Artigo retirado do livro “Mariátegui Obras Completas – Tomo I”.
Publicado em 1925.
Traduzido do espanhol por Pedro Magalhães.
O renascimento do judaísmo tem provocado no mundo um renascimento do antissemitismo. À ação judaica responde a reação antissemita. O antissemitismo, domesticado durante a guerra pela política da “União Sagrada”, tem recuperado violentamente no pós-guerra sua antiga virulência. A paz o tornou guerreiro. Esta frase pode parecer de um gosto um pouco paradoxal, mas é fácil se convencer de que ela traduz uma realidade histórica.
A paz de Versalhes, como é bastante notório, não satisfez nenhum nacionalismo. O antissemitismo, como não é menos notório, se nutre de nacionalismo e de conservadorismo. Constitui um sentimento e uma ideia das direitas. E as direitas, nas nações vencedoras e nas nações vencidas, têm se sentido mais ou menos excluídas da paz de Versalhes. Contrariamente, reconheceram na trama do tratado de paz algumas discussões internacionalistas. Reconheceram ali, atenuada, mas inequívoca, a inspiração das esquerdas. As diretas francesas têm denunciado a paz como uma paz judia, uma paz puritana, uma paz britânica. Não têm tido medo de se contradizer em todas estas sucessivas ou simultâneas qualificações. A paz – disseram – tem sido ditada pela bancada internacional. A bancada internacional é, em grande parte, israelita. Sua principal sede é em Londres. O judaísmo entrou, numa forte dose espiritual, na formação do puritanismo anglo-saxão. Consequentemente, não há nada de estranho que os interesses israelitas, puritanos e britânicos coincidam. Sua convergência, sua solidariedade explicam porque a paz é, ao mesmo tempo, israelita, puritana e britânica.
Não sigamos aos escritores da reação francesa no desenvolvimento de sua teoria que remonta, por caminhos confusos e abstratos, às mais distantes origens do puritanismo e do capitalismo. Contentemo-nos em constatar que, por motivos precisamente mais simples, os autores da paz admitiram no legado algumas reivindicações israelitas.
O tratado reconheceu os direitos acordados às minorias étnicas e religiosas para as massas judias da Polônia e Romênia, dentro dos Estados que aderiram à Liga das Nações. Em virtude desta estipulação, ficava, do nada, abolida a desigualdade política e jurídica que a persistência de um regime medieval sobre o qual eram mantidos os israelitas nos territórios da Polônia e Romênia. Na Rússia, a revolução já havia aniquilado essa desigualdade. Porém, a Polônia, reconstituída como nação em Versalhes, havia herdado do czarismo seus métodos e seus hábitos antissemitas. A Polônia, além disso, possuía a maior população hebreia do mundo. Os israelitas – condenados aos seus ghettos, segregados cuidadosamente da sociedade nacional, submetidos a um pogrom[1] permanente e sistemático – somavam mais de três milhões.
Em lugar nenhum existia, portanto, com tanta intensidade, uma questão judaica. Em nenhuma das nações, as resoluções de Versalhes a favor dos judeus suscitavam, pelo mesmo motivo, uma maior agitação antissemita. O papel da Polônia na política europeia do pós-guerra na política europeia do pós-guerra permitiu que o poder caísse nas garras do antissemitismo. Colocada sob a influência e direção da França, quando a reação dominava na França, a Polônia recebeu a função de defender e preservar o Ocidente dos vazamentos da revolução russa. Essa política precisou achar apoio nas classes conservadoras e se alimentar dos seus preconceitos e rancores antijudeus. O hebreu se tornava invariavelmente suspeito de inclinação ao bolchevismo.
A Polônia é, até hoje, o país do mais brutal antissemitismo. Lá, o antissemitismo não se manifesta somente na forma de pogroms realizados por multidões jingoístas[2]. O governo é o primeiro a resistir às obrigações de paz. Uma recente informação da Polônia fala sobre: “O antissemitismo governamental e social parece se acentuar na Polônia. Até então, as leis de exceção legadas à Polônia pela Rússia czarista não foram revogadas.”
Outro foco ativo de antissemitismo é a Romênia. Este país contém igualmente uma forte minoria israelita. As perseguições têm causado um êxodo. Uma grande parte dos imigrantes que entram na Palestina procedem da Romênia. O número de israelitas que ficam na Romênia se aproxima, no entanto, a 750.000. Como em toda Europa, os hebreus compõem, na Romênia, um estrato urbano. Além disso, na Romênia, como em outras nações da Europa Oriental, a legislação e a administração se inspiram principalmente nos interesses das classes rurais. Não por isso os judeus são menos combatidos dentro das cidades, bastante saturadas naturalmente de sentimento campesino. O nacionalismo e o conservantismo romenos não os permitiu conceder o direito à cidadania, o acesso às profissões liberais. O ódio antissemita monta sua guarda nas universidades. Encarna-se contra os estudantes israelitas. Reivindica a adoção do Numerus Clausus, que consiste na restrição ao mínimo da admissão de israelitas nos estudos universitários.
O Numerus Clausus regula desde muito tempo na Hungria, onde um período de terror antissemita seguiu a derrota da revolução comunista. A perseguição de camaradas, não menos feroz que a perseguição de cristãos do Império Romano, se caracterizou por uma série de pogroms. Os judeus, sob este regime de terror, perderam praticamente todo direito a proteção das leis e dos tribunais. A eles era dada a responsabilidade da revolução soviética. Um israelita, Bela Khun, não tinha sido o presidente da República Socialista Húngara? Este feito parecia suficiente para condenar toda a raça judia a uma repressão truculenta. Apesar do tempo que passou desde então, o furor antissemita ainda não se acalmou. O fascismo húngaro lança periodicamente suas legiões contra os judeus. Seus excessos – cometidos em nome de um cristianismo hipócrita – tem provocado ultimamente um protesto fervoroso do Cardeal Csernoch, Príncipe Primaz da Húngria. O Cardeal negou indignamente aos autores desses “atos abomináveis” o direito de invocar o cristianismo para justificar os seus excessos. “Do alto deste trono milenar,” disse, “esbravejo que são homens sem fé nem lei.”
Na Europa Ocidental, o antissemitismo não tem a mesma violência. O clima moral, o meio histórico, são distintos. A questão judaica se apresenta de formas menos agudas. O antissemitismo, ademais, é menos potente e extenso. Na França, encontra-se localizado no reduzido, apesar de vociferante setor da extrema direita. Seu lugar é a L’Action Française. Seu pontífice sumo, Charles Maurras. Na Alemanha, onde a revolução suscitou uma fermentação antijudia, o antissemitismo não prevalece exceto em dois partidos: o Deutsche National[3] e o fascista. O racismo que tem seu maior condottiere[4] em Ludendorff que vê no socialismo uma elaboração diabólica do judaísmo. Porém, na mesma direita, um vasto setor não leva estas superstições a sério. No Volks Partei[5] milita quase toda a plutocracia – industrial e financeira – israelita.
A reação, em geral, tem, entretanto, em todo o mundo, uma tendência antissemita. Israel combate nas frentes da democracia e da Revolução. Um escritor antissemita e reacionário, Georges Batault, resume a situação nesta fórmula: “Enquanto os judeus internacionais jogam duas cartas – Revolução e Sociedade das Nações –, o antissemitismo joga a carta nacionalista.” O mesmo escritor acrescenta que é possível esperar do sionismo uma solução para a questão judaica. Os nacionalismos europeus trabalham para criar um nacionalismo judaico. Porque pensam que a constituição de uma nação judaica livraria o mundo da raça semita. E, sobretudo, porque não podem conceber a história senão como uma luta de nacionalismos inimigos e imperialismo beligerante.
[1] Nome dado aos motins contra judeus na Rússia czarista. Hoje, se aplica a toda perseguição contra os judeus.
[2] Nota do Tradutor.: O jingoísmo é uma forma de ufanismo agressivo, belicoso e arrogante, gestado na Grã-Bretanha, onde se blasonava o Reino Unido em detrimento de outras nações, a ponto de considerar função do Reino Unido civilizar estas nações ditas inferiores.
[3] Alemão Nacional.
[4] N.T.: Chefe de milícia.
[5] Partido do Povo.