Texto retirado do livro “Ser ou Não Ser Feminista” de Ana Montenegro, disponível neste link.
Transcrição de Paulo Menezes.
Conhecidas essas atividades, surgem indagações sobre a “questão feminina”. No momento, aqui, em nosso país, constituem um dos pontos de referência dessas questões as expressões “feminista” e “feminismo”, para as quais é necessário que busquemos suas autodefinições.
É difícil precisar a data exata em que foi empregada pela primeira vez a palavra feminismo. Há notícias de que foi usada no século XIX, quando do surgimento na França de um movimento de mulheres, nos anos 1830/1840. Segundo dados da época, apesar de aquele movimento ter tido suas origens nas transformações econômicas ocorridas naquele período, não incluía em seu programa nem as lutas pela melhoria das condições de vida das mulheres proletárias, nem tampouco as lutas pelos direitos políticos da mulher, em geral. Dos itens do programa constavam as primeiras reivindicações: igualdade de direitos no matrimônio e no acesso às profissões liberais. Eram reivindicações que caracterizavam as aspirações de determinadas camadas sociais: média e superior.
A palavra feminismo reapareceria em 1892, quando da realização de um Congresso Feminista. No centro de seus temas estavam as lutas pelos direitos políticos, especialmente o de voto. Para Simone de Beauvoir foi daquele Congresso que surgiu o nome do movimento.
Como se vê, as ideias correntes e apressadas sobre o “surgimento” do movimento feminista em 1960 e, em primeiro lugar nos Estados Unidos, não correspondem à historicidade do movimento das mulheres. Aliás, mais adiante, citaremos uma das dirigentes do movimento feminista, Helena Lange, que se refere a essa expressão aludindo a uma data de meio século anterior àquela década.
Segundo diferentes acepções do conceito de feminismo, por várias de suas principais representantes (doutrina? posição? resposta?), o feminismo separa a situação da mulher das condições criadas pelas estruturas sociais e pretende resolvê-la através da luta contra os homens. Ouçamo-las.
Diz Simone de Beauvoir: “Para mim, o feminismo é lutar pelas reivindicações específicas das mulheres paralelamente à luta de classes; eu me considero feminista.”
Para Juliet Mitchell (Estados Unidos), o feminismo consiste em sustentar que os homens são os opressores: “Todas as sociedades deram prioridade aos homens. Trata-se, em primeiro lugar, de uma luta psicológica pelo poder e que os homens ganham.”
Em 1908, Helena Lange, uma das dirigentes do movimento que se conceituava nessa linha de definições, entendia que o feminismo era apenas um problema sexual. Como se vê, o sexo como centro não é tão recente assim.
A definição dada por Alice Schwarzer é de que o feminismo não é “Nem um partido político, nem uma organização: é a expressão de uma tomada de consciência. Nós, as feministas, damos prioridade à luta contra a opressão específica às mulheres, em todos os domínios, e à luta contra um mundo dominado por normas masculinas.”
Se no passado, o feminismo, com algumas variações, se definia, com justas razões, como um movimento que devia realizar a igualdade formal e jurídica da mulher (acesso à educação e às profissões, direito de voto, etc.), partindo de um “direito natural” indiscutível e limitando-se à questão feminina, atualmente com o seu ressurgimento, na década de 60, essa concepção se modificou. Radicalizou-se, limitando suas preocupações às questões específicas das mulheres, à margem de todo o contexto social, sendo considerado como contradição fundamental o confronto entre o homem e a mulher. Com a obtenção de certos direitos, como o direito de voto, o feminismo original havia perdido a sua limitada razão de existir. E se encontrava, de alguma forma, em um impasse, porque ali onde a igualdade de direitos formal foi em parte realizada, não era suficiente para assegurar às mulheres direitos iguais na vida real, levando-se ainda em conta os problemas surgidos com a participação cada vez maior das mulheres na produção social.
Apesar desse impasse, surgem novas e várias definições para o feminismo: “O conceito feminista se aplica a todas as questões que concernem exclusivamente às mulheres. A radicalização significa que as mulheres se limitam inteiramente às fronteiras do seu próprio valor no que concerne ao sexo, isolando os problemas sociais e mesmo a contribuição que elas dão à sociedade, embora essa contribuição seja superior à dos homens.”
Alice Schwarzer, já citada – e que será citada mais adiante -, em seu livro A pequena diferença, limita a questão feminina, seguindo tal definição, às paredes da cozinha, entre o forno e o fogão: “Nossas batalhas, as mais decisivas, não se decidem, felizmente, em uma dimensão histórica, mas na lavagem dos pratos, na cozinha.”
No entanto, a questão feminina, que, na atualidade, alcançou uma extensão e uma diversidade novas, exigindo, na mesma dimensão, uma teoria e uma prática realistas para manejá-la, não pode ser encerrada em uma cozinha ou mesmo em milhões e milhões de cozinhas.
Quando do seu ressurgimento, o feminismo encontrou maior quantidade de aderentes nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, como a Alemanha, justamente onde sobrepõe não à simples necessidade de viver ou de sobreviver mas à de existir, cultural e emocionalmente, onde as lutas dos trabalhadores não alcançam níveis elevados, onde o movimento feminino não limitado às premissas feministas e à participação das mulheres nos sindicatos não têm todavia uma envergadura e uma amplitude suficientes.
Foi na segunda metade da década de 1960 que esse surgimento alcançou o seu auge, com o agravamento de conflitos sociais naqueles países, no contexto de uma crise cíclica do capitalismo, envolvendo por extensão certos aspectos morais, com a ausência de perspectivas a curto e a longo prazo. E aquele sistema contestado convocou, como nos tempos antigos, seus adivinhos e seus sábios, que se empenharam infatigavelmente em demonstrar que aqueles conflitos eram apenas de gerações, no caso dos jovens, e uma guerra de sexos, no tocante às mulheres. Assim, tudo fizeram para mistificar o movimento de protesto dos jovens, o mesmo ocorrendo no que dizia respeito às aspirações e ao compromisso crescente das mulheres.
Com referência à questão feminina, o que pretendiam era impedir a conscientização das mulheres em termos de classe (a opressão é a mesma para a burguesa, a pequena burguesa e a operária), para que não seguissem por “vias perigosas”. E como fazê-lo? Buscaram dar uma nova variante ideológica ao debate sobre a libertação da mulher: o neofeminismo. Nos debates sobre a libertação da mulher e na aplicação prática das soluções aventadas nos mesmos, o neofeminismo se caracteriza por duas tendências: a moderada, aspirando à melhoria das condições da mulher sem questionar a infra-estrutura da sociedade; a radical, exortando a uma “revolução feminina” e predicando a luta contra os homens como complemento de uma mudança social.
As teorias neofeministas têm as suas raízes principalmente nas obras de Wilhelm Reich, Herbert Marcuse, Simone de Beauvoir e Betty Friedan. Reich, Marcuse e Beauvoir partem do princípio de que o marxismo não explica suficientemente a questão feminina, e se concentram, em primeiro lugar, nos fenômenos a nível de consciência. Wilhelm Reich, do qual Marcuse, Erich Fromm e Beauvoir retomam certas ideias, parte da seguinte reflexão: o materialismo histórico investiga as leis dos acontecimentos sociais, mas deixa de lado as leis do comportamento do indivíduo descobertas pela psicanálise. Não prescindem totalmente do marxismo, mas o vinculam à psicanálise, considerando que o indivíduo e a sociedade devem ser estudados independentemente um do outro. E haveria, nesse caso, duas ciências separadas que deveriam ser reunificadas. (De fato, para os marxistas não há um indivíduo separado da sociedade). A questão reside somente em saber qual será o ponto de partida para a investigação científica, isto é, qual o fundamento da correlação indivisível entre o homem e a sociedade. É importante responder corretamente a esta questão porque dela depende outra: o marxismo necessita ser complementado pela psicanálise e, assim, a psicologia não pode ter efetivamente um caráter científico, salvo quando ela se desenvolve de acordo com princípios marxistas. São os chamados marxistas-freudianos que caem em contradição, uma vez que os marxistas consideram que não pode existir uma ciência da sociedade partindo do indivíduo. O indivíduo não pode explicar-se a si mesmo, somente por razões biológicas. Viver, trabalhar, comunicar-se, pensar, não pode ocorrer a não ser em comunidade com outros seres.
Os marxistas-freudianos afirmam ainda que os nossos instintos sexuais fundamentais têm sua satisfação freada sob as condições da família autoritária, e ante essas restrições o indivíduo reage com submissão ou agressividade, indo até a rebelião. Reich chega mesmo ao extremo de deduzir o fascismo dessa situação. Buscando uma porta de saída para empurrar os protestos, assimila e confunde toda a família com a família burguesa; confunde o instinto biológico e o instinto humano, que teve sempre uma necessidade determinada pela sociedade. Para evitar o que poderia ser chamado, no seu caso, de fenômeno, são recomendadas a liberação sexual e a abolição da família, o que lembra certas concepções feministas sobre a família e a sociedade. O que cabe, nesse sentido, criticar?
Se reações tão opostas como a submissão, a agressão e a rebelião têm origem nas frustrações dos instintos, até mesmo o comportamento revolucionário coletivo poderia ser explicado a partir da mesma causa… E como se faria a soma de elementos heterogêneos como a submissão, a agressão e a rebelião? Buscando a causa do fascismo em reações individuais é negado todo o processo de desenvolvimento histórico e suas diversas etapas. Esconde-se que este processo é marcado por crises, como a que antecedeu àquele sombrio período da história da humanidade – expressão das forças mais agressivas, chauvinistas e reacionárias do grande capital, que sempre reagem quando julgam que o seu poder está ameaçado. E têm a possibilidade de seguir tal caminho quando os trabalhadores e outros segmentos da sociedade não estão mobilizados, nem unidos e nem organizados, para impedir tão sinistro empreendimento. Por que o fascismo e o nazismo foram postos na ordem do dia em certos países capitalistas e por que isso não foi possível em outros? Mas Wilhelm Reich, que busca explicar o fascismo como resultado da família, repressora da sexualidade, esquece que a ditadura terrorista aberta pôde ser implantada na Alemanha e não em outros países capitalistas como Inglaterra, França, países escandinavos, etc., onde existia o mesmo tipo de família.
Simone de Beauvoir, em seus escritos, se esforça também para vincular a psicanálise (que considera o ser humano abstratamente, dominado por seus instintos) ao materialismo histórico. Ela nega a relação entre propriedade privada, as relações de produção e a opressão à mulher, mas não explica por que a opressão não frustra apenas a mulher mas também a maioria dos homens. Elabora uma oposição entre o homem e a mulher, deixando de lado a contradição de classes: “Esta história da contradição secundária não é senão uma bela invenção dos homens. A contradição homem/mulher é tão essencial quanto qualquer outra contradição. E, por isso, a noção da prioridade da luta de classes é cada vez mais discutível, inclusive para a esquerda… As lutas de classes? Essas lutas são entre os homens! As mulheres, essas pequenas adoráveis, têm todo o direito de ajudar. Depois são mandadas de volta à cozinha.”
Assim, Beauvoir coloca a mulher à margem, descaracterizando-a socialmente: não pertencem a nenhuma classe. Separa a mulher do contexto das relações humanas e sociais. O companheiro de trabalho que maneja a mesma máquina na mesma fábrica sofre com ela o mesmo tipo de exploração. E se ela ganha menos, por ser mulher, aí, então, surge a especificidade contra a qual deve lutar, mas nem por isso o seu companheiro deixa de ser explorado. Ou deixa? Quando há uma greve, será que ela não deve participar porque está posta à margem da luta de classes? E essa trabalhadora sofre o mesmo tipo de exploração que a mulher do dono da fábrica, que não participa de nenhuma luta e que, por isso, jamais volta à cozinha? E necessitaria ir ou voltar à cozinha, se as reuniões sociais fossem lutas, já que têm sempre empregadas domésticas? Será, por exemplo, que na era neolítica, quando os seres começaram a agrupar-se em povoamentos (as cidades) e surgem o rei e a rainha, o sacerdote e a sacerdotisa etc., não havia já uma diferença entre a rainha e as demais mulheres?
O fato de que uma mulher da chamada “alta classe” tem aspirações diferentes, tanto pelo lugar que ocupa na sociedade como por sua forma de vida e de suas opiniões, escapa inteiramente às concepções de Beauvoir, para quem a libertação da mulher representa sua conscientização enquanto sujeito da condição oprimida, mas em termos individuais. Ela diz: “Somente uma revolução moral e não uma revolução social, política ou técnica estaria em condições de reconduzir o homem à sua verdade perdida”. Não sabemos como seria possível uma revolução moral, sem uma mudança de estruturas, para estabelecer – e isso somente em um longo processo – uma nova moral. Ela também não explica como surgiram ou foram impostos os códigos morais (leis, tabus, tradições, preconceitos religiosos e culturais, etc.) que são expressões das diversas sociedades através dos tempos históricos. Todos esses setores, essas limitações, a existência de determinadas posturas e condições devem ser excluídos do passado, e deixaram de existir, mesmo sob outras formas, no presente?
A resposta foi dada por Clara Zetkin destruindo o “sonho” da irmandade geral das mulheres ricas e pobres, embora reconhecendo o papel progressista do movimento feminino de então, que não visava reformas estruturais: “O movimento feminino burguês está em concorrência com os homens de sua própria classe pela mesma educação, as mesmas possibilidades profissionais e os mesmos privilégios sociais. Por essas coisas, a proletária não teria que lutar. Nada lhe impediu a entrada no trabalho produtivo, na indústria, no comércio e na agricultura. Isso porque o empresário pode utilizar a força de trabalho da mulher, mais barata, contra a dos homens, mais cara, para baixar os salários”.
E, voltando à “verdade perdida” de Beauvoir, indagaríamos: a que verdade se refere? À verdade existente antes da perda do direito materno? Antes da divisão social do trabalho? Se é assim, ela se contradiz quando exige verdade.
Da “revolução moral” fala outra feminista, Helga Horz: “A realização em si mesma”, “o descobrimento do próprio valor”, “o caminho que conduz a uma existência verdadeira não passaria pelo conhecimento da vida social, mas reclamaria uma ação interior”.
Tomando em consideração esses pontos de vista, Beauvoir chama as mulheres a uma negação vis-à-vis dos homens e da maternidade: “Uma mulher deve pôr-se a salvo da armadilha da maternidade e do casamento. A maternidade é uma verdadeira escravidão”. Predica, pois, o rechaço à maternidade, em vez de reclamar contra as más condições sociais que cercam a maternidade de dificuldades, e pelo direito da mulher a uma maternidade consciente.
E como a realidade que nos cerca ainda inclui o casamento e a maternidade, a solução aventada do rechaço não muda nada nas relações humanas, nas relações entre homem e mulher, e na família.
As teses de Herbert Marcuse não somente influíram nos movimentos estudantis, mas também no “Women’s Liberation” (norte-americano), em grupos de mulheres da RFA e em movimentos femininos em outros países. Na opinião de Marcuse, “a existência de um movimento feminino separado de qualquer movimento da sociedade civil é absolutamente necessária, porque as mulheres estão submetidas a uma opressão particular na civilização patriarcal”. Embora ele parta do princípio de que o movimento atuaria no seio de uma “civilização patriarcal”, dentro de uma sociedade dividida em classes, a ligação entre esses dois fatores não deve ser feita, pois a opressão sexual tem prioridade sobre a opressão de classe. Considera Marcuse, criador de um novo “socialismo feminino” no qual “os restos dos elementos marxistas” estão abolidos por falta de “uma continuidade do princípio de eficiência e de seus valores”, que tal “socialismo feminino” implicaria uma “reavaliação dos valores, na negação desses valores impostos e retransmitidos em uma sociedade de dominação masculina”. Mas, perguntamos: como se geraram esses “valores”? São os mesmos para as rainhas e para as chefes de Estado e a massa de mulheres que não tem um valor de outro tipo (o sonante) para comprar o pão de cada dia? São os mesmos para Margareth Tatcher e as mulheres pobres e perseguidas da Irlanda do Norte? Eram os mesmos para Golda Meir e as mulheres palestinas expulsas de suas casas, de sua pátria? Os mesmos para a mulher do primeiro-ministro da África do Sul e as negras de Soweto? Os mesmos para a primeira dama dos Estados Unidos e as mulheres negras vivendo nos guetos? Os mesmos para a Sra. Matarazzo e as trabalhadoras de suas indústrias? Os mesmos para as mulheres dos grileiros e as mulheres dos posseiros? Assim por diante…
Voltemos a Marcuse: “As mulheres sensíveis e ternas – ainda que sejam tão úteis na luta política – sabem, antes de tudo, converter-se em agressivas, com o fim de melhorar sua condição, sob o capitalismo. Quando elas o logram – serem iguais sob o capitalismo – devem pôr mãos à obra e elaborar um socialismo feminino ou feminista, graças às suas qualidades particulares”. Não sabemos como seria possível elaborar um “socialismo feminino”, onde as infra-estruturas permanecessem as mesmas. Uma bi-sociedade: uma para os homens e outra para as mulheres? Como seria na prática? A volta ao direito materno? (Mas se essas correntes não aceitam o direito materno?) E para que elaborar um “socialismo feminino” se haviam logrado no capitalismo todos os direitos? E será que o capitalismo toleraria tal socialismo em suas entranhas, “as entranhas do monstro”, às quais se referia o filósofo e patriota cubano José Martí?
Assim, Marcuse, em seu “socialismo”, não considera a relação entre o surgimento de novas condições e as transformações sociais correspondentes; exagera o caráter absoluto das condutas, separando-as de seu contexto social e nega a estreita conexão existente entre o processo de transformação da sociedade e o processo de transformação das mentalidades, das consciências.
Também Simone de Beauvoir considera, em primeiro lugar, a libertação da mulher, no domínio individual: “A libertação da mulher não pode ser um produto derivado das novas instituições e deve elaborar-se em sua própria individualidade: a libertação da mulher começa no lar, antes de abarcar a sociedade em seu conjunto”. Deixa, no entanto, de precisar como isso se efetiva, e que fatores seriam necessários para lograr tal liberdade?
Voltemos ainda a Marcuse. Ele considera a mulher como um elemento revolucionário e fala da “função revolucionária do princípio feminino, na reconstrução da sociedade”. As teses de Marcuse sobre os valores “femininos positivos” – que não são, de fato, senão o complemento dos valores “masculinos” e permanecem no marco das relações patriarcais da família burguesa – foram adotadas por alguns grupos feministas.
Betty Friedan exerceu uma influência considerável na “Women’s Liberations”, organização norte-americana. Representou o neofeminismo moderado e fundou a “Now-National Women Organization”, em 1966. Em seu livro A mística feminina chamou a atenção sobre a situação das donas de casa e das mães de família pertencentes às camadas médias da sociedade dos Estados Unidos. Betty Friedan vê na situação excludente da mulher até a sexualidade a causa da discriminação da mulher norte-americana: a exaltação das funções de mãe e de esposa, agravada pela educação e pela sociedade de consumo, na qualidade de membro ativo da sociedade: “Não é difícil distinguir os elementos concretos que frustram as donas de casa dos arredores da cidade e roubam cotidianamente seu tempo; mas as cadeias que as mantêm prisioneiras estão enraizadas em seus sentimentos. São as cadeias dos conceitos mais correntes, de fatos falsamente interpretados, de verdades imperfeitas e de decisões estranhas à realidade. Não é fácil reconhecer e rechaçar”. Friedan descreve de forma pertinente a situação das mulheres que ocuparam os empregos dos homens durante a Segunda Guerra Mundial e depois foram devolvidas ao lar, após o retorno dos soldados, porque não havia mais necessidade delas. E, para ajudá-las a aceitar esse novo papel, houve a difusão ideológica da mística feminina. Não obstante, ela não pesquisa as causas reais de uma tal ideologia. Mantém-se no marco dos fenômenos aparentes do sistema, sem explicá-los. E propõe como solução a elaboração de um programa de vida individual – ponto de partida da liberação da mulher, sem chegar às transformações sociais. “O único tipo de trabalho que permite a uma mulher dotada realizar-se plenamente, encontrar sua identidade na sociedade, conforme um sistema de vida que inclua, igualmente o matrimônio e a maternidade – por ironia do destino – é o que propõe a mística feminina: a participação na arte ou na ciência, na política ou nas profissões liberais”. Assim, as reflexões de Friedan não levam em conta senão os interesses de algumas mulheres da média burguesia. Seu “plano de vida” é alheio à situação das trabalhadoras e da maior parte das donas de casa.
A feminista Shulamit Firestone (Estados Unidos) escreve: “A análise presente realizada pela esquerda está superada e é superficial para as feministas radicais, porque essa análise não conduz à sociedade econômica de classes, às suas origens na sociedade ‘sexual de classes’, que é o modelo de todas as sociedades exploradoras”. Tal teoria pretende definir as mulheres como classe, mas em termos sexuais, e as opõe à classe dos homens, ou seja, à classe exploradora. E acrescenta: “Na família biológica há uma distribuição enraizada e desigual do poder. Esta aspiração ao poder que leva à formação de classes provém do desenvolvimento psíquico-sexual do indivíduo em razão de seu desequilíbrio elementar”. Assim, Firestone afirma que a luta entre os sexos é a força motriz de todos os acontecimentos históricos, e reclama não somente a abolição dos privilégios masculinos, mas também a das diferenças de sexos. Propõe uma revolução sexual mais ampla do que a revolução socialista. Nessa “revolução”, para superar as diferenças de sexo, a força do pensamento e da ação revolucionária deve residir nas mulheres. Se as opiniões de Firestone fossem válidas, poderíamos concluir que as diferenças biológicas devem ser superadas e as sociais devem permanecer.
Aliás, Alice Schwarzer diz isso muito claramente: “[…] a definição das classes não convém às mulheres. A exploração primária das mulheres – trabalho doméstico, educação das crianças, atenção ao homem e seu trabalho específico – alcança as diferenças de classes – nem a raça e nem a classe social – e determina a vida humana tanto como o sexo”. As contradições de classe no capitalismo são simplesmente ignoradas ou minimizadas, colocando-se em evidência outras contradições antigas ou novas, objetivamente existentes ou inclusive inventadas; em todo o caso não são essas jamais as contradições mais importantes. Confundem-se conceitos como classe, raça ou sexo: “O modelo patriarcal é o fundamental, a partir do qual funciona outros mecanismos de dominação: o racismo, o capitalismo e o imperialismo. Ele mostra a correspondência entre a polarização masculino/feminino e os valores sociais atribuídos à mesma (forte, débil, etc.), por uma parte, e certos estereótipos culturais, por outra, a respeito dos quais os dirigentes classificam as minorias, as classes e os povos”.
Todas essas afirmações não reconhecem o nexo entre o racismo, o fascismo e o patriarcado, e os sistemas dominantes. A análise se limita às manifestações do capitalismo consideradas como totalmente autônomas. Fala-se, então, do interesse “capitalista-patriarcal” dos homens. Terá o operário um interesse capitalista em oprimir sua mulher? Que benefício obteria com isso? Que ganharia com a discriminação salarial de sua mulher, que implicaria a redução do orçamento familiar? Será que a diferença entre os lucros dos donos das múltis e os salários dos operários dessas múltis é tão pequena, em relação à diferença entre o trabalhador e a trabalhadora? Não considerando o homem como ser social, a competição e o lucro, por exemplo, são caracterizados como valores masculinos (e ignoram as funções desses valores como sistema capitalista, tanto no que respeita à produção como aos lucros auferidos). No entanto, as mulheres, como os homens, estão submetidas a mecanismos de opressão que o sistema lhes impõe. Por isso, considerar isoladamente essas opressões, como o fazem algumas correntes e personalidades feministas, sem explicar a relação entre a discriminação da mulher e a propriedade privada, entre a exploração e a opressão, indireta e lamentavelmente estão alimentando o sistema.
Foram essas teorias que através de grandes frases ditas revolucionárias e com grande ressonância nos meios de comunicação de massas (era claro o interesse do sistema) tiveram – e têm – uma grande influência sobre o neofeminismo dos anos 60.