Texto escrito por Marral Shamshiri-Fard, pesquisadora de História Internacional na Escola de Economia e Ciência Política de Londres.
Originalmente disponível no site Revolutionary Papers.
Tradução por Guilherme Henrique.
Um aspecto marcante do movimento revolucionário popular em Dhofar foi o compromisso da FPLGAO (Frente Popular de Libertação do Golfo Árabe Ocupado) com a libertação da mulher, uma política adotada na Conferência de Hamrin de 1968. A FPLGAO acreditava que a libertação das mulheres era fundamental para o sucesso da revolução que não viria de forma automática, mas através de uma luta prolongada contra o “atraso objetivo” da sociedade.1 A Revolução de Dhofar foi influenciada pelo pensamento maoísta, incluindo a promoção da igualdade em relação aos quadros femininos, que foi popularizada através da famosa declaração de Mao de que “as mulheres sustentam a metade do céu.”2 A participação política das mulheres na luta armada ao lado dos homens foi considerada um aspecto importante da igualdade, enquanto políticas específicas foram posteriormente implementadas nas áreas libertadas para transformar a posição social das mulheres, tais como a proibição da circuncisão feminina, a poligenia e a redução do preço da noiva, após tentativas fracassadas de aboli-la completamente.
As políticas da FPLGAO desafiaram significativamente o “infeliz casamento” entre o feminismo e o marxismo, conforme conceituado pela acadêmica feminista ocidental Heidi Hartmann em 1979 – em outras palavras, as tensões entre a libertação da mulher e a libertação nacional.3 A FPLGAO reconheceu a dupla opressão enfrentada pelas mulheres, tanto em termos de sua posição como mulheres em relação aos homens, quanto em termos de sua posição como mulheres em relação ao sistema econômico. Atraída pela posição radical da PFLOAG, a cineasta libanesa Heiny Srour viajou para Dhofar em 1971, captando imagens documentais de mulheres combatentes utilizadas posteriormente em seu filme A Hora da Libertação Chegou (Saat El Tahrir Dakkat), de 1974.4
“Eu era uma feminista derrotada no Líbano. A esquerda libanesa não estava interessada nas questões feministas e continuava se fechando sobre vários pretextos, um dos quais era o de que as mulheres seriam livres quando o principal inimigo, o Imperialismo, fosse derrotado. […] Eu não podia acreditar quando o representante da Frente Popular de Libertação do Golfo Árabe Ocupado lançou o tema das mulheres por iniciativa própria e disse orgulhosamente que a Frente lutava contra a opressão das mulheres – porque as mulheres não eram oprimidas apenas pelo imperialismo e pela sociedade de classes, mas também por seu pai, marido, irmãos. Abandonei meus outros projetos cinematográficos e dediquei toda minha energia para fazer este filme.”5
As campanhas e a implementação das políticas acima mencionadas vieram através das iniciativas de mulheres revolucionárias, um quadro de Bahrein, Laila Fakhro (Huda Salem), por exemplo, pressionou a FPLGAO para proibir a circuncisão feminina e limitar o preço da noiva.6 Laila Fakhro também desempenhou um papel importante na revolução através da educação política, ensino, cuidados, atividades das mulheres e da mídia e relações exteriores da FPLGAO.7 Outro periódico fundamental da FPLGAO, 9 Yunyu (9 de junho), foi uma revista mensal que antecedeu a fundação da Sawt al-Thawra, criada em junho de 1970 por Laila Fakhro e Abdel Rahman al-Nuaimi (Said Seif).8
Sawt al-Thawra promoveu a participação política das mulheres na luta armada, traçando paralelos com as mulheres combatentes, como as vietnamitas, e assim colocando as mulheres revolucionárias da FPLGAO na tradição mais ampla do Terceiro Mundo revolucionário. O periódico destacou e documentou o protesto das mulheres, prisões e maus-tratos a mulheres e meninas pelo regime apoiado pelos britânicos, e as atividades internacionalistas femininas. Representantes e delegações femininas participaram de muitas conferências regionais e internacionais, antes e depois da criação oficial da Organização das Mulheres Omani em junho de 1975, um comitê encabeçado por Wafa Yasser.
A primeira visita oficial de uma delegação feminina Omani, composta por Nadia Khaled e Huda Muhad, ocorreu em julho de 1975 em um simpósio sobre desenvolvimento econômico feminino organizado pelo Comitê de Mulheres Soviéticas em Alma-Ata, República Soviética do Cazaquistão. Após esta viagem à União Soviética, a delegação visitou a República Democrática do Vietnã, a convite da Federação Feminina do Vietnã.9 Esses encontros foram importantes para produzir fortes laços de solidariedade, o intercâmbio de experiências e ideias e o engajamento direto com uma grande fonte de inspiração própria, a luta do povo vietnamita. Mais significativamente, estes laços materiais demonstram que Dhofar não foi uma revolução isolada em uma parte pouco conhecida e distante do Golfo, mas uma que estava globalmente conectada e que, mais importante ainda, colocava ênfase na participação política das mulheres.
Notas:
- Isso foi baseado em uma concepção e análise marxista e materialista da sociedade.
- Julia Lovell, Maoism: A Global History (London: Vintage, 2019).
- Heidi Hartmann, “The Unhappy Marriage of Marxism and Feminism: Toward A More Progressive Union.” Capital and Class 3:2 (Summer 1979): 1-33. Aqui, tomo emprestada de Manijeh Moradian, que faz um argumento semelhante sobre um panfleto feminista do movimento estudantil iraniano, veja: Manijeh Moradian, “Iranian Diasporic Possibilities: Tracing Transnational Feminist Genealogies from the Revolutionary Margins” em Arang Keshavarzian and Ali Mirsepassi, eds.1979: Geographies and Histories of the Iranian Revolution (Cambridge: Cambridge University Press, 2021).
- O filme está atualmente disponível online: https://kinoforward.net/film/the-hour-of-liberation-has-arrived/
- Heiny Srour em A Hora da Libertação Chegou
- Veja Takriti, Monsoon Revolution, 107-131.
- Bassima Al-Ghassab, Hagh al-Hulm: Bahrainiyun fi Thawrat Dhufar (Riyad Al Rayyis, 2021).
- Abdulnabi Alekry, Zakerat alwatan walmanfaa (Faradees, 2015).
- Sawt al-Thawra, no. 165, 9 de agosto de 1975; Sawt al-Thawra, no. 161, 13 de julho de 1975.