Zuleika Alambert – A Declaração de 1958 e o Trabalho Entre os Estudantes

Texto publicado em 1 de julho de 1960, na revista Novos Rumos.

Transcrição por Andrey Santiago.


A tese do XX Congresso do PCUS de que o socialismo ultrapassou os limites de um só país e se transformou em sistema mundial triunfante e irreversível abriu para toda a humanidade um novo capítulo na história de suas lutas e conquistas.

Os PP.CC e Operário do mundo inteiro, em maior ou menor escala, viram os esquemas políticos em que baseavam sua ação serem abalados ante o impacto causado por aquela transcendental formulação teórica. Todos eles, sem exceção, baseavam-se até naquele momento numa situação que vinha se tornando superada desde o início da 2º após-guerra e onde as forças da paz, da democracia e do socialismo consideradas mais fracas, segundo pensamento predominante, só podiam agir como fator influente e nunca determinante nos acontecimentos.

A mudança de qualidade na correlação de forças, que até hoje muitos finge ignorar ou não a perceberam, era um convite obrigatório ao reexame das posições táticas e estratégicas adotadas pelos PP.CC e Operários no mundo inteiro.

Os que acompanharam com atenção os debates que se travaram na imprensa mundial comunista naquele período podem afirmar: em todos os PP.CC sem exceção surgiram duas tendências claras e definidas. De um lado, a dos que já vinham se batendo há algum tempo pelo reexame das referidas posições, a fim de pô-las em harmonia com a nova situação surgida no mundo. De outro, a dos que, diante dos novos fenômenos internacionais, permaneceram intransigentes na defesa dos velhos esquemas.

É claro que entre a primeira e a segunda tendência não faltaram os tradicionais pescadores de águas turvas… O mesmo sucede entre os comunistas brasileiros.

A Declaração Política lançada em março de 1958 foi o primeiro passo sério e positivo no sentido de solucionar a contradição existente entre nós. Outros documentos anteriormente tornados públicos como “A situação política e nossas tarefas atuais”, a “Carta de Prestes” sobre os debates, a posição política de certos camaradas dirigentes, etc. não passaram de atitudes unilaterais que mais males do que bem causaram ao movimento comunista em nosso país. Todas elas tinham o selo prejudicial do dogmatismo que quer solucionar as contradições não à base da pesquisa científica dos caminhos que conduzem a isso, mas à base pura e simples da liquidação das mesmas através de soluções de força.

Rompendo com uma concepção política errada a Declaração foi a primeira tentativa honesta embora bastante difícil de elaborar o esquema da revolução brasileira com seus objetivos finais e os prováveis caminhos para alcança-los partindo de nossos próprios conhecimentos, esforço e capacidade.

É possível que ao empreender tão árdua tarefa tenhamos cometido erros em virtude do grau ainda bastante fraco do nosso conhecimento da realidade brasileira. E, portanto, à base de novos conhecimentos mais recentemente adquiridos correções tenham que ser introduzias àquele documento.

As “Teses para a Discussão” tentam iniciar este processo. Ajudemo-lo com o conhecimento teórico que cada um possui em maior ou menor dose, mas não esqueçamos aquela verdade secular: há muito São Tomé espalhado pelo mundo, e, para eles, o que vale são os fatos…

Com este espírito entro no debate.

***

É sabido que os moços, mais do que ninguém, são sensíveis aos movimentos de renovação e às mudanças, que ocorrem no meio em que vivem. Os estudantes comunistas como jovens não poderiam escapar à regra geral. Desde o primeiro instante estiveram sempre nas primeiras fileiras do que se bateram ardorosamente pela adoção de uma nova política para o movimento comunista. Estavam certos de que isso abriria um caminho mais vasto para sua ação no meio dos estudantes brasileiros.

Podemos afirmar que para eles a busca de uma nova orientação política começou a partir de 1955 quando já na prática passaram a adotar novas posições que embora se chocando a diretiva geral do nosso Programa, aproximava-os mais e mais das massas estudantis.

Levou-os a isso a amarga experiência colhida na atividade sectária desenvolvida entre os anos de 50-54 e que se baseava no Manifesto de Agosto e, posteriormente, no Programa.

Que se dizia em essência naqueles documentos? Que eram tarefas imediatas para todos os comunistas o desencadeamento da revolução agrária e anti-imperialista no país, a substituição do governo de latifundiários e grandes capitalistas por um Governo Democrático de Libertação Nacional, à base da construção da mais ampla frente única anti-imperialista e antifeudal.

Traçando tarefas acima das possibilidades imediatas de nosso povo, procurando forjar a frente única que tínhamos adrede preparada na cabeça que fizemos no movimento estudantil? Contribuímos acentuadamente para dividi-lo em comunistas e “reacionários” denominando deste último modo todos os que resistiam a se enfileirar no nosso lado na luta pela derrubada do governo. O resultado foi desastroso. Ante a impossibilidade de ganhar adeptos para uma tal política dentro das escolas e das organizações estudantis, retirávamos nossos companheiros, estudantes do meio em que deveriam viver para fazê-los trabalhar nas portas das fábricas ou nos bairros, como meros grupos de agitação. Muitos chegaram mesmo a abandonar os livros e bancos escolares. Procuraram trabalho nas fábricas com o objetivo de se “proletarizar”. Transformados em péssimos estudantes e maus defensores dos interesses estudantis, apareciam nas escolas às vésperas dos pleitos eleitorais como ilustres desconhecidos, procuravam participar das mesmas formando ao lado daqueles que tinham o “alto privilégio” de compreender nossa linguagem e nosso programa “pretensamente” revolucionários, mas que impediam qualquer ação prática concreta em benefício da revolução brasileira.

Foi o período áureo das lutas de grupos dentro das escolas.

Modestamente, saudemos os estudantes comunistas que a partir de 55, por cima de qualquer direção, ou “diretiva do alto”, resolveram por fim ao descalabro que vinham se afundando.

Alertados pelo avanço geral da frente única nacionalista e democrática que se vinha forjando no país, sobretudo a partir de 24 de agosto de 54 e com contornos mais claros depois de 56, e por suas próprias experiências, passaram a adotar uma linha de conduta onde a unidade era o traço principal. O divisor de águas a base do comunismo e das altas tarefas que tínhamos na cabeça foi substituído por algo menos fantasmagórico para o momento e que nasciam da própria realidade nacional: nacionalismo e democracia. Estava assim dado o primeiro passo para a unidade dentro das escolas. E entre outros fatores foi graças a ele que em 1956 o movimento estudantil brasileiro reingressou na trilha de suas gloriosas tradições patrióticas e democráticas.

Quando ia mais aguda a luta de opiniões entre os comunistas, nossos companheiros estudantes, balanceando os resultados colhidos com a mudança de sua tática, apesar de toda a confusão política, teórica e ideológica que então se revelava em nossa imprensa, deram novos passos no sentido de precisa-la melhor. Diziam então: “Nossa tática em geral no movimento estudantil deve ser uma tática de unidade de ação de trabalho com todos, acima de grupos ou organizações, objetivando unir os estudante em torno de suas entidades. Só assim e mantendo a nossa independência poderemos contribuir para ajudar a incorporar os estudantes na frente única nacionalista e democrática. É uma tática que nos permite, trabalhando com todos levar-lhes palavras de ordem de acordo com a compreensão e alcance das forças que compõem a frente única.

A publicação em 1958 da “Declaração Política” constituiu importante passo no processo da formulação da nossa tática no movimento estudantil. Esse importante documento, além de confirmar a justeza das posições que vinham sendo adotadas pelos estudantes comunistas, forneceu novos elementos para a sua ampliação. Infundiu-lhes novas energias.

Dizia-se naquele documento: “Como o setor mais combativo da intelectualidade, o movimento estudantil tem dado importante contribuição às lutas do povo brasileiro. A unidade dos estudantes das mais diversas tendências doutrinárias e políticas é um fator essencial para o fortalecimento das organizações estudantis universitárias e secundárias, que tem sido baluarte da frente única nacionalista e democrática”.

Apoiados nesse documento nossos jovens companheiros chegaram a novas constatações. Ficou evidente para eles que, apesar das grandes vitórias obtidas em 56 persistia ainda em muitos camaradas a tendência sectária como resquício da linha adotada de 50-54. Haja visto o apoio dado por certos camaradas à ideia de se organizar a Mocidade Nacionalista Brasileira, que felizmente morreu antes de nascer. Novos pontos ficaram então esclarecidos. “A política de unidade significa sobretudo uma posição de independência nossa em face dos mais variados grupos políticos que atuam no movimento estudantil, compreendendo que todos eles podem ser unificados pois possuem pontos comuns em seus programas. Agindo assim será isolado o pequeno grupo mais reacionário e entreguista, e as forças mais vacilantes que em geral pendem para o lado que tem mais força e melhores argumentos aderirão ao movimento nacionalista e democrático. Foram então esboçados alguns pontos para ações comuns de envergadura sempre dentro dos temas: nacionalismo, democracia, reivindicações especificas.

Outro importante problema foi então abordado na ocasião: a aplicação de semelhante tática exigia entre outras coisas o crescimento da militância partidária dentro das escolas, a conquista de novos camaradas e amigos com fundas raízes no meio estudantil brasileiro.

O resultado não tardou.

Os estudantes comunistas acolheram a Declaração e as conclusões dela poderiam ser tiradas com vistas a futuras posições em seu setor de trabalho com a alegria e a simpatia daqueles que sempre esperam de boa vontade a transformação em realidade de uma ideia nova.

E se houve um meio onde a nova orientação ganhou corpo e vem se transformando em ação foi entre eles.

Hoje em todo o país é bastante reduzido o número de organizações estudantes que ainda podem ser postas a serviço da reação e do entreguismo. Confirmando a verdade de que o movimento estudantil brasileiro é um dos mais democráticos e patrióticos do mundo está o fato de que todo ele, salvo raras exceções marchas ao lado das forças mais progressistas da nação. Suas atividades enchem as páginas da imprensa brasileira. Sã jornadas patrióticas como as desencadeadas em defesa do Monopólio Estatal do Petróleo, em defesa da indústria nacional, contra os trustes da energia elétrica, contra a remessa de lucros para o exterior; jornadas de solidariedade aos povos que hoje com armas ou não às mãos lutam por sua independência como Cuba, Espanha, Portugal, Argéia, Camerum, etc.; jornadas puramente de interesses estudantil como a batalha que atualmente travam pela Reforma do Ensino e contra o Projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Todas elas mostram de que lado marcha o grosso das entidades estudantis.

A razão do êxito é simples. Não está no fato de que elas estejam dominadas pelos comunistas ou “inocentes úteis” como apregoam os mal-intencionados. Nada disso. É que elas são dirigidas por moços nacionalistas, democratas, patriotas que saíram vitoriosos dos pleitos eleitorais onde as chapas de unidade, organizadas independentemente de ideologia, partidos políticos ou credo religioso, expressam a vontade majoritária no movimento estudantil. Aos comunistas cabe apenas um mérito: haver contribuído sinceramente para a defesa dos interesses estudantis ajudando a unidade entre os estudantes em torno de um programa comum onde o nacionalismo, a democracia e suas reivindicações são o fio condutor.

Com a experiência colhida até agora novos passos devem ser dados. Atualmente estamos convencidos de que as atuais coligações eleitorais podem ser ainda mais amplas, partindo-se do ponto de vista de que no movimento estudantil não há lugar para entreguistas e reacionários. Existem sim interesses pessoais ou de grupos ou apenas equivocados. E a estes devem ser dadas novas oportunidades para provar suas boas intenções concorrendo honestamente para o desenvolvimento da unidade no movimento estudantil.

A mudança de tática no movimento estudantil levou-nos necessariamente à mudança de nossos métodos de trabalho e formas de organização junto aos estudantes comunistas. E ali onde as direções compreenderam esta necessidade cresceu o ativo partidário e se fortaleceram nossas raízes entre a massa estudantil.

Cremos que o que foi dito ainda não é tudo. Falhas e erros ainda persistem entre nós em relação a esse trabalho. São elas oriundas da herança deixada pela antiga linha subjetiva, sectária que permanece agarrada como ostra na cabeça de nossos militantes. Se de um lado a juventude em geral ainda não merece de nossa parte a necessária atenção e respeito, de outro ainda não vencemos o velho e prejudicial preconceito contra os estudantes e a intelectualidade em geral, filho do obreirismo não de todo eliminado de nossas fileiras.

Aqueles que elaboraram as “Teses para a Discussão” começaram a compreender esta verdade e não é por acaso que desdobrando o pensamento da Declaração em relação aos estudantes mostram em diversas passagens de seus numerosos capítulos o papel que hoje desempenham os estudantes dentro da frente única em desenvolvimento.

Os fatos exigem a rápida compreensão da verdade seguinte: já temos uma posição certa dentro do movimento estudantil. Agora resta fundamentalmente colocar o trabalho entre essa camada da população brasileira como ponto de concentração em nossa política juvenil.

Nos países subdesenvolvidos como o nosso, o movimento estudantil constitui um importante fator nas lutas de massas pela democracia e a independência nacional. Assim ocorreu na China. Assim ocorre hoje na Ásia, na África e na América Latina. Ainda repercutem na imprensa mundial o eco das gigantes manifestações de massas dos povos turcos, coreanos do sul e japonês, onde uma boa parte e quase sempre a parte iniciante foram os estudantes.

E isso não ocorre por acaso. Em tais países, dado o atraso geral, são os estudantes que dispõem de melhores meios para sentir e avaliar os acontecimentos em marcha. E também porque nesses países eles, em sua maioria, pertencem à burguesia ou à pequena burguesia, que quer se livrar do imperialismo que as oprime e impede sua expansão.

Por seu lado os imperialistas ao privar os povos dos direitos mais elementares inerentes à pessoa o humana, o que atinge indistintamente, acarretam sérias consequências ao ensino, à cultura, que tão diretamente interessa aos estudantes: impedem a ampla cooperação cultural técnico-científica entre os povos, denigrem a cultural nacional, impõem às universidades programadas de ensino inteiramente alheios às necessidades nacionais.

Os estudantes brasileiros não poderiam fugir à regra geral.

Suas posições patrióticas, democráticas, ao lado das grandes causas de nosso povo, prolonga-se em todo o curso de nossa história. Atravessam o Brasil colônia, o Brasil império, projetam-se pelo Brasil república, estendem-se pelo Brasil moderno.

A compreensão deste ponto é fundamental para vencermos o que agora ainda dificulta nossa ação entre os estudantes brasileiros: a subestimação de seu importante papel dentro da frente única.

O resto? Sim, o resto é consequência.

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