Texto por Adelar João Pizetta.
Retirado do Caderno de Formação do MST intitulado “Método de Organização: Construindo de um novo jeito”, disponível aqui.
Transcrição por Andrey Santiago.
Precisamos saber fazer bem todas as tarefas da luta e da organização, tanto internamente no Movimento, como quando iremos representa-lo em outros espaços, em todas as situações, por mais adversas que sejam: uma conversa pessoal, uma negociação, uma discussão mais aprofundada, uma palestra na Universidade, um discurso para a base, para outros públicos, uma entrevista, enfim, tudo o que se refere à comunicação é uma arte, isto é, exige habilidades, conhecimentos e exercícios práticos.
As orientações que apresentamos a seguir, são apenas alguns elementos relacionados com a prática do discurso e da fala em público, mesmo porque, não existem receitas acabadas. Cada militante deve escolher o seu estilo, exercitá-lo, aperfeiçoá-lo e, para os militantes iniciantes, essas recomendações podem ser muito úteis.
Com certeza existem outras orientações e a própria prática de grandes lideranças de massa podem nos orientar nesse processo, reafirmando que: Só se aprende fazer discurso, fazendo. E, se não sabemos fazer, provavelmente é porque não tivemos oportunidade, pois, capacidade todos nós possuímos, basta desenvolvê-la por intermédio do exercício prático.
1 – É preciso preparar
Já vimos que todas as tarefas devem ser preparadas, planejadas antes de serem executadas. Existem estudos que demonstra que o sucesso nas atividades reside, em grande medida, na preparação. Ou seja, não basta apenas fazer, é preciso saber aprender fazer, para fazer bem. Portanto, o primeiro aspecto importante é que devemos ter a preocupação de preparar. Não podemos apenas confiar que na hora tudo dará certo, agir sempre de improviso, devemos pensar naquilo que vamos realizar para que saia o melhor possível. Só faça de improviso aquilo que o imprevisto exigir e mesmo assim, esforce-se para fazer o melhor.
No caso da fala em público e do discurso, devem ser preparados para que se transmita com eficiência e clareza a mensagem que desejamos. Não basta apenas pronunciar palavras agitando o público. A mensagem a ser transmitida é que deve ser assegurada, pois do contrário não terá efeitos práticos. Pode-se escrever o discurso como forma de prepará-lo, outros podem ler antes e dar sua opinião. Nesse caso, não se preocupe em decorar pois pode dar problema na hora de falar.
É importante ter claro: o tema do discurso; os objetivos que pretende alcançar com a intervenção; as fontes de pesquisa para a argumentação e seguir um plano de preparação básico. A propósito de orientação, poderá ser:
1.1 – Introdução
É o momento de captar a atenção, de estabelecer uma sintonia com o público, que precede o discurso propriamente dito. É o momento que prepara o ambiente, o público para a mensagem que queremos e iremos transmitir. Aqui, de forma indireta se apresenta o tema que vai ser desenvolvido no discurso. Existem vários métodos que podem ser usados, após ter cumprimentado e valorizado o público presente:
a) Emocionar o público: Consiste em citar um fato pouco comum e vivo, que atraia a atenção dos ouvintes e provoque aplausos;
b) Apelar aos interesses diretos do auditório: O orador se preocupa com o estado físico dos ouvintes, com o estado emocional, etc;
c) A apresentação de um problema: O orador pode apresentar uma questão difícil, um problema que provoca o público, os faz pensar, desperta o interesse pois se trata de buscar uma solução;
d) Fazer referência a acontecimentos, ao momento e lugar: O orador dedica suas primeiras palavras para comemorar determinada data ou acontecimento histórico, ocorrido no local, região, país ou até no mundo;
e) Recorrer a personalidades: No início da falação, o orador pode mencionar o nome de uma pessoa destacada, inclusive, pronunciar uma frase desse pensador, etc.;
f) Recorrer a fontes conhecidas de informação: Pode utilizar uma frase, fazer referência a uma notícia que foi publicada numa revista, num jornal conhecido, ou mesmo na televisão, etc.;
g) Recorrer à própria personagem do orador: Falar de si mesmo é um poderoso método de atenção para estabelece contato com o público, desde que a pessoa que vai falai tenha uma trajetória e o faça com muita modéstia.
1.2 – Transmissão da Mensagem
Aqui vem o corpo do discurso, o conteúdo, a mensagem que nos propusemos a transmitir. É o desenvolvimento do assunto que deve ter um raciocínio e sequência lógica, de maneira que o público consiga acompanhar e entender essa mensagem. É o momento da denúncia, da empolgação, da conscientização, do chamamento, da motivação, que deve estar ligada à parte anterior — a introdução. Aqui é importante não deixar nada de fora e nem colocar coisas demais, que ao invés de esclarecer e motivar, acaba confundindo o público. Algumas orientações para ajudar na preparação:
a) Observar para que tenha uma estrutura lógica;
b) O discurso deve ser estruturado em forma de uma cadeia de antecedentes e consequentes, isto é, sempre que menciona algo, dá a explicação logo em seguida;
c) Ao passar de um tópico para outro, de uma parte para outra, deve manter a atenção do público, caso contrário, verás a dispersão e conversas paralelas; d) O conteúdo, a temática do discurso deve ser interessante, importante para os que estão ouvindo e de domínio público de quem está falando.
1.3 — Conclusão
Todo o discurso deve ter um fechamento da mensagem.
Não pode terminar uma fala sem o público perceber que você está concluindo, ou seja, é o momento de amarrar e firmar as propostas, firmar as ideias chaves do conteúdo da mensagem; é o momento de concluir o raciocínio que estava desenvolvendo. Alguns métodos que podem ser utilizados:
a) Fazer uma breve repetição (destacar) dos problemas, das grandes questões apresentadas na parte central do discurso;
b) Apresentar as tarefas concretas que o público terá que assumir, enumerando uma a uma, esclarecendo-as sinteticamente — pois já explicou de forma detalhada durante a parte central do discurso;
c) Esclarecer as perspectivas, antecipando o futuro, as conquistas e também as deficiências, dificuldades que serão encontradas no processo, mas que, serão superadas com o empenho de todos, dando um caráter otimista (sem exageros), com uma visão realista do processo;
d) Um final ilustrativo, empregando uma frase bonita, marcante, uma frase de uma personalidade, de um lutador destacado, capaz de emocionar o público, que responderá com muita animação;
e) As últimas palavras devem ser bem fortes, marcantes, porque elas se tornarão um convite para que te ouçam novamente. Esses três momentos, no ato de pronunciar o discurso, [não devem ser pronunciados. Por exemplo, não há necessidade de dizer que você irá concluir a fala. O público deverá perceber o término através do rumo, da conclusão da mensagem que estava transmitindo. Mas devem estar interligados na preparação porque dão corpo ao discurso: Do que você vai falar aparece na introdução (preâmbulo); o que falou aparece na transmissão da mensagem (parte central) e, do que você falou aparece na conclusão. Essa é uma regra muito importante e prática.
2 — Execução — a prática do discurso
Esse é talvez, o momento mais difícil para a maioria dos militantes. Principalmente para os iniciantes, as sensações são as mais diversas, desde tremedeira, calafrios, “brancos”, palavras que engasgam, etc. Tudo isso é natural, mas, através do exercício vai se superando a timidez, a insegurança e em seu lugar vem a firmeza, a tranquilidade, de maneira que falar em público se torne natural.
Para auxiliar nesse processo, algumas orientações (recomendações) podem ajudar:
2.1— O microfone
É comum em grandes eventos, utilizar o microfone. Muitos nunca usaram e se assustam ao perceber a sua voz sair diferente nas caixas de som. É importante não se importar com isso. Comece a falar sem preocupação, procurando manter o microfone a alguns centímetros de distância da boca. Essa distância está relacionada à potência e qualidade do som, mas, sempre é bom manter uma distância, do contrário a voz fica muito abafada.
É importante constatar se o microfone está ligado antes de começar a falar. Se acaso acontecer microfonia (barulhão enorme), mantenha a calma, olhe para o técnico de som e espere que o problema seja solucionado. Ficar nervoso é pior;
2.2 -A voz
Ninguém deve se preocupar muito com o tipo de voz, pois existem muitas diferenças, algumas mais agradáveis, outras menos. O que importa aqui, é falar com entusiasmo, com convicção, com auto-estima, com alegria ou com raiva, colocando o coração naquilo que se fala. Aquele que está ouvindo, presta atenção no que é dito e na convicção com que se diz, por isso, é importante modificar o tom de voz, de acordo com o assunto em desenvolvimento;
2.3 — O nervosismo
Se antes de iniciar o discurso você se sente nervoso, relaxe, respire profundamente três a quatro vezes, isso ajudará recuperar o equilíbrio e o tom da voz. Se preferir, pode segurar alguma coisa (caneta, o microfone) na mão enquanto fala, ou, contrair as mãos enquanto fala;
2.4 -A posição do corpo
O corpo também fala, expressa impressões, sentimentos, expectativas. Durante o discurso os gestos ajudam muito; as palavras sairão com mais ênfase e melhora a entonação de maneira que pode expressar melhor aquilo que está querendo dizer. Não fale nunca com os braços cruzados, nem com as mãos nas costas ou nos bolsos, ponha todo o corpo em atitude dinâmica.
Não ande muito para os lados, é recomendável ir para a frente sempre que o assunto é mais interessante (algo novo); os pés podem ficar um à frente do outro numa distância de 10 a 15 cm. É bom visualizar todo o auditório, saudar o auditório com a voz e com o olhar. A voz é o principal recurso que o orador possui, por isso, nunca baixe a cabeça quando está falando e, aconselhável que as mãos estejam na altura da cintura, facilita os gestos.
2.5-A entonação da voz
Quando se faz um discurso, usando sempre a mesma entonação e ritmo da voz, sem dar vida às palavras, com certeza será um orador chato, com um discurso monótono, que ter como consequência o aborrecimento do público. Também, não é preciso exagerar, basta falar com naturalidade, modulando a voz, pois, se falar baixo demais, as pessoas hão o escutarão e desviarão a atenção e, se falar alto demais logo estará cansado e o público irritado com aquela “gritaria”, por isso, combine a modulação e continuarás com a atenção do público;
2.6-A velocidade da voz
Assim como a entonação é importante, a velocidade da voz também, de maneira que não se deve falar rápido demais porque criará um sentimento de inquietação no público e, nem devagar demais ou deixando pausas muito longas entre uma palavra e outra, a não ser quando a pausa tem um significado especial, você faz urna pergunta e, antes de dar a resposta deixa uma pausa para que os ouvintes reflitam e em penem na resposta — Onde estão os assassinos dos trabalhadores rurais? (pausa) estão soltos, impunes, como nada tivessem feito, etc…;
2.7 – O tipo de frases
Use sempre frases curtas e claras. Evite o uso de parágrafos longos e complexos demais. Por vezes nos perdemos com frases longas e no final nem nós mesmos sabemos o que dissemos e acabamos por não concluir aquilo que queríamos dizer.
É aconselhável usar palavras simples, porém não simplista, adaptadas à compreensão de todo o público. Sempre que usarmos uma palavra técnica ou complexa, precisamos explicá-la, pois, o importante não é demonstrar que sabemos, mas sim, nos fazer entender para que a mensagem seja transmitida e assimilada;
2.8 – A linguagem
Sempre que o público for de trabalhadores, procure usar urna linguagem popular. Ditos populares, contos e histórias, episódios, etc. podem ser usados e enriquecem o discurso, pois o público estabelece relação entre uma coisa e outra e grava a mensagem. Por isso, é importante ter referências, as características do público para o qual você irá falar, fale da realidade e sobre a realidade deles, como forma de conscientizá-los e transmitir a mensagem política. É bom tomar cuidado com as teorias e abstrações, procurando falar com exemplos, comparações, por exemplo: ao invés de dizer alimento, diga arroz, feijão, carne; ao invés de dizer animais, diga vaca, porco, etc.
Se não podemos tocar, sentir, cheirar e ver as palavras que utilizamos, o público poderá achar um bonito discurso, mas, se recordarão de muito pouco da mensagem. As pessoas devem sentir-se parte daquilo que você está falando. Cuidado também, com os cacuetes como: né; entende; certo; correto, etc. Essas repetições tornam o discurso cansativo e irritante. Se alguém tem, deve se preocupar e procurar corrigi-lo.
3 — Auto-avaliação
A avaliação do desempenho no discurso é importante e necessária. Pode ser feita ao término de cada discurso proferido. Busque, peça a opinião dos companheiros (as), pois as críticas, sugestões e observações servem para corrigir deficiências, falhas e aperfeiçoar o discurso e a fala em público. Nunca se preocupe em imitar alguém, cada militante deve buscar seus caminhos, construir seu estilo próprio.
4 – O orador O orador é o elemento ativo que determina o processo do discurso no sistema de direção. Para auxiliar nesse processo de formação e qualificação na arte de falar em público, é importante destacarmos mais alguns elementos:
4.1— Aspectos positivos do orador
a) Possuir conhecimentos profundos na matéria, no assunto que desenvolve no discurso; deve dizer algo novo, que o auditório ainda não sabia;
b) Ter claridade e firmeza nos objetivos políticos da organização que participa e/ou da luta que está desenvolvendo;
c) Ter sempre um nível e quantidade de informações superiores ao nível do público;
d) Atuar com desenvoltura na tribuna, com boas qualidades vocais, gestos e cultura de linguagem;
e) Habilidades necessárias para reunir materiais para o discurso, organizando-os de acordo com os objetivos da intervenção, preparando com seriedade o discurso, deixando de lado o improviso;
f) Reagir corretamente diante da conduta do auditório, procurando estabelecer uma relação recíproca;
g) Facilidade de concentração e desenvolvimento do raciocínio lógico e claro na exposição.
4.2 -Aspectos negativos de um orador
a) Pedir desculpas por não estar preparado; por ser mal discursador; por ter pouco tempo, etc.;
b) Demonstrar insegurança e despreparo;
c) Demonstrar prepotência;
d) Desprestigiar o público, o auditório;
e) Usar intencionalmente palavras e termos difíceis que o público não entende;
f) Dizer verdades que já são conhecidas por todos;
g) Começar o discurso assim: Não sei se vocês poderão compreender ….; Não sei se vocês estão suficientemente preparados para entender.
Companheiros (as), esses são alguns elementos que podem e devem contribuir com a prática, com a arte de falar, de se comunicar em público. Com certeza, existem outros elementos e inclusive formulados por quem domina o assunto, mas, esse subsídio pretende ser uma contribuição a partir de estudos e análises que tivemos a oportunidade de participar e fazer.
Como dissemos no início, não se trata de receita, trata-se de orientações que podem qualificar a atuação da militância e tornar mais eficiente a nossa relação com a massa. Cada um deve buscar construir o seu próprio caminho, seu próprio estilo no ato de se comunicar com a base, tendo clara a importância de buscarmos cada vez mais a eficácia e a auto-superação na prática do discurso e da comunicação em público.
Para tanto, exercite bastante, treine sempre que tiver oportunidade, faça sempre de forma planejada, consciente, com maturidade para, além de ser um excelente orador, ter também a habilidade para ser um bom ouvinte.
Adelar João Pizetta
Jacareí, outubro 2000