No seguinte discurso proferido em Berlim, Alemanha Oriental, em 11 de abril de 1983, nas comemorações do centenário da morte de Karl Marx, Samora Machel, discute a relevância da luta marxista para o Terceiro Mundo e, especialmente, para sua nação, Moçambique.
Originalmente publicado no site Blackpast.
Tradução por Andrey Santiago.
Caros camaradas, com profundo sentimento saudamos esta magna Assembleia onde representantes das forças do progresso e do socialismo, de todos os continentes e povos, de todas as raças e nações, celebram juntos o centenário da morte de um dos filhos mais queridos da humanidade, Karl Marx.
Os homens e mulheres que acompanharam Marx em seu enterro em um cemitério de Londres eram poucos. Hoje, a vida de milhares de milhões de homens e mulheres foi profundamente afetada e mudada pelas ideias duradouras de Marx. Em quatro continentes, os trabalhadores, assumindo o controle de seu destino, estão construindo um futuro feliz, construindo o socialismo, o comunismo.
Contra o marxismo, contra o leninismo, que é o marxismo da nossa época, o imperialismo mobiliza recursos humanos e materiais incalculáveis. As armas mais sofisticadas, a ameaça de desastre termonuclear, bacteriológico e químico, as profundezas do oceano e o espaço cósmico são implantadas na tentativa de neutralizar e destruir o marxismo-leninismo.
O espectro que assombrava a burguesia na Europa há cem anos ainda os assombra, mas agora é perceptível em todo o mundo.
Para os povos e classes oprimidas, para os povos e trabalhadores que assumiram o controle de seu destino, o marxismo é um caminho brilhante, um sol de esperança e certeza que nunca se põe, um sol que está sempre em seu apogeu.
O marxismo, ciência da revolução, é fruto da prática, da luta da humanidade por um futuro melhor e, portanto, se renova e se desenvolve por meio da prática humana. A experiência de luta revolucionária do povo moçambicano ilustra este princípio.
Caros camaradas, nossa história valida a tese de que a força motriz da história é a luta de classes. A luta de classes foi e é uma realidade no continente africano.
Nossa sociedade pré-colonial estava familiarizada com as complexas formações de estado, como Monomatapa e Gaza. Eram sistemas políticos e sociais de tipo feudal, em diferentes estágios de desenvolvimento. Em alguns, sobreviveram elementos de sistemas escravos anteriores. Em outras, já existiam camadas mercantis emergentes que, em outra fase da história, viriam a conformar uma nova evolução na sociedade. Em todos eles havia uma distinção entre exploradores e explorados.
A repressão colonial dessas formações estatais e a integração da sociedade ao sistema capitalista e imperialista, que surgia na época, trouxeram novas mudanças históricas.
Os antagonistas dentro da sociedade facilitaram a ocupação colonial. Representantes das camadas exploradoras traíram a causa nacional e fizeram aliança com o estrangeiro para continuar a dominação e exploração de seu próprio povo. Uma vez que o país foi conquistado, os traidores da nação também foram submetidos ao domínio, já que eles por sua vez foram traídos por seu antigo aliado.
A conquista colonial, com a introdução de um sistema de grandes plantações e latifúndios, a exploração de minerais e a construção de ferrovias e estradas, deu início ao processo de proletarização do campo.
A luta de libertação do nosso país surgiu como consequência da contradição entre colonizados e colonizadores, entre explorados e exploradores. Os padrões reformistas de pressão nacionalista foram impedidos pela própria natureza do fascismo colonial.
Era legalmente impossível estabelecer organizações sociais moçambicanas e muito menos um partido nacionalista ou um sindicato. Não havia esperança terrena de diálogo com a potência colonial que levasse à autodeterminação, muito menos à independência.
A alternativa histórica para o nosso povo foi o recurso à violência revolucionária para acabar com a violência fascista. A tese marxista de fazer guerra na guerra para alcançar a paz revela sua correção mais uma vez.
Na fundação da Frente de Libertação de Moçambique eram essencialmente os trabalhadores das plantações, camponeses pobres sujeitos a trabalhos forçados, que forneciam a base social para a organização.
No processo de luta armada de libertação, foram criadas áreas libertadas. Tivemos que determinar na prática que poder estabelecer nas áreas. Com a produção de bens materiais, as questões básicas se apresentaram de forma aguda. Tratava-se de compreender a quem servia a luta, uma vez que antigos feudais e novos exploradores, aspirantes ao estatuto de burguesia, queriam estabelecer o seu poder sobre o povo.
Os conflitos vividos na Frente de Libertação no período 1967-1970 foram, acima de tudo, conflitos de classe.
A partir da correta solução do conflito um avanço qualitativo foi feito pela revolução moçambicana. Mais uma vez, a luta de classes se revelou a causa dos avanços da história.
A criação de áreas libertadas viabilizou e atualizou as questões da propriedade e do poder, e trouxe como ingrediente da reivindicação de independência a questão do regime social a ser instaurado.
É assim que no processo da luta de classes, dentro da Frente e nas áreas libertadas, se lançou a semente do partido marxista-leninista, da revolução socialista, do estado democrático popular.
Houve uma aceleração do processo revolucionário. Uma aceleração do movimento em direção ao socialismo, embora a classe trabalhadora fosse fraca em tamanho e na consciência de seu interesse de classe.
A situação de guerra funcionou como um poderoso catalisador que, graças ao trabalho político, incentivou a compreensão dos reais objetivos do conflito. A consciência dos grandes sacrifícios exigidos despertou na sociedade a necessidade de mudanças radicais em suas relações internas.
A experiência acumulada da humanidade na luta contra a exploração, sintetizada no marxismo, permitiu ao movimento revolucionário moçambicano beneficiar e absorver essa experiência. Nesse processo, o marxismo foi enriquecido.
Nas condições de Moçambique, a prática revolucionária levou-nos a dar lugar de destaque à revolução socialista e levou-nos a lançar o processo de construção do socialismo num contexto de analfabetismo generalizado, uma classe trabalhadora estreita e na ausência de um partido marxista-leninista estabelecido. A luta dos trabalhadores moçambicanos, sob a liderança do núcleo de vanguarda gerado pela Frente de Libertação, permitiu-nos encontrar respostas corretas a estes problemas.
Nesse sentido, embora a experiência revolucionária de cada povo seja específica, ela não foge ao pensamento marxista.
Caros camaradas, esta descrição sintética das principais vertentes da nossa experiência conduziu a algumas conclusões essenciais. Uma primeira conclusão indica a universalidade da luta de classes, da contradição como força motriz da história. Um segundo mostra o papel principal e decisivo da ideologia da classe trabalhadora na solução correta dos conflitos que prevalecem na sociedade atual.
Mesmo nos países com uma base industrial fraca, como a nossa, a regra ainda é que a revolução socialista é possível.
Triunfou em Moçambique com a vitória da guerra popular de libertação. Triunfou no sentido que Lênin mostrou, como correlação de forças, como determinação de construir o socialismo, já que com o apoio do povo foram colocados no controle os interesses e as concepções do proletariado.
O pensamento de Marx demonstra que é de vital importância resolver a questão de onde reside o poder, quem exerce o poder.
A ditadura do proletariado está tão viva hoje como no tempo da Comuna. A ação do Estado depende dela no longo e complexo processo de transformação das relações sociais, no estabelecimento de uma base material e científica, na formação do homem. Tal ação estatal e a ampla gestão da sociedade requerem a organização da vanguarda dos trabalhadores em um partido equipado com a ideologia científica do proletariado. Assim, no Terceiro Congresso de 1977, nosso Partido Marxista-Leninista nasceu de seu embrião na Frente.
Caros camaradas, o internacionalismo, a unidade dos explorados da terra, é uma das constantes básicas do pensamento de Marx. Em nosso tempo, diante da crescente agressividade do imperialismo, ela se manifesta na necessidade de uma união cada vez mais estreita entre os componentes do movimento revolucionário contemporâneo. O internacionalismo em nossa época adquire uma dimensão extra, com a necessidade de lutar pela paz e contra a catástrofe nuclear.
Assistimos hoje a uma corrida armamentista descontrolada, vemos os esforços insistentes do imperialismo para implantar suas armas de destruição em massa em várias partes do mundo. Assistimos hoje ao crescente apoio que o imperialismo dá às forças mais retrógradas da humanidade, aos regimes fascistas e nazistas que oprimem, exploram e massacram as classes trabalhadoras.
Essas ações do imperialismo estão encontrando uma resistência crescente de povos amantes da paz e do progresso, à luz da determinação inquebrantável dos trabalhadores do mundo em frustrar tais ações.
Na luta pela paz, são as forças marxistas que devem liderar a luta da humanidade pela sobrevivência. A frente mais ampla foi construída em torno dessa luta.
Figuras importantes na ciência, arte, religião, instituições de todo tipo, jovens, mulheres e entidades religiosas, todas as pessoas honestas com respeito pela humanidade, unem-se às forças políticas que exigem a paz.
A este respeito, saudamos as iniciativas do Comitê Consultivo do Pacto de Varsóvia, ao exprimir o desejo de paz dos povos e a oferecer respostas realistas e justas ao problema de evitar a propagação da guerra ou de uma catástrofe nuclear.
A luta pela paz deve prevenir as causas da guerra.
A exploração imperialista e uma ordem econômica internacional injusta são causa de guerra.
A política imperialista de desestabilização e agressão contra os Estados que se recusam a submeter-se ao imperialismo e que embarcam no caminho da mudança revolucionária é uma provocação à guerra. Chantagens econômicas, financeiras e militares, provocações contra estados socialistas na Europa, Ásia, América Latina e África são fatores de guerra.
A política beligerante de Israel e da África do Sul, queridos aliados do imperialismo em suas regiões, é uma provocação à guerra. Racismo, apartheid, sionismo, ocupação de território estrangeiro, expansionismo colonial são fatores de guerra. As guerras locais, promovidas pelo imperialismo, podem levar a uma guerra total.
O regime de Pretória na África Austral é uma causa de guerra que representa uma ameaça à paz em toda a região. O regime nazi-fascista em Pretória ocupa parte do território da República Popular de Angola, coloniza a Namíbia, incentiva o banditismo armado em Moçambique, Angola, Zimbabwe, Zâmbia e Lesoto. O regime do apartheid é responsável pela situação de guerra que prevalece na África Austral e ameaça provocar uma guerra total.
A independência de Moçambique foi o contribuição do povo moçambicano para a luta pela paz. Hoje, em associação com outros países da África Austral para efeitos de cooperação econômica regional, e em ação combinada para prevenir o perigo real de guerra já representado pelo regime do apartheid, estabelecemos uma frente significativa na luta pela paz.
Na luta pela paz. que necessariamente implica uma luta contra o apartheid e contra o colonialismo, o ANC e a SWAPO são os instrumentos preferidos do movimento pela paz na África Austral.
Esta justa luta conta com o apoio infalível dos países socialistas, dos Estados da Linha da Frente, das forças progressistas e democráticas, de todos os povos que procuram a paz, a liberdade e o progresso.
A luta pela paz, como movimento popular, tem que adquirir essa escala. É precisamente a escala que Marx tornou universal em seu pensamento e ação.
Caros camaradas, um século após a morte de Marx, a causa do socialismo e do comunismo deixou de ser um sonho e tornou-se uma realidade que muda o mundo. A vitalidade da ciência revolucionária, sistematizada por Marx, não pode ter melhor prova do que os próprios fatos.
Os países socialistas se afirmam e avançam. O histórico geral do socialismo é de grande sucesso. A experiência da revolução socialista, da construção socialista, é em geral um enriquecimento e uma ampliação constante dos ensinamentos originais de Marx. Cada país e cada revolução dá uma nova contribuição para o desenvolvimento de nossa ciência, de nosso patrimônio.
Estamos comemorando este centenário na República Democrática Alemã, uma Alemanha em que o socialismo triunfou. Uma Alemanha onde o trabalhador manifesta continuamente a amplitude de sua inteligência, sua energia, sua habilidade, criando prosperidade, progresso e felicidade. Uma Alemanha na qual o internacionalismo militante faz da luta dos povos contra a exploração sua própria luta.
Saudamos, por meio do camarada Erich Honecker, Secretário Geral do Comitê Central do Partido da Unidade Socialista da Alemanha, os trabalhadores – operários, camponeses, intelectuais revolucionários – que foram capazes de transformar criativamente o gênio de Marx em uma força material invencível, para o triunfo do socialismo e da paz. Saudamos as classes trabalhadoras da RDA que, lideradas por seu partido de vanguarda, tão magnificamente organizaram esta assembleia de representantes dos trabalhadores de todo o mundo, como uma afirmação de que o pensamento de Marx, ainda vivo e ainda jovem, é imortal.
Com os conceitos de Marx, os povos do mundo triunfarão em sua justa luta pela paz, pelo progresso, pelo socialismo.
A luta continua!
A revolução vencerá!
O socialismo triunfará!