base para superar decididamente os defeitos de que já falei.

3. Camaradas vocês devem fazer o impossível para realizar os seguintes pontos:

a) Militarizar nossa organização, chegar a uma unidade de opinião e de ação absoluta. Somos o exército de vanguarda. Se, na hora do assalto, as opiniões diferirem, se um toca o ataque no clarim, enquanto o outro bate a retirada no tambor, será inútil falar de vitória. A unidade de opinião e de ação deve ser realizada não só no seio de nossa organização, mas também entre o exército, o povo e os serviços públicos.

b) Escolher convenientemente os quadros para os órgãos de direção, delimitar claramente as atribuições, organizar uma ligação e uma colaboração estreita entre os serviços, evitar absolutamente tanto os abusos de poder e a pretensão de tudo acumular, quanto o desacordo, o trabalho malfeito e a fuga diante das responsabilidades.

Atualmente, a questão dos serviços de direção é uma questão primordial. Os quadros nomeados devem ser cuidadosamente escolhidos. Mas, uma vez no posto, dever-se obedecer-lhes rigorosamente, o escalão inferior submetendo-se às ordens de cima. Somente sob esta condição as coisas irão funcionar.

c) Assegurar as comunicações e as ligações entre as diferente províncias e interzonais, entre o Norte, o Centro e o Sul do Vietnã.

As comunicações são as artérias que decidem tudo. Se são cortadas, tudo se torna difícil. Se são restabelecidas, tudo corre sem tropeços.

Camaradas, espero que vocês saibam, com todo o ardo revolucionário, superar seus defeitos, fazer desabrochar suas qualidades, unir os esforços, realizar a coesão em nossa organização, ampliar nossas fileiras, reorganizar o trabalho, para levar o povo a participar valentemente da resistência até o dia glorioso da vitória.

Envio a vocês minha saudação fraterna. Venceremos.

Notas de Rodapé

Apesar de dissolvido, o Partido Comunista Indochinês prosseguia em suas atividades. Daí o termo organização, empregado aqui.

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