Manifesto da Federação de Artistas da Comuna de Paris (1871)

A Comuna de Paris foi essencialmente a primeiro experiência socialista de governança. No dia 18 de março de 1871, artesões e trabalhadores radicais organizados na Guarda Nacional decisivamente tomaram o controle da cidade enquanto o exército francês fugia. Dias depois, a Comuna foi eleita, imediatamente declarando que os trabalhadores poderiam tomar conta e administrar os locais de trabalho e negócios, assim como foi decidido pela abolição da pena de morte e do recrutamento militar, a separação da igreja e Estado, e o inicio da seguridade social e pensões. Revolucionário e democrático, todo dia avançava um novo modo de administrar a cidade pelos trabalhadores ordinários.

Isso incluía um jeito radicalmente diferente de enxergar a dimensão da arte. No dia 15 de abril, artistas, pintores, escultores e ornamentistas de Paris – incluindo o renomado pintor Gustave Courbet, e Eugène Pottier, o posterior escritor da música “A Internacional” – se juntaram para discutir e propor qual poderia ser essa nova perspectiva.

As propostas foram diretas: os artistas teriam controle da arte e a arte e cultura seriam um direito. Acima de tudo, eles questionaram porque a arte era somente apreciada pelo Estado e por aqueles bem de vida. A Federação fundada por esses artistas insistia que todos deveriam ter o direito a viver e trabalhar em meio a beleza. Kristin Ross, autora do livre “A Luxuria Comunal: O Imaginário Político da Comuna de Paris”, descreve o significado dessas propostas:

“Essa pode parecer uma demanda pequena, e até mesmo “decorativa”. Mas ela cunha não apenas uma reconfiguração completa da nossa relação com a arte, mas também com o trabalho, com as relações sociais, a natureza e o meio ambiente como um todo… Significa a arte e a beleza sem serem privatizadas, integradas totalmente ao cotidiano, e não escondidas em salões privados ou centralizadas em monumentos obscenamente nacionalistas.”

O texto abaixo foi retirado dos jornais e revistas da Comuna. Ele inclui o manifesto desses artistas. Isto é, para o nosso conhecimento, a primeira tradução amplamente disponível em Inglês (agora em Português) do manifesto da Federação de Artistas de Paris, a Red Wedge publica aqui com o propósito de redescobrir a história radical da arte e também repensar o papel da arte na nossa vida diária – Os Editores.

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Assembleia dos Artistas

Ontem, as duas da tarde, o encontro dos artistas realizado pelo Sr. Courbet com a permissão da Comuna aconteceu no grande hall da Escola de Medicina. O hall estava completamente cheio, e todas as artes estavam amplamente representadas. Entre os pintores nós reconhecemos Messrs Feven-Perrin e Hérau; entre os escultores, Messrs Moulin e Delaplanche; cartunistas enviaram Bertall; gravuristas Sr. Michelin; críticos Sr. Philippe Burty – e vários arquitetos e ornamentistas. Uma assembleia de mais de 400 pessoas.

Com o Sr. Courbet presidindo, auxiliado por Messrs Moulin e Pottier. Este último, em primeiro lugar, leu um relatório elaborado por um comitê preparatório e editado por ele. Este documento muito interessante continha considerações verdadeiramente elevadas das necessidades e dos destinos da arte contemporânea.

Confie apenas aos artistas a gestão de seus interesses.

Era essa a ideia que parecia prevalecer no espirito do relatório do comitê. Era uma questão de estabelecer uma federação dos artistas de Paris, tendo sob seu título todos aqueles que exibissem seus trabalhos em Paris.

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A Federação de Artistas de Paris

Os artistas de Paris, ao aderirem aos princípios da Republica Comunal, formaram uma federação.

Essa união de todos os intelectos artistas tem como base:

“A livre expressão da arte, livre toda supervisão governamental e de todos os privilégios.”

“Igualdade de direitos entre todos os membros da federação.”

“A independência e dignidade de todo artista tomada sob proteção de todos por meio da criação de um comitê eleito pelo sufrágio universal dos artistas.”

Esse comitê irá fortalecer as ligações de solidariedade e unidade de ação.

Composição do Comitê

O Comitê será composto por 47 membros representando várias faculdades, nominalmente:

– 16 pintores;

– 10 escultores;

– 5 arquitetos;

– 6 gravuristas; e

– 10 membros representando as artes decorativas, incorretamente chamadas de artes industriais.

Eles serão nomeados por um sistema de lista com voto secreto.

Cidadãos de ambos os sexos que provaram sua posição enquanto artistas – tanto pela sua fama de seus trabalhos, ou por suas exibições, ou por meio de um atestado escrito por dois artistas que o auxiliem – tem direito a votar.

Os membros do Comitê terão mandato de um ano.

Na expiração do mandato, 15 membros designados por voto secreto do comitê irão continuar mais um ano de mandato; os outros 32 membros serão trocados.

Os membros cessantes só podem ser reeleitos ao final de um intervalo de um ano.

O direito de revogação pode ser exercido contra um membro que não esteja cumprindo seu mandato. Esta revogação só pode ser deliberada um mês após a sua solicitação, e – se votado na assembleia geral – com maioria de dois terços dos eleitores pedindo a revogação.

The imperial Vendome Column, brought down by Communards at the suggestion of Courbet
A Coluna Imperial de Vendôme, derrubada pelos Comuns por sugestão de Courbet.

Estabelecendo o Mandato

Esse governo do mundo das artes composto pelos artistas tem como missão:

– Preservar os tesouros do passado;

– Implementar e iluminar os elementos do presente; e

– Regenerar o futuro por meio da educação.

– Preservar monumentos e museus.

Monumentos, do ponto de vista artístico, museus de Paris e outros estabelecimentos contendo galerias, coleções, bibliotecas de arte que não pertençam a indivíduos privados, serão encarregadas de serem cuidadas pela supervisão administrativa do Comitê.

Ele irá erguer, preservar, e ajustar, além de completar planos, inventários, indexes e catálogos.

Ele irá colocar esses monumentos a disposição do público de modo a encorajar estudos e satisfazer a curiosidade dos visitantes.

Ele irá observar o estado de preservação dos prédios, indicar reparos urgentes, e trazer a Comuna frequentes informes de seus trabalhos.

Irá apontar administradores, secretários, arquivistas e guardas, depois de avaliar a capacidade e investigar a moralidade destas pessoas, para assegurar o atendimento das necessidades do serviço desses estabelecimentos e para as exibições, que serão comentadas posteriormente.

Exibições

O comitê irá organizar exibições comunais, nacionais e internacionais em Paris.

Para exibições nacionais e internacionais que não ocorram em Paris, o comitê irá delegar uma comissão encarregada pelos interesses dos artistas parisienses.

Será admitido somente trabalhos assinados pelos autores, criações originais ou traduções de uma arte para a outra, como gravuras tornando-se pinturas, etc.

Rejeitará absolutamente toda exibição mercenária que tende a exibir o nome do auditor ou distribuidor em vez do real criador.

Não tenha recebido nenhum prêmio.

Os trabalhos ordinários encomendados pela Comuna serão distribuídos entre os artistas que os votos de todos os expositores terão designado.

Trabalhos extraordinários serão submetidos a concurso.

Educação

O comitê irá supervisionar o ensino do desenho e modelagem nas escolas primarias e profissionais da Comuna, onde os professores serão apontados por meio de competição; irá encorajar a introdução de métodos lógicos e atrativos; irá carimbar modelos; e irá desenvolver os sujeitos de modo que seu espírito seja elevado, e seus estudos sejam concluídos sob o custos da Comuna.

Irá promover e encorajar a construção de vastos halls para a educação superior, para conferencias sobre estética, história e filosofia da arte.

Publicidade.

Irá criar um órgão publicitário chamado: Officiel des arts.

Sob o controle e responsabilidade do comitê, este jornal irá publicar eventos que dizem respeito ao mundo das artes e informações úteis aos artistas.

Irá publicar informes dos trabalhos do comitê, o tempo de suas reuniões, o montante que entra e sai de seu caixa, e todos os trabalhos estatísticos que dão luz e preparam a sua ordem.

A seção literária, se dedicará a ensaios sobre estética, será um espaço neutro para todas as opiniões e todos os sistemas.

Progressista, independente, digna e sincera, Officiel des arts será a mais séria declaração de nossa regeneração.

Arbitragens

Para todas as disputas que tenham relação com as artes, o comitê – sob a requisição da parte interessada (artistas ou outros) – irá apontar árbitros conciliadores.

Sobre questões de princípios e interesses gerais, o comitê irá forma um conselho arbitrário, e suas decisões serão publicadas no Officiel des arts.

Iniciativas individuais

O comitê convida todos os cidadãos a enviarem todas suas propostas, projetos, reportagens e opiniões sobre o progresso da arte, a emancipação moral e intelectual dos artistas, e o avanço material de seus trabalhos como objetivo final.

Prestará contas a Comuna e dará seu suporte moral e sua colaboração em tudo que se consiga realizar.

Chama a opinião pública a sancionar todas as tentativas de progresso, dando a essas propostas a publicidade do Officiel des arts.

Por fim, pela palavra, pela caneta, pelo lápis, pela reprodução popular de obras-primas e por imagens inteligentes e edificantes que podem ser divulgadas em profusão e exibidas nas prefeituras das mais humildes aldeias da França, o comitê trabalhará para a nossa regeneração, a inauguração da riqueza comunitária, os esplendores do futuro e a República Universal.

COURBET, MOULINET, STEPHEN MARTIN, ALEXANDRE JOUSSE, ROSZEZENCH, TRICHON, DALOU, JULES HÉREAU, C. CHABERT, H. DUBOIS, A. FALEYNIÈRE, EUGÈNE POTTIER, PERRIN, A. MOUILLIARD.

Traduzido do Francês para Inglês por Jeff Skiner.


Originalmente publicado na revista Red Wedge.

Tradução por Andrey Santiago.

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