Artigo de Matthew Miles Goodrich.
Publicado no site In These Times.
Tradução por Pedro Pio.
Em 1952, Martin Luther King Jr, com 23 anos, escreveu uma carta de amor para Coretta Scott. Em meio às declarações de afeto e de desculpas por sua escrita apressada, ele descreveu seus sentimentos não só em relação à sua futura esposa, mas também em relação ao sistema econômico americano. “Eu sou economicamente muito mais socialista do que capitalista”, ele admitiu para sua então namorada, concluindo que o “capitalismo já passou do tempo de sua utilidade”.
King escreveu essas palavras enquanto estudante universitário no final de seu primeiro ano na Escola de Teologia da Universidade de Boston. E longe de representar o utopismo da juventude, o que foi expresso nessa carta iria continuar a influenciar a visão econômica durante sua vida.
Para King, a única solução para a crise de pobreza americana era a redistribuição de riqueza.
Enquanto os americanos homenageiam King em seu aniversário, é importante lembrar que o ícone dos direitos civis também era um socialista democrático, comprometido a construir um movimento amplo para superar as falhas do capitalismo e atingir tanto a igualdade racial e econômica para todas as pessoas.
O capitalismo “trouxe um sistema que tira as necessidades das massas para dar luxos para as elites”, escreveu King em sua carta em 1952 para Scott. Esse sentimento seria ecoado 15 anos depois em seu último livro, Para Onde Vamos Partir Daqui: Caos ou Comunidade?: “O capitalismo muitas vezes deixou um abismo entre riqueza supérflua e pobreza abjeta [e] criou condições que permitiram que necessidades fossem tiradas de muitos para dar luxo a poucos”.
Em seu famoso discurso de 1967 na Igreja de Riverside, King exclamou, “Quando as máquinas e computadores, a ânsia por lucro e direitos de propriedade são considerados mais importantes que as pessoas, os trigêmeos gigantes do racismo, do materialismo e do militarismo são incapazes de serem domados”.
E em uma entrevista ao New York Times em 1968, King descreveu seu trabalho com a Conferência de Liderança Cristã do Sul (SCLC) dessa forma: “De certa forma, pode-se dizer que estamos engajados na luta de classes”.
Conversando em um retiro da SCLC em 1966, King disse que “tem algo de errado… com o capitalismo” e “tem que haver uma melhor distribuição de renda” no país. “Talvez”, ele sugeriu, “a América deva rumar para um socialismo democrático”.
Em Para Onde Vamos Partir Daqui, que clama pela “emancipação e igualdade total dos negros e pobres”, King defende políticas coerentes com um programa socialista democrático: uma renda anual garantida, emendas constitucionais para garantir igualdade social e econômica, e uma grande expansão da habitação pública. Ele apoiou o Freedom Budget defendido pelo socialista ativista A. Philip Randolph, que incluía políticas como garantia de empregos, um salário mínimo e saúde universal. Ele também salienta como a desigualdade econômica pode restringir direitos civis. Enquanto os ricos acessam facilmente advogados e tribunais, “os pobres, no entanto, são desassistidos”, ele escreve.
A ênfase na pobreza nem sempre é refletida nos ensinamentos contemporâneos sobre King, que tendem a focar apenas na sua defesa dos direitos civis. Mas Para Onde Vamos Partir Daqui e o projeto final da vida de King – a Campanha dos Pobres – mostram que o sonho de King incluía um futuro tanto de igualdade racial quanto econômica.
“Qual o sentido de ter o direito de se sentar numa lanchonete”, King é citado com frequência ao perguntar, “se você não consegue comprar um hambúrguer?”. Na visão de King, os protestos contra o almoço em Greensboro, as unidades de registro de eleitores pelo Sul e a marcha de Selma a Montgomery constituíra apenas a primeira fase do movimento pelos direitos civis. Em Para Onde Vamos Partir Daqui, King chamou as vitórias do movimento até aquele ponto de “um ponto de partida, nada mais” na luta pela liberdade. Apenas uma campanha para garantir justiça tanto econômica quanto racial poderia trazer a igualdade verdadeira para os afro-americanos. Ao nomear seu objetivo, King foi inabalável: a “total, direta e imediata abolição da pobreza”.
A deficiência da primeira fase do movimento por direitos civis, para King, foi a ênfase na oportunidade em detrimento de garantias. A habilidade de comprar um hambúrguer numa lanchonete sem ser incomodado não garantia que o faminto iria comer. Acesso às urnas de votação não garantia uma legislação antirracista. O fim das Leis Jim Crow não garantia o florescimento de comunidades afro-americanas. Decência não garantia igualdade.
Algumas pessoas brancas apoiaram a luta por acesso e oportunidade, concluiu King, porque não custou nada a elas. “Empregos”, no entanto, “são mais difíceis e caros de criar do que cabines de votação”. Quando afro-americanos buscaram não apenas serem tratados com dignidade, mas garantias de moradia e educação, muitos brancos abandonaram o movimento. Nas palavras de King, no momento em que ele demandou “a realização da igualdade” – a segunda fase do movimento por direitos civis – ele percebeu os brancos repentinamente indiferentes.
King considerava a Campanha dos Pobres o veículo para sua próxima fase do movimento precisamente porque ela oferecia tanto avanços materiais quanto potencial para organizações multirraciais mais fortes. Para King, apenas um movimento multirracial da classe trabalhadora, o que a Campanha dos Pobres aspirava ser, poderia garantir tanto igualdade racial quanto econômica.
King estava enojado pela justaposição de decadência e miséria nos Estados Unidos. Nós “enfiamos nossas riquezas nas bocas dos superalimentados das classes médias e altas até que eles se engasguem”, ele disse. Citando o defensor da justiça social Hyman Bookbinder, King escreveu que para acabar com a pobreza nos EUA era necessário apenas que os ricos “ficassem ainda mais ricos numa velocidade menor”.
Para King, a única solução para a crise de pobreza americana era a redistribuição de renda. Num discurso em 1961 para o Conselho dos Trabalhadores Negros Americanos, ele declarou, “chamem de democracia, ou chamem de socialismo democrático, mas tem que haver uma distribuição de renda muito melhor nesse país para todos os filhos de Deus”.
De suas primeiras cartas para Coretta Scott até seus últimos dias, King levou adiante uma visão de sociedade que trouxesse igualdade para as pessoas de todas as raças e origens. Essa é a causa pela qual King passou toda sua vida lutando. E é uma causa que deveríamos retornar para honrar seu legado.
A visão de Luther King de que o capitalismo tinha entrado numa fase de decadência agora se confirma plenamente.
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