bell hooks – Valores: viver segundo uma ética amorosa

Sexto capítulo do livro “Tudo sobre o amor” de bell hooks, publicado pela Editora Elefante.

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Tradução por Stephanie Borges.


Despertar para o amor só pode acontecer se nos desapegarmos da obsessão pelo poder e pela dominação. Culturalmente, todas as esferas da vida estadunidense — política, religião, locais de trabalho, ambientes domésticos, relações íntimas — deveriam e poderiam ter como base uma ética amorosa. Os valores que sustentam uma cultura e sua ética moldam e influenciam a forma como falamos e agimos. Uma ética amorosa pressupõe que todos têm o direito de ser livres, de viver bem e plenamente. Para trazer a ética amorosa para todas as dimensões de nossa vida, nossa sociedade precisaria abraçar a mudança. No final de A arte de amar, Erich Fromm afirma que “importantes e radicais mudanças em nossa estrutura social são necessárias, para que o amor se torne um fenômeno social, e não um fenômeno altamente individualista e marginal”. Indivíduos que escolhem amar podem alterar e alteram a própria vida para honrar a primazia da ética amorosa. Nós fazemos isso ao escolher trabalhar com indivíduos que admiramos e respeitamos; ao nos comprometermos a nos entregar inteiramente em nossos relacionamentos; ao abraçar uma visão global em que vemos nossa vida e nosso destino como intimamente ligados aos de todas as outras pessoas do planeta.

O compromisso com uma ética amorosa transforma nossa vida ao nos oferecer um conjunto diferente de valores pelos quais viver. Em grande e em pequena escalas, fazemos escolhas baseadas na crença de que a honestidade, a franqueza e a integridade pessoal precisam ser expressas nas decisões públicas e privadas. Decidi me mudar para uma cidade pequena para que pudesse viver na mesma região que minha família, embora culturalmente não fosse um lugar tão desejável quanto aquele onde eu morava antes. Amigos meus vivem com seus pais idosos, cuidando deles, embora tenham dinheiro para morar em outro lugar. Quando vivemos de acordo com uma ética amorosa, aprendemos a valorizar mais a lealdade e o compromisso com laços duradouros do que o crescimento material. Embora ter uma carreira e ganhar dinheiro continue sendo importante, isso nunca vem antes da valorização e do cuidado com a vida e o bem-estar humanos.

Não conheço ninguém que tenha adotado uma ética amorosa e não tenha se tornado uma pessoa mais alegre e mais realizada. A suposição comum de que o comportamento ético acaba com a diversão na vida é falsa. Na realidade, viver eticamente garante que os relacionamentos em nossa vida, incluindo encontros com estranhos, alimentem o nosso crescimento espiritual. Comportar-se de maneira antiética, sem pensar nas consequências de nossas ações, é como comer toneladas de alimentos ultraprocessados. Embora o sabor possa ser bom, no fim, o corpo nunca está adequadamente nutrido e permanece num estado constante de falta e anseio. Nossa alma sente essa falta quando agimos de maneira antiética, nos comportando de formas que rebaixam o nosso espírito e desumanizam os outros.

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Relatos presentes em textos new age evidenciam como abraçar uma ética amorosa transforma a vida para melhor. Contudo, muitas dessas informações só alcançam aqueles entre nós que dispõem de privilégios de classe. E, frequentemente, indivíduos cuja vida é próspera em bem-estar material e espiritual, que têm diversos amigos por todos os caminhos da vida para nutrir sua integridade pessoal, dizem ao restante do mundo que essas coisas são impossíveis de se conseguir. Estou falando aqui de muitos profetas do apocalipse que nos dizem que o racismo nunca vai acabar, que o machismo está aqui para ficar, que os ricos nunca compartilharão os seus recursos. Nós todos ficaríamos surpresos se pudéssemos entrar na vida deles por um dia. Muito do que eles nos dizem que não pode ser obtido, eles têm. No entanto, ao manter uma noção capitalista de bem-estar, eles realmente acreditam que não há o suficiente para todos, que uma boa vida só está ao alcance de poucos.

Recentemente, falando para um público universitário, expressei minha fé no poder de as pessoas brancas falarem contra o racismo, desafiando e pondo fim ao preconceito — declarando de forma enfática que eu definitivamente acredito que todos nós podemos transformar nossa mente e ações. Ressaltei que essa fé não está enraizada num desejo utópico, que eu acredito nisso porque na história de nossa nação muitos indivíduos ofereceram sua vida a serviço da justiça e da liberdade. Questionada por pessoas que diziam que esses indivíduos eram exceção, concordei. Mas então falei da necessidade de transformarmos o nosso pensamento para nos vermos como seres que mudam, ao invés de estarmos entre os que se recusam a fazê-lo. O que tornou esses indivíduos excepcionais não foi eles serem mais inteligentes ou mais bondosos que seus vizinhos, mas sua vontade de viver a verdade de seus valores.

Aqui vai outro exemplo. Se você sair de porta em porta pelo país e conversar com os cidadãos a respeito da violência doméstica, quase todo mundo vai insistir que não apoia a violência contra a mulher, a qual acredita ser moral e eticamente errada. Contudo, quando você explica que só acabaremos com a violência contra a mulher ao desafiar o patriarcado, e que isso significa não aceitar mais a ideia de que homens deveriam ter mais direitos e privilégios que as mulheres por causa de diferenças biológicas, ou de que homens deveriam ter poder para dominar as mulheres, as pessoas então param de concordar. Existe uma distância entre os valores que dizem defender e sua disposição de fazer o trabalho necessário para conectar pensamento e ação, teoria e prática, para concretizar esses valores e assim criar uma sociedade mais justa.

Infelizmente, muitos cidadãos dos Estados Unidos têm orgulho de viver em um dos países mais democráticos do mundo enquanto temem agir em favor de pessoas que vivem sob governos repressores e fascistas. Eles têm medo de agir de acordo com o que acreditam porque isso significaria desafiar o status quo conservador. A recusa de tomar atitude em relação ao que se acredita enfraquece a moralidade e a ética individuais, assim como as de toda a cultura. Assim, embora sejamos uma nação formada por pessoas que, em sua maioria, independentemente de raça, classe e gênero, se dizem religiosas e crentes no poder divino do amor, não surpreende que, coletivamente, continuemos incapazes de adotar uma ética amorosa e permitir que ela guie o nosso comportamento, especialmente quando isso significa apoiar mudanças radicais.

O medo de mudanças radicais leva muitos cidadãos de nosso país a trair sua mente e seu coração. Entretanto, todos somos submetidos a mudanças radicais todos os dias. Nós as encaramos quando nos movemos a despeito do medo. Essas transformações geralmente são impostas pelo status quo. Por exemplo, novas tecnologias revolucionárias levaram todos nós a aceitar os computadores. Nossa disposição em abraçar esse “desconhecido” mostra que todos somos capazes de confrontar o medo das mudanças radicais, que somos capazes de lidar com ele. Obviamente, não interessa ao status quo conservador nos encorajar a confrontar nosso medo coletivo do amor. A adoção geral de uma ética amorosa significaria que todos nós nos oporíamos a muitas das políticas públicas que os conservadores aceitam e apoiam.

O medo coletivo que a sociedade tem do amor deve ser encarado se pretendemos reivindicar uma ética amorosa que possa nos inspirar e nos dar a coragem para fazer as mudanças necessárias. Ao escrever sobre as transformações que precisam ser feitas, Fromm explica:

A sociedade deve ser organizada de modo tal que a natureza social e amorosa do homem não se separe de sua existência social, mas se unifique com ela. Se é verdade, como venho tentando mostrar, que o amor é a única resposta sadia e satisfatória ao problema da existência humana, então qualquer sociedade que exclua relativamente o desenvolvimento do amor deve, no fim das contas, perecer vitimada por sua própria contradição com as necessidades básicas da natureza humana. Na verdade, falar de amor não é “pregar”, pela simples razão de que significa falar da última e real necessidade de todo ser humano. […] Ter fé na possibilidade do amor como fenômeno social, e não apenas excepcional-individual, é uma fé racional baseada no conhecimento da própria natureza do homem.

A fé permite que superemos o medo. Nós podemos recuperar coletivamente a nossa fé no poder transformador do amor cultivando a coragem, a força para agir em favor daquilo em que acreditamos, para sermos responsáveis em palavras e ações.

Gosto especialmente da passagem bíblica da primeira epístola de João que nos diz: “Não há temor no amor; ao contrário, o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor implica um castigo, e o que teme não chegou à perfeição do amor”. Desde a infância, essa passagem das escrituras me encanta. Eu era fascinada pela repetição das palavras “perfeito”/”perfeição”. Por algum tempo, pensei na palavra “perfeito” apenas no sentido de ausência de falhas ou defeitos. Ensinada a acreditar que essa compreensão do que significa ser perfeito sempre esteve fora do alcance humano, que nós éramos essencialmente humanos porque não éramos perfeitos, mas sempre estivemos ligados ao mistério do corpo, de nossas limitações, essa convocação para conhecer um amor perfeito sempre me perturbou. Parecia um chamado importante, mas impossível. Isto é, até eu procurar uma compreensão mais profunda, mais complexa da palavra “perfeito”, e encontrar uma definição que enfatizava o desejo de “refina”.

Repentinamente, a passagem se iluminou. O amor como um processo que tem sido refinado, alquimicamente alterado conforme se move de um estado para outro, é o “amor perfeito” que pode espantar o medo. Contrariamente à noção de que é preciso trabalhar para alcançar a perfeição, não precisamos lutar por esse resultado — ele simplesmente acontece. Esse é o presente que o amor perfeito oferece. Para receber o presente, precisamos primeiro entender que “não há medo no amor”. No entanto, temos medo e o medo nos impede de confiar no amor.

Culturas de dominação se apoiam no cultivo do medo como forma de garantir a obediência. Em nossa sociedade, falamos muito do amor e pouco do medo. Todavia, estamos terrivelmente apavorados o tempo todo. Como cultura, estamos obcecados com a ideia de segurança. Contudo, não questionamos por que vivemos em estados de extrema ansiedade e terror. O medo é a força primária que mantém as estruturas de dominação. Ele promove o desejo de separação, o desejo de não ser conhecido. Quando somos ensinados que a segurança está na semelhança, qualquer tipo de diferença parece uma ameaça. Quando escolhemos amar, escolhemos nos mover contra o medo — contra a alienação e a separação. A escolha por amar é uma escolha por conectar — por nos encontrarmos no outro.

Uma vez que muitos de nós estão aprisionados pelo medo, só podemos nos mover em direção a uma ética amorosa por meio de um processo de conversão. O filósofo Cornell West afirma que “uma política de conversão” restaura nossa sensação de esperança. Chamando a atenção para o niilismo disseminado em nossa sociedade, ele nos lembra:

O niilismo não é superado por argumentos ou análises, é domado pelo amor e pelo carinho. Qualquer doença da alma deve ser vencida com uma transformação na alma. Essa virada é feita por meio da afirmação do próprio valor — uma afirmação abastecida pela preocupação com os outros.

Em uma tentativa de afastar o desespero que ameaça a vida, mais e mais indivíduos estão se voltando para uma ética amorosa. Em nossa cultura, multiplicam-se os sinais de que essa conversão está acontecendo. É reconfortante quando um grande número de pessoas lê obras como Care of the Soul: A Guide for Cultivating Depth and Sacredness in Everyday Life [O cuidado com a alma: um guia para cultivar a profundidade e o sagrado na vida cotidiana], de Thomas Moore, um livro que nos convida a reavaliar os valores que sustentam nossa vida e a fazer escolhas que reforcem nossa interconexão com os outros.

Abraçar uma ética amorosa significa utilizar todas as dimensões do amor — “cuidado, compromisso, confiança, responsabilidade, respeito e conhecimento” — em nosso cotidiano. Só podemos fazer isso de modo bem-sucedido ao cultivar a consciência. Estar consciente permite que examinemos nossas ações criticamente para ver o que é necessário para que possamos dar carinho, ser responsáveis, demonstrar respeito e manifestar disposição de aprender. Entender o conhecimento como um elemento essencial do amor é vital, pois somos diariamente bombardeados com mensagens que nos dizem que o amor está relacionado ao mistério, ao que não podemos conhecer. Vemos filmes nos quais as pessoas são representadas amando alguém com quem nunca conversam, indo para a cama sem nunca discutir sobre seu corpo, suas necessidades sexuais, do que gostam e do que não gostam. De fato, a mensagem recebida da mídia é de que o conhecimento torna o amor menos interessante; que é a ignorância que dá ao amor seu caráter erótico e transgressor. Essas mensagens geralmente são trazidas até nós por produtores em busca de lucro, que não fazem a menor ideia de como é a arte de amar, que apresentam suas visões mistificadas porque não sabem de fato como representar genuinamente uma interação amorosa.

Se exigíssemos coletivamente que a mídia retratasse imagens que reflitam a realidade amorosa, isso aconteceria. Essa mudança alteraria nossa cultura radicalmente. Os meios de comunicação de massa insistem numa ética de dominação e violência, perpetuando-a, porque nossos criadores audiovisuais têm mais intimidade com essas realidades do que com as realidades do amor. Todos sabemos como a violência é. Todos os projetos de pesquisa no campo dos estudos culturais dedicados à análise crítica da mídia, sejam favoráveis ou contrários, indicam que imagens de violência, especialmente as que envolvem ação e sanguinolência, capturam a atenção dos espectadores mais do que imagens calmas e pacíficas. Os pequenos grupos de pessoas que produzem a maioria das imagens que vemos em nossa cultura não têm demonstrado até agora interesse em aprender como representar imagens de amor de formas que capturem e mexam com nossa imaginação cultural, prendendo a nossa atenção.

Se eles fizessem seu trabalho informados por uma ética amorosa, considerariam importante pensar criticamente a respeito das imagens que criam. E isso significaria pensar sobre o impacto dessas imagens, sobre as formas como moldam a cultura e influenciam as maneiras como pensamos e agimos em nosso dia a dia. Se desconhecem o terreno amoroso, deveriam contratar consultores que lhes oferecessem os insights necessários. Ainda que alguns pesquisadores tentem nos dizer que não há conexão direta entre as imagens de violência e a violência que nos atinge em nossa vida, resta a constatação produzida pelo bom senso: todos somos afetados pelas imagens que consumimos e pelo estado de espírito em que estamos quando as assistimos. Se os espectadores querem ser entretidos, e as imagens que nos são mostradas como entretenimento são imagens de desumanização violenta, faz sentido que esses atos se tornem mais aceitáveis em nossa rotina e que nos tornemos menos propensos a reagir a eles com indignação moral ou preocupação. Se estivéssemos vendo mais imagens de interação humana amorosa, isso sem dúvida teria um impacto positivo em nossa vida.

Não podemos falar em mudar os tipos de imagens que nos são oferecidas pela mídia sem reconhecer que a vasta maioria delas é criada a partir de uma perspectiva patriarcal. Essas imagens não mudarão até que o pensamento e a perspectiva patriarcais mudem. Homens e mulheres que não se veem individualmente como vítimas do poder patriarcal têm dificuldade para levar a sério a necessidade de questionar e alterar o pensamento patriarcal. No entanto, a reeducação é sempre possível. Inúmeras pessoas são afetadas negativamente pelas instituições patriarcais e, mais especificamente, pela dominação masculina. Uma vez que a maioria das imagens que vemos é produzida por indivíduos comprometidos com o avanço do patriarcado, eles investem em nos oferecer imagens que refletem os seus valores e as instituições sociais que desejam apoiar. O patriarcado, como qualquer sistema de dominação (como o racismo, por exemplo), precisa socializar todo mundo para acreditar que em todas as relações humanas há um lado superior e um inferior, que uma pessoa é forte e a outra, fraca, e, consequentemente, é natural que o poderoso domine o que não tem poder. Para aqueles que apoiam o poder patriarcal, é aceitável manter o poder e o controle por qualquer meio. Naturalmente, alguém socializado para pensar dessa forma se interessaria e se estimularia mais por cenas de dominação e violência do que por cenas de amor e carinho. Contudo, eles precisam ter uma audiência para quem vender seus produtos. É aí que reside nosso poder de exigir mudanças.

Ainda que o movimento feminista contemporâneo tenha feito muito para intervir nesse tipo de pensamento, para questioná-lo e alterá-lo de modo a oferecer a mulheres e homens a oportunidade de levarem uma vida mais satisfatória, o pensamento patriarcal ainda é a norma dos que estão no poder. Isso não significa que não tenhamos o direito de exigir mudanças. Nós temos poder enquanto consumidores. Podemos exercer esse poder o tempo todo escolhendo não investir tempo, energia ou recursos para apoiar a produção e a disseminação de imagens na mídia que não reflitam valores que melhorem a vida, que debilitem a ética do amor. Não se trata de um argumento a favor da censura. A maioria dos males em nosso mundo não foi criada pela mídia. É claro que a mídia não inventou a violência doméstica, por exemplo. A violência nos lares era difundida mesmo quando não havia televisão. Entretanto, todo mundo sabe que todas as formas de violência são glamourizadas e construídas pela mídia para parecerem interessantes e sedutoras. Os produtores dessas imagens poderiam facilmente usar a comunicação de massa para questionar e intervir na violência. Quando as imagens que vemos justificam a brutalidade, levando ou não algum de nós a ser “mais” violento, elas reforçam a ideia de que este é um meio aceitável de controle social, de que está tudo bem se um indivíduo ou um grupo dominar outros.

A dominação não pode existir em qualquer situação social em que prevaleça uma ética amorosa. É importante lembrar a percepção de Jung, de que, se o desejo de poder predomina, o amor estará ausente. Quando o amor está presente, o desejo de dominar e exercer poder não pode ser a ordem do dia. Todos os grandes movimentos sociais pela liberdade em nossa sociedade têm promovido uma ética amorosa. A preocupação em relação ao bem coletivo de nosso país, de nossa cidade ou vizinhança, baseada em valores amorosos, faz com que todos busquemos nutrir e proteger esse bem. Se todas as políticas públicas fossem criadas no espírito do amor, não teríamos que nos preocupar com o desemprego, as pessoas em situação de rua, o fracasso de escolas em ensinar às crianças ou os vícios.

Se uma ética amorosa influenciasse todas as políticas públicas nas metrópoles e nas cidades, os indivíduos convergiriam e planejariam programas voltados ao bem de todos. O maravilhoso livro de Melody Chavis, Altars in the Street: A Neighborhood Fights to Survive [Altares nas ruas: um bairro que luta para sobreviver], conta a história de pessoas reais que se unem apesar das diferenças de raça e classe para melhorar o ambiente onde vivem. Ela fala da perspectiva de uma mulher branca que se muda com sua família para um bairro predominantemente negro. Como alguém que adota uma ética amorosa, Melody se une aos seus vizinhos para criar paz e amor em seu ambiente. O trabalho dessas pessoas dá certo, mas é minado pela falta de apoio das políticas públicas e da prefeitura. Simultaneamente, ela também trabalha para ajudar prisioneiros no corredor da morte. Amando sua comunidade em toda a sua diversidade, Melody afirma: “As vezes acho que venho tentando, no corredor da morte e no meu bairro, obter algum controle em relação à violência em minha vida. Quando criança, eu era completamente indefesa em face da violência”. Seu livro mostra as mudanças que uma ética amorosa pode trazer mesmo nas comunidades mais problemáticas. Ele também registra as consequências trágicas para a vida humana quando o terror e a violência se tornam a norma aceita.

Quando pequenas comunidades organizam sua vida em torno de uma lógica amorosa, todos os aspectos do dia a dia podem ser proveitosos para todo mundo. Em sua obra em prosa, o poeta Wendell Berry, do Kentucky, escreve eloquentemente sobre os valores positivos que existem em comunidades rurais que abraçam uma ética comunal e o compartilhamento de recursos. Em Another Turn of the Crank [Mais um giro da manivela], Berry expõe como os interesses dos grandes negócios levam ao esfacelamento de comunidades rurais, nos lembrando que a destruição está rapidamente se tornando a norma em todos os tipos de comunidade. Ele nos encoraja a aprender com a vida de pessoas que vivem em comunidades governadas por um espírito de amor e comunhão. Compartilhando alguns dos valores preservados pelos cidadãos dessas comunidades, ele afirma:

Eles são pessoas que têm e mantêm uma visão generosa e sociável de autopreservação; não acreditam que podem sobreviver e florescer conforme a regra de que o homem é o lobo do homem; não acreditam que podem ter sucesso derrotando ou destruindo ou vendendo ou esgotando tudo a não ser a si mesmos. Eles duvidam que boas soluções possam ser produzidas pela violência. Querem preservar o que há de precioso na natureza da cultura humana e transmitem isso para seus filhos […]. Eles veem que nenhuma comunidade de afinidade pode ser definida pela ganância […]. Eles sabem que o trabalho deve ser necessário; deve ser bom; deve ser satisfatório e dignificar as pessoas que o realizam; e verdadeiramente útil e prazeroso para o povo em favor de quem ele é feito.

Gosto de morar em cidades pequenas precisamente porque, em sua maioria, elas costumam ser os lugares onde os princípios básicos que sustentam uma ética amorosa existem e são os padrões segundo os quais grande parte das pessoas tenta viver sua vida. Na cidade pequena onde vivo (atualmente, apenas parte do tempo), existe um espírito de vizinhança — de companheirismo, cuidado e respeito. Esses mesmos valores existiam nos bairros da cidade onde cresci. Embora eu passe a maior parte do tempo em Nova York, vivo num prédio que funciona como uma cooperativa, onde todos se conhecem. Nós nos protegemos e alimentamos o nosso bem-estar. Nós nos esforçamos para fazer de nossa casa um ambiente positivo para todos. Todos concordamos que a integridade e o cuidado melhoram a vida de todos nós. Tentamos viver pelos princípios de uma ética amorosa. Para vivermos nossa vida com base em princípios de uma ética amorosa (demonstrando cuidado, respeito, conhecimento, integridade e vontade de cooperar), temos de ser corajosos. Aprender como encarar nossos medos é uma das formas de abraçar o amor. Talvez nosso medo não vá embora, mas já não ficará no caminho. Aqueles de nós que já escolheram adotar uma ética amorosa, permitindo que ela governe e oriente o modo como pensamos e agimos, sabemos que, ao deixar nossa luz brilhar, atraímos e somos atraídos por outras pessoas que também mantêm sua chama acesa. Não estamos sozinhos.

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