Trecho do livro “O Horizonte Comunista” de Jodi Dean publicado no site Guernica.
Clique aqui para acessar o texto original.
Tradução de Andrey Santiago.
As tecnologias de informações em rede tem sido meios pelos quais as pessoas estão sendo submetidas a intensiva competitividade do capitalismo neoliberal. Participando das redes sociais de modo entusiasmado – Eu tenho internet banda-larga em casa! Meu novo tablet me deixa fazer meu trabalho em qualquer lugar! Com meu smartphone, eu estou sempre sabendo o que está acontecendo! – nós construímos uma armadilha que nos captura, uma armadilha que se estende para além do uso global de telefones celulares e participação nas redes sociais em direção a cobertura da produção destes telefones e o hardware necessário para sustentar essas redes.
O investimento nas tecnologias de informação nos anos noventa levou a bolha do pontocom, alimentando a emoção pela Nova Economia, gerando capacidade em excesso, e levando a um não discernível aumento na produtividade em relação aquela da indústria high-tech. Mesmo após o estouro da bolha, a retórica da Nova Economia continuou a exaltar a digitalização para permitir que o capitalismo superasse suas contradições.
Doug Henwood acusa esse discurso por apelar para impulsos utópicos em temos anti-utópicos: “Acha que o capitalismo é muito controlador? Não, ele é espontâneo! Muito desigual e explorador? Não, ele subverte hierarquias! Vulgar, brutal, desqualificador e mercenário? Au contraire, é criativo e divertido! Instável? Não, esse é só o milagroso dinamismo em ação!”
Amplamente celebradas por fazer o trabalho ser divertido, inspirar a criatividade e abrir oportunidades empreendedoras, as informações em rede e a tecnologia de comunicações contribuíram para a produção de novas iniciativas baseadas em conhecimento. Seu legado mais proeminente, entretanto, tem sido a amplificação da desqualificação, monitoramento, e a aceleração e intensificação do trabalho e da cultura: a liberdade de “telecomunicar” rapidamente se metamorfoseou em uma corrente de disponibilidade 24h por dia 7 dias por semana, um trabalho permanente. Descrevendo a contradição chave do capitalismo comunicativo, Franco Berardi escreve, “Se você quer sobreviver você tem que ser competitivo e se você quer ser competitivo você deve estar conectado, receber e processar continuamente uma imensa e sempre crescente massa de dados”, e assim ficar sob uma constante e destruidora pressão para continuar de pé, ficar alerta e se manter motivado. As tecnologias de comunicação tornaram o capitalismo aceitável, animador, e legal, imunizando a suas críticas ao apontar os críticos enquanto tecnofóbicos antiquados. Ao mesmo tempo, essas tecnologias fornecem os componentes básicos necessários para a aceleração do capitalismo pelo neoliberalismo, sem mencionar as várias diversões super-legais que permitem as pessoas se sentirem radicais e conectadas enquanto brincam com seus laptops.
As tecnologias de comunicação contribuem para o deslocamento e a dispersão da energia crítica, de tal maneira que embora a desigualdade tenha se intensificado, formar e organizar uma oposição coerente tem sido um problema persistente – e isto em um ambiente exaltado pelo jeito que providencia ao cidadão comum novas capacidades de envolvimento. A mídia participativa está personalizando a mídia, não apenas no sentido do monitoramento e rastreamento, mas também no sentido de injunção pela procura individual e o compartilhamento da opinião individual. A onipresente mídia de comunicação pessoal torna nossa atividade em passividade, capturando-a e colocando-a em serviço do capitalismo. Indignados, engajados, desesperados para fazer algo, procuramos por evidências, questionamentos e fazemos demandas. Ainda assim, a informação que precisamos para agir parece estar perpetuamente fora de alcance; sempre há algo que não entendemos ou não conhecemos.
A miríade de entretenimento e diversões disponíveis online, ou aplicativos para smartphones, não são gratuitas. Normalmente não pagamos diretamente para o Gmail, Youtube, Facebook e Twitter. Estes sites não custam dinheiro. Eles custam tempo. Leva-se um tempo para escrever e postar e tempo para ler e responder. Nós pagamos com atenção e o custo é o nosso foco.
Nossa atenção não é sem limites. Nosso tempo é finito – mesmo que busquemos extrair valor de cada segundo (não temos tempo a perder). Não podemos responder a cada comentário, clicar em todo link, ler toda publicação. Nós temos que escolher até mesmo a possibilidade de alguma coisa, algo maravilhoso, que nos atrai para pesquisar e permanecer. Demandas por nossa atenção, injunções para nos comunicarmos, participar, compartilhar – cada vez mais estridentes e intensas – são como tantas acelerações na linha de produção, tentativas de extrair de nós o que restou de nossa mentalidade.
Berardi teoriza essas acelerações como a supersaturação da atenção: “A aceleração produzida pelas tecnologias de informações em rede e a condição de precariedade e dependência sob o trabalho cognitivo, forçado do modo que é para se submeter ao ritmo do trabalho produtivo, tem produzido uma saturação da atenção humana que chegou em níveis patológicos”. Ele conecta o aumento da depressão, ansiedade, síndrome do pânico e o uso de remédios farmacêuticos psíquicos a essa aceleração, enquanto a psique humana e os cérebros chegam em seus limites e oscilam entre a hiper-animação de energia nervosa mobilizadora e a reclusão e desinvestimento. Pesquisas recentes em neurociência confirmam que as incessantes injunções para procurar, conhecer, escolher e decidir estão sobrecarregando e exaustando nossas capacidades cognitivo-emocionais básicas. Como o sumário desta pesquisa explica: “Não importa o quão racional e entusiasmado você tente ser, você não pode tomar decisões atrás de decisões sem pagar um preço biológico. É diferente de uma fadiga física ordinária – você não está conscientemente ciente de estar cansado – mas você estará com uma baixa energia mental. Quanto mais escolhas você faz durante o dia, mais difícil elas vão ficando para seu cérebro, e eventualmente ele irá procurar por atalhos, normalmente de duas maneiras bem diferentes. Um atalho é se tornar imprudente: agir impulsivamente em vez de despender toda energia para pensar primeiro sobre as consequências (Claro, tweet essa foto! O que poderia dar errado?). O outro atalho tem a melhor economia de energia: fazer nada. Em vez de agonizar pensando sobre decisões, evite qualquer escolha.”
Os circuitos comunicativos do capitalismo contemporâneo são loops de direção, nos impelindo, para frente e para trás por meio da animação e exaustão. Quanto mais contribuições fazemos, mais expandimos o campo em que outros tem que decidir: responder ou ignorar? De qualquer forma uma escolha tem que ser feita e quanto mais escolhas alguém fizer, mais exausta essa pessoa estará.
Quando respondemos a esses convites e incentivos em nossas timelines, tanto como parte de nosso trabalho, nossa diversão, nossa militância, ou prática consumista, nossa contribuição é uma adição para um campo comunicativo já infinito, uma pequena demanda para a atenção de alguma pessoa, um pequeno incentivo para uma resposta afetiva, um traço digital que pode ser armazenado – e assim por diante em diante.
O custo desse circuito de informação e comunicação que se expande exponencialmente é particularmente alto para os movimentos progressistas e de esquerda. Competir por atenção – como fazemos nossa mensagem ir além? – em um rico e tumultuado ambiente de mídias e facilmente se adaptar a esse ambiente e fazer sua dinâmica se tornar nossa, pode resultar num deslocamento do foco de fazer para aparecer, isto é, uma mudança para o pensamento em termos de conseguir atenção no ciclo 24/7 da mídia, longe das grandes questões de construção de um aparato político com duração. Infinitas demandas sob nossa atenção – demandas que fazemos uns sob os outros e que o capitalismo comunicativo captura e amplifica – expropriam as energias políticas do foco, da organização, da duração, e da vontade que são vitais para o comunismo enquanto movimento e luta. Não se admira que o capitalismo comunicativo é participionista: quanto mais participação nos ambientes de mídias em rede, mais traços para acumular e energias para capturar e dispersar.
Os limites da atenção não são apenas os limites dos indivíduos (e assim poderiam ser resolvidos pela distribuição do trabalho e pelo crowdsourcing). São os limites que fazem as comunicações possíveis, em, por exemplo, distinções entre sinais e ruídos, como também entre as características de nossos hábitos, ambientes e processos que dirigem nossa atenção e dessa forma produzem as circunstâncias da comunicação. Os limites da atenção são comuns. O comum atualizado nas redes de informações das comunicações contemporâneas é em si um meio de expropriação. A superprodução e superacumulação do comum, então, são problemas únicos do capitalismo comunicativo. Como Chistian Marazzi poderosamente demonstra, “a desproporção entre a oferta de informação e a demanda por atenção é uma contradição capitalista, uma contradição interna da forma-valor.”
O fato dos limites da atenção aponta para a divisão inseparável da comunicação: ideias e afetos não são infinitamente transferíveis, acessíveis, comunicáveis. Michael Hardt erra nisso quando argumenta que o compartilhamento de ideias aumenta em vez de diminuir a sua “utilidade”. Ele argumenta que “para realizar a sua máxima produtividade, ideias, imagens, e afetos devem ser comuns e compartilhados. Quando são privatizados sua produtividade reduz drasticamente.” Se produtividade significa “capacidade para circular” ou “transmissibilidade em uma variedade de setores,” então aumentos na produtividade (circulação) levam ao declínio em especificidade, precisão, significado e registro. Presentes em um mais amplo e diferenciando ambiente, para as cada vez mais variadas audiências, as ideias mudam. Isto em parte pelo prazer de juntar clipes de áudio e vídeo – sons e imagens tem novos significados, e se tornam diferentes do que eram antes. Marcas, logos, imagens e identidades perdem sua capacidade única de significante quando se estendem amplamente, muitos itens diferentes com muitos valências diferentes – exatamente o porquê corporações lutam para mantê-las privadas. Se tudo for Nike, então ser Nike não significa nada. Para ser clara: eu não estou defendendo direitos de propriedade para ideias e imagens. Ao contrário, estou apontando que não a sua privatização que alimenta a produção capitalista, mas o oposto, nominalmente, sua proliferação em uma fluxo massivo que circula cada vez mais contribuições sem valor na medida em que cada uma comande menos e menos atenção. A contradição é particular ao capitalismo comunicativo porque a comunicação não pode ser expandida exponencialmente como uma forma de produção capitalista. Ela se volta contra os limites inerentes a comunicação enquanto tal.
Cesare Casarino argumenta que a potencialidade é comum. Enquanto a potencialidade é completamente embutida no capitalismo, ela não pertence ao capitalismo. Ela não pertence a ninguém. Mas Casarino se move rapidamente para ligar a potencialidade a um comum que excede o alcance do capitalismo. O capitalismo comunicativo se apropria do excesso, do excedente, da abundância. Sua direção nos impele para extras e mais, novas oportunidades, prazeres nunca vistos, chances, riscos que ninguém mais irá tomar, as mesmas chances e riscos que derivativos se comodificam e que o altos financeiros especulam. O capitalismo contemporâneo securitiza, monetiza e privatiza o potencial. Faz isso através de uma excessiva geração de dívida (seja dos indivíduos, moradias ou estados); por meio do papel ampliado do capital especulativos em gerar o lucro corporativo; por meio da premeditação de eventos em que enormes quantias de energia e atenção são focalizadas sob o que pode ou vai acontecer; e por meio do incentivo para o trabalho criativo voltado a produção individual. O potencial é a lacuna no real, a diferença na qual vale a pena explorar e apostar, conforme ilustrado pela arbitragem e negociações de alta velocidade das quais tantos fundos de hedge dependem.
Assim como o trabalho industrial expropriou a habilidade artesanal, quebrando-a em seus menores componentes e distribuindo esses componentes por meio da mecanização e das linhas de montagem, o capitalismo comunicativo participa da desapropriação de nossos conhecimentos e capacidades anteriormente comuns. Chips e processadores de computador, telefones celulares e tocadores de MP3 são os principais componentes da expansão e aceleração do descartável. Os computadores estão obsoletos em menos de três anos; telefones celulares tornam-se antiquados (se não obsoletos) em cerca de dezoito meses. Não aprendemos como consertá-los, esquecendo que isso é algo que já conhecemos. A capacidade de consertar itens de uso diário também diminuiu. A suposição é que podemos simplesmente comprar um novo. Claro, esse já era o caso com a rápida expansão dos produtos domésticos após a Segunda Guerra Mundial. As famílias de classe média nos EUA e no Reino Unido tornaram-se menos propensas a fazer as coisas de que precisavam – roupas, móveis – e, em vez disso, compraram. As pressões sobre as famílias para obter renda, mesmo enquanto criam os filhos e participam do cuidado de outras pessoas, significaram uma maior dependência de alimentos para viagem, alimentos rápidos e congelados, com uma diminuição correspondente na capacidade de preparar e cozinhar alimentos frescos. A cultura popular contemporânea destaca a expropriação de capacidades que muitos da classe média e ex-classe média experimentam atualmente. Os especialistas em televisão fornecem orientação sobre a organização doméstica, habilidades básicas de cozinha e como se relacionar com outras pessoas.
As tendências neoliberais no ensino superior estendem essa dinâmica à universidade: em uma sociedade sem competências, quem precisa de um diploma? O capitalismo não requer mais uma classe média qualificada e educada, portanto, a educação universitária em massa não é mais necessária. Não são necessárias tantas pessoas quanto temos para atender o 1% mais importante, então a maioria de nós não é mais necessária (exceto como o campo do qual aquele pode emergir). Em um ambiente que reduz a educação ao conhecimento, o conhecimento à informação e a informação aos dados, somos informados de que podemos descobrir tudo o que quisermos pesquisando no Google.
Em suma: as coisas fazem isso por nós para que não tenhamos que fazer. Não precisamos de professores para nos dizer, ou pelo menos não muitos – algumas grandes universidades provavelmente podem fornecer todos os advogados, cientistas, banqueiros e romancistas de que um país precisa (e se não, bem, há uma elite global a partir da qual desenhar). Terceirizamos habilidades básicas – ou elas foram expropriadas de nós.