Graciliano Ramos, escritor do povo e militante do Partido Comunista

Reportagem de Ruy Facó e Ruy Santos para a Tribuna Popular, Nº54, Ano 1, de 26 de Agosto de 1945.

Transcrição de Ian Cartaxo


Homem fechado, pensando muito e falando pouco – introspectivo, como dizem os críticos literários – tem-se a impressão que Graciliano Ramos guarda toda a sua energia comunicativa para externa-la através de seus romances e de seus contos. Realmente, vê-se que Graciliano Ramos é radicalmente contrário à dispersão, aos artiguetes de jornais, às crônicas, às colaborações especiais para os suplementos literários, principalmente hoje, quando os suplementos, com raras exceções, apresentam um espírito popularesco, as mais das vezes.

Graciliano Ramos não pode ser chamado não pode ser chamado um “profissional da pena”, ainda que viva exclusivamente de escrever. Escreve quando sente que tem alguma coisa a dizer de útil ou interessante. Graciliano Ramos tem sempre algo de útil ou interessante a dizer.

E é para isso que se levanta todos os dias de 3 horas da madrugada e, na solidão e no silêncio, escreve.

Sua obra deveria ser mais vasta, pensa-se logo. Mas o próprio Graciliano explica a razão de não ser assim. É verdade que escreve diariamente, aproveitando as melhores horas matutinas. Mas muitas vezes, depois de três ou quatro horas, têm saído apenas 10 ou 12 linhas. Geralmente, chamam a este tipo de intelectual de “escritor torturado”. É isso mesmo o que é Graciliano Ramos: um romancista caprichoso, meticuloso, exigente para consigo mesmo, preferindo seguir o conselho do poeta Alvares de Azevedo: destruir a obra de arte fazê-la de novo, se não está perfeita. Não se satisfaz com simples emendas.

Em sua residência, num modesto apartamento da Rua Conde de Bonfim, em meio a imensas pilhas de livros que ele não consente sejam mudados de lugar, Graciliano nos mostra os originais de seu último livro “infância”, que acaba de ser editado pela Livraria José Olímpio. Páginas inteiras – que ele nos esclarece já serem cópias – estão riscadas quase totalmente, salvando-se apenas 3 ou 4 linhas.

Ele próprio nos dá uma ideia seu método de escrever, lembrando o capítulo da morte de Julião Tavares em “Angustia”, 35 páginas, escrito em 27 dias de trabalho quase ininterrupto. Em 20 anos de atividade intelectual, seu recorde, até hoje, foi um capítulo de “Vidas Secas”, num só dia, depois de haver escrito o delírio de Julião Tavares, 14 páginas, numa noite de completa insônia.

Graciliano fala mesmo em sua “grande dificuldade de escrever”. Mas para produzir romances como os seus que são lidos pelo povo, que se editam nos Estados Unidos, por proposta de livreiros norte-americanos, diretamente ao romancista, e se publicam clandestinamente no Uruguai, vale a pena esse vagar, essa tortura, essas noites de insônia, essa falta de preocupação por outra coisa que não sejam seus livros, seus escritos.

– Nada de diversões, a não ser o cinema, diz-nos sua esposa.

E Graciliano Ramos confessa gostar realmente de ver bons filmes. As vezes, durante dias seguidos, vai ao cinema, embora depois passe cinco ou seis meses sem assistir a uma película, mesmo quando das mais faladas. Nada entende de música. E suas vivazes filhas, duas jovens robustas, em plena adolescência, que discutem Tchaikovsky e Beethoven, fazem troça de sua “ignorância musical”, por não conseguir distinguir, não Wagner de Chopin, mas sequer uma valsa de um samba.

– Só encontro mesmo satisfação verdadeira em escrever, diz-nos Graciliano, num de seus raros momentos de expansão de seus gostos ou suas preferências pessoais.

E, apesar do que ele próprio chama de “dificuldade de escrever” ao que é apenas esmero, procura da perfeição, continua produzindo sempre, com método, e publicando unicamente aquilo que considera acabado. Graciliano Ramos é o seu melhor crítico.

E talvez também o mais exigente.

Tendo publicado agora num livro de memórias, que, para decepção de seus leitores, não passarão da infância, Graciliano Ramos está preparando uma antologia de contos de autores brasileiros, fazendo-nos a revelação de que, para surpresa sua, o número de bons contos de autores nacionais é maior do que imaginava, principalmente dos modernos. Graciliano destaca entre os melhores contistas alguns do Rio Grande do Sul e Minas, achando geralmente fracos os paulistas. Com o rigor de senso crítico que o distingue, Graciliano Ramos poderá apresentar uma magnifica antologia de contos brasileiros.

Considera, no entanto, este trabalho como absolutamente secundário, achando que não merece sequer ser citado. Revela-nos, porém, que dará início, em breve, a um livro sobre a prisão, uma de suas grandes experiências vividas. Foi depois de 1935. O maior romancista vivo do Brasil foi levado pela famigerada polícia-política de então à Colônia Correcional de Dois Rios, onde viveu como preso comum, com a roupa zebrada de criminosos, condenados a trabalhos forçados, de cabeça raspada, por simples suspeita de ser comunista! Nenhum fato concreto, nenhuma prova.

Esta foi a grande prova de fogo de Graciliano Ramos. E se sua origem, seu caráter, sua honestidade, faziam com que sempre para o povo como fonte de inspiração para sua obra, a prisão o pôs em contato com uma vida diferente, que nem sequer imaginara, obrigando-o a pensar também politicamente (revolucionariamente) já que politicamente (reaccionariamente) o prendiam e procuravam…”reeduca-lo”!

Graciliano passou a sentir necessidade urgente de combater os inimigos do povo com armas à altura das por eles usadas contra os filhos do povo.

Seu vigoroso romance “Vidas Secas”, posterior à prisão, é um grito do povo do Nordeste brasileiro, contra as condições semifeudais em que tem vivido.

A prisão abriu mais os olhos de Graciliano Ramos, trouxe-o mais para perto da vida, fazendo-o enxergar a vida por ângulos até então imperceptíveis.

Era o caminho aberto para sua última resolução, resolução mais importante de toda a sua vida: o ingresso no Partido Comunista. Lembremo-nos que na prisão, intimado pela polícia-política a assinar um documento pelo qual se “obrigaria a abandonar sua atividade de comunista”, Graciliano recusou-se terminante a fazê-lo, mesmo não sendo comunista, como de fato não o era, então. Preferiu as torturas da prisão, que o puseram gravemente enfermo, a submeter-se a humilhação semelhante.

Não foi por acaso que Graciliano Ramos, trazido para a literatura através de intelectuais que têm feito questão de não ser escritores populares, tomou rumo contrário ao daqueles e tratou de ligar-se cada vez mais ao povo, a ele mantendo-se fiel.

Graciliano Ramos também abriu caminho para muitos outros intelectuais honestos, mesmo para aqueles que só tem vivido em torres de marfim, mas que, finalmente, serão chamados pelos próprios acontecimentos a cumprir sua missão de escritores, a ligar-se à corrente política que representa o proletariado e o povo: O Partido Comunista do Brasil.

Iniciou-se par Graciliano Ramos uma nova fase na sua vida: ao lado da literatura, ele se decidira também ao Partido Comunista do Brasil, em trabalhos de ordem prática que faz questão de realizar como tarefas. Assim é que já tomou a seu cargo uma pequena biografia de Luiz Carlos Prestes, bem como a revisão de livros que serão editados sob a orientação do Partido.

Vimos com que novo entusiasmo Graciliano desfilou, juntamente com vários milhares de comunistas, no dia da chegada do segundo Escalão da nossa Força Expedicionária, numa marcha em homenagem aos bravos que combateram o fascismo de armas nas mãos, e pela democracia e a independência de nossa Pátria expuseram suas jovens vidas.

É extraordinário vermos mudança tão radical na própria maneira de viver de um homem retraído, que jamais fez discursos ou se candidatou a grêmios literários!

Só mesmo muita convicção, muita consciência das responsabilidades que devem ter neste momento todos os democratas, todos os antifascistas, todos os verdadeiros patriotas, poderiam determinar essa mudança, que é também um grande exemplo a todos os intelectuais honestos. Mostra-lhes que a literatura está inseparavelmente ligada à vida, que deve retratar a vida social e receber suas influências no sentido da marcha para a frente.

E Graciliano sabe que marchar para a frente é estar com as forças democráticas, com as forças do progresso – do progresso como o definiu Prestes e não de um falso progresso, de um progresso de fachada. Sabe também que só podemos garantir essa marcha com a destruição de todas as sobrevivências de nazismo que tanta influência ainda espalham, principalmente através das penas de intelectuais ligados à reação, que vivem da reação e para a reação.

A obra literária de Graciliano Ramos foi sempre revolucionária pelo seu conteúdo. E isto farejou a polícia fascistisante de 1935, quando se tentou, – com o auxílio de certa imprensa, que hoje revive a mesma conduta, – instaurar no Brasil um regime totalitário. Graciliano Ramos seria sempre um homem perigoso para os regimes totalitários: não se deixava venalizar, não se deixaria jamais corromper para servir aos desígnios dos representantes do nazismo no Brasil.

É procurando auxiliar diretamente o nosso desenvolvimento no sentido da democracia que o escritor Graciliano Ramos ingressa hoje no Partido Comunista, nesse mesmo Partido que, em outros países, abriga em seu seio homens como Pablo Neruda e Ehrenburg, Picasso e Michel Gold, Theodor Dreiser e Siqueiros, Joliot, Langevin e Lupehutz, Paul Eduard, Marcel Prenant, Martin Anderson Nexo e tantos outros.  

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