“Totalitarismo” é um termo nebuloso que especialistas, políticos e acadêmicos por todo o mundo capitalista parecem aplicar a países que trabalharam contra o império dos EUA. Apesar das incomparáveis repressão e violência que ditaduras direitistas como a dos Nazis e de Pinochet utilizaram no último século, “totalitarismo” é normalmente utilizado para descrever governos comunistas e socialistas.
Quando você de fato examina o que nações como União Soviética, China comunista e Cuba sob o Castrismo fizeram, fica bem claro que o termo “totalitário”, como é tipicamente utilizado, é uma palavra que carece de sentido. O termo é comumente compreendido como representando um governo autocrático que não permite nenhum dissidente. Para que as pessoas levem a sério quando essa descrição é aplicada aos governos socialistas, os propagandistas burgueses devem sempre evitar análises aprofundadas sobre os países e líderes que estão difamando. O que geralmente é feito para dar suporte a essa caracterização é vagamente chamar os líderes dessas nações de “ditadores”, além de mencionar contagens de mortes estimadas não cientificamente e que não podem ser honestamente atribuídas aos próprios líderes.
Tais retratos também descartam as experiências das pessoas que viveram em países socialistas. Pesquisas mostram que mais de 60% dos russos pensam que a vida era melhor durante o período soviético, e 70% dos russos pensam que Stalin foi um bom líder. Eles mantém essas opiniões porque a URSS forneceu serviços sociais e políticas de empoderamento dos trabalhadores que a Rússia não vê desde então, e porque Stalin foi o líder que derrotou os nazistas na Segunda Guerra Mundial, enquanto mantinha a Rússia estável.
Esses benefícios, tremendos e inegáveis para o legado da revolução russa, ofuscam os aspectos negativos na história da URSS, os quais foram distorcidos e exagerados pelas narrativas capitalistas. É enganoso afirmar que Stalin era um ditador; como Sidney e Beatrice Webb escreveram em Soviet Communism: A New Civilization, o poder de Stalin era muito mais limitado do que se imagina ser:
A pura verdade é que, examinando a administração da URSS durante a década passada, sob a suposta ditadura de Stalin, as principais decisões não manifestaram nem a prontidão e nem a pontualidade, nem ainda a obstinação destemida que tem sido frequentemente reivindicada como o mérito de uma ditadura. Pelo contrário, as ações do Partido foram frequentemente tomadas após considerações prolongadas e, como resultado das discussões, por vezes, tão acaloradas e amarguradas, que trazem à sua formulação as marcas da hesitação e da falta de garantia. Mais de uma vez, sua adoção foi adiada a um grau que militava contra seu sucesso e, longe de ter sido realizada de forma obstinada e implacável, a execução foi frequentemente marcada por uma sucessão de ordens, cada uma contradizendo seu antecessor, e nenhuma delas pretendendo completude ou finalidade.
Stalin não só não era um ditador, como ele e seus camaradas eram de longe menos autoritários do que o governo cada vez mais repressivo da América moderna. A constituição da URSS garantiu liberdade de culto religioso, liberdade de associação, liberdade de imprensa e direitos iguais de gênero, nacionalidade e raça. Esse é o conjunto real de leis que estavam em vigor quando as pessoas eram colocadas nas prisões soviéticas, que mantinham muito menos prisioneiros e eram muito menos severas do que as narrativas capitalistas afirmam que eram.
É o mesmo caso na maneira como os historiadores burgueses caracterizam a China comunista. A constituição de 1954 da República Popular da China permitiu o voto e elegibilidade a todas as pessoas, enfatizava as liberdades de expressão, de imprensa, de assembléia, de associação, de procissão, de manifestação e de crença religiosa. Mao também não era ditador. E os que alegam que ele “matou milhões” no Grande Salto Adiante ignoram a realidade sutil da história do desenvolvimento inicial da RPC e o fato de que os padrões de vida foram grandemente elevados pela implementação do socialismo na China.
Esses fatos por si só desmembram todas as alegações sérias de que o stalinismo e o maoísmo são ideologias “totalitárias”, ao menos enquanto se preferir definir o termo “totalitarismo” como uma ditadura repressiva. Os anti-comunistas utilizam esse termo quando descrevem governos socialistas, e preenchem o imaginário das pessoas com visões históricamente imprecisas desses governos, como parte de sua agenda “totalitária”, brutalmente expurgando dissidentes. Como o colunista Jay Tharappel escreve em seu ensaio sobre a malícia em como o termo “totalitarismo” é tipicamente utilizado:
A palavra “totalitário” foi originalmente utilizada por Mussolini de maneira favorável em 1925 para descrever a ordem fascista que ele buscava construir na Itália, então como ela se tornou uma palavra negativa Anti-Stalinista para atacar a URSS e Stalin? Em 1926, Leon Trotsky usou essa palavra três vezes em seu livro “A Revolução Traída” para atacar a União Soviética, o tornando um termo mãe no arsenal ideológico anti-stalinista dali pra frente. Dois anos depois, em 1938, Winston Churchill utiliza o termo “Estado totalitário” se referindo a uma “tirania nazista ou comunista” antes de se tornar primeiro-ministro britânico durante a guerra.
Mas a armação capitalista da linguagem anti-autoritária não se limita a distorcer a história para fins de propaganda. Ela representa como os benfeitores da supremacia branca, do imperialismo e da desigualdade de classe genuinamente veem os sistemas e ideologias que buscam eliminar suas fontes de riqueza e poder.
Churchill foi um racista e eugenista que disse “Da mesma maneira que eu não peço desculpas pela aquisição da região palestina pelos judeus, não peço desculpas pela aquisição da América dos peles vermelhas pelos brancos, ou pela aquisição da Austrália dos negros.” Como Secretário do Interior, em 1910, mandou tropas para enfrentar os mineiros de carvão galeses, e durante o movimento de independência da Irlanda entre 1918 e 1923, foi um dos poucos oficiais britânicos que apoiaram o bombardeio dos manifestantes. Enquanto um jovem oficial de cavalaria, em uma fronteira no noroeste da Índia, escreveu alegremente sobre como ele e seus companheiros combatentes britânicos “sistematicamente, vila por vila, destruíram casas, encheram os poços, explodiram as torres, cortaram as grandes árvores sombrosas, queimaram as plantações e quebraram as reservas em uma devastação punitiva. Todo homem nativo que fosse encontrado era espetado por suas lanças ou cortado de uma só vez”. Bloomberg’s Shashi Tharoor escreve que “Em Quênia, Churchill dirigiu, ou foi cúmplice, de políticas que envolviam a realocação forçada dos povos nativos dos planaltos férteis para dar lugar aos colonos brancos, além do encarceramento de mais de 150.000 homens, mulheres e crianças em campos de concentração. As autoridades britânicas usaram do estupro, da castração, cigarros acesos em pontos sensíveis do corpo e choques elétricos para torturar quenianos sob o governo de Churchill.”
Quando um homem como esse despreza os países socialistas como “totalitários”, fica claro que tipo de idéias e ações ele deseja que sejam toleradas por esses países.
Anti-comunistas continuam descrevendo países socialistas ou antiimperialistas como China, Cuba, Venezuela e RPDC como ditaduras “totalitárias”, onde as pessoas são forçadas a se conformar com ideologias bizarras. Como foi o caso, durante a guerra fria, das campanhas de propaganda contra a URSS e a República Popular da China, os países demonizados não são ditaduras objetivamente falando. China, Cuba e Coreia Popular continuam sendo democracias operárias onde os direitos democráticos estão em vigor, e Venezuela é um país aberto para manifestação política com uma das eleições mais justas no mundo.
Ainda assim, os atuais simpatizantes de Churchill reivindicam que os líderes desses países são as fontes de todo o mal no mundo; o criminoso de guerra John Bolton, que comandou uma invasão ao Iraque que matou centenas de milhares de pessoas, chamou os Estados socialistas latino-americanos de “Troika da tirania.” Donald Trump, que autorizou colocar milhares de crianças imigrantes em campos de concentração, alega que Maduro é um tirano que deve ser derrubado. Bernie Sanders, que ajudou a realizar a campanha de bombardeios que tirou milhares de vidas inocentes, em 1999, na Iugoslávia, disse que “quem faz o que Maduro faz é um tirano cruel.”
Sob a perspectiva deles, os capitalistas e imperialistas estão dizendo a verdade quando falam que os comunistas historicamente violaram os “direitos humanos” e tomaram das pessoas suas “liberdades”. Como Kim Jong Il escreveu em O Socialismo é uma ciência:
Os “direitos humanos” que pregam os imperialistas são os privilégios dos ricos porque seu dinheiro lhes permite cometer qualquer crueldade. Eles não consideram um direito humano o dos desempregados ao trabalho e o dos desamparados e órfãos a subsistir. Eles, que privam os trabalhadores do mais elementar direito à existência e aplicam a política antipopular, a da discriminação racial e nacional, e a colonialista, não têm moral para falar de direitos humanos. O primeiro inimigo dos direitos humanos são os imperialistas que violam a soberania dos povos e intervêm nos assuntos internos de outros países sob o rótulo de “defesa dos direitos humanos.”
Os capitalistas apontam para a campanha de Stalin contra os Kulaks, para perseguição aos pequenos capitalistas durante o Grande Salto Adiante de Mao, e para aqueles que foram mortos durante a Revolução Cubana, e dizem que os comunistas são “totalitários” que matam aqueles que diferem em suas idéias. Mas qualquer que seja a moral filosófica sobre violência posta na mesa, o fato é que tais conflitos foram absolutamente necessários para a libertação das pessoas que sofreram por tanto tempo sob o governo das classes dominantes em seus países. Como o comunista Alexander Finnegan escreveu sobre o contexto do envolvimento de Che Guevara em alguns desses conflitos de classe:
Che lutou em batalhas. Na guerra existem pelotões de fuzilamento. Che colocou os torturadores, executores e outros criminosos de guerra de Batista [ditador capitalista] sob a mira desses pelotões. Ele sentiu o senso de justiça de que aqueles que fizeram tantas coisas erradas finalmente tiveram o que mereciam. Devido ao fato de ser uma guerra revolucionária, não havia possibilidade de colocá-los na cadeia, e se ele os poupasse, eles simplesmente voltariam a tentar matar os revolucionários novamente.
Se os comunistas venceram essas batalhas contra as classes dominantes violentamente opressivas de seus países, e posteriormente construíram com sucesso sociedades as quais opiniões divergentes são toleradas pelo Estado, eles são o completo oposto de “totalitários.” São lutadores pela liberdade, e o comunismo é a arma que eles usam para ganhar essa liberdade. Se os capitalistas e colonizadores nos chamam de “totalitários” por queremos avançar nessa tendência, não devemos nos importar com o que eles pensam de nós.
A lição que tiramos da campanha burguesa de difamação aos comunistas é que sempre seremos os vilões da história sob o ponto de vista de alguém, mesmo se for o caso de grandes heróis como Stalin, Mao, Chávez, Kim, Castro e Guevara.
Tradução por Matheus Sousa
Disponível originalmente neste link.