O maoísmo está presente, pelo menos em nome, desde a metade de 1940. Diversas tentativas foram feitas para elevar o Pensamento de Mao Tsé-Tung ao nível de um “-ismo”, muito para o desprazer de Mao. Em 1948, em uma correspondência com Wu Yuzhang, o então presidente da Universidade Norte da China, ele recusou ter seu nome listado ao lado de Marx, Engels, Lênin e Stálin, escrevendo, “não existe maoísmo”. Em 1955, em uma conferência foi sugerido novamente elevar o Pensamento de Mao Tse-Tung para o Maoísmo. Mao simplesmente respondeu, “O marxismo-leninismo é o tronco da árvore; eu sou apenas um galho.” Isso não foi apenas modéstia, isso foi dialético.
O que há em um nome?
Sustentar o Maoísmo significa sustentar a teoria e prática de Mao Tsé-Tung como um novo, estágio superior do desenvolvimento da ciência socialista. O historiador Hu Angang descreve essa tendência maoísta como precursora do culto à personalidade que iria emergir em torno de Mao nos eventos que levaram a Grande Revolução Cultural Proletária. Nas décadas após a morte de Mao, entretanto, o maoísmo recebeu um apropriado tratamento cientifico e uma completa sistematização. O principal exemplar disso e o predecessor ideológico da maioria dos partidos maoístas de hoje em dia foi o Movimento Revolucionário Internacionalista (MIR). A publicação de sua declaração, “Viva o Marxismo-Leninismo-Maoísmo!”, é considerada por muitos o momento em que o Maoísmo foi cristalizado enquanto teoria, tomando a experiência não só do Partido Comunista da China, mas também de outros partidos como o Partido Comunista do Peru, o primeiro a liderar uma revolução utilizando a teoria Marxista-Leninista-Maoísta.
Para examinar o Maoísmo enquanto um -ismo, precisamos primeiro entender o “rompimento” teórico e prático que fazem do Maoísmo um estágio supostamente superior. Eu irei agora citar alguns grandes trechos do texto “Viva o Marxismo-Leninismo-Maoísmo!”:
Mao Tsé-Tung elevou o Marxismo-Leninismo a um novo e superior estágio, no decurso das suas muitas décadas de liderança da Revolução Chinesa, da luta internacional contra o revisionismo moderno e, acima de tudo, na descoberta, na teoria e na prática, do método da continuação da Revolução sob a ditadura do proletariado para prevenir a restauração do capitalismo e continuar o avanço rumo ao comunismo. […]
Mao Tsé-Tung desenvolveu de uma forma global a ciência militar do proletariado, através da sua teoria e prática da Guerra Popular. […]
Mao resolveu o problema de como fazer a Revolução num país dominado pelo imperialismo. […] Isto significa Guerra Popular prolongada […]
Mao Tsé-Tung desenvolveu de forma significativa a filosofia do proletariado, o materialismo dialético. Em particular, salientou que a lei da contradição, a unidade e luta dos contrários, é a lei fundamental que rege a Natureza e a sociedade. Assinalou que a unidade e identidade de todas as coisas é temporária e relativa, enquanto que a luta entre os contrários é constante e absoluta, e que isso dá origem a rupturas radicais e saltos revolucionários. Aplicou magistralmente esta concepção à análise da relação entre teoria e prática, salientando que a prática é simultaneamente a única fonte e o derradeiro critério da verdade, e dando ênfase ao salto da teoria para a prática revolucionárias.
Mao Tsé-Tung alargou a compreensão do conceito de que “o povo e só o povo é a força-motriz da história mundial”. Desenvolveu a compreensão da linha de massas […]
Mao ensinou-nos que o Partido deve tomar a posição de vanguarda – antes, durante e depois da tomada do Poder […] Aumentou a compreensão do modo de preservar o carácter revolucionário proletário do Partido através da luta ideológica ativa contra as influências burguesas e pequeno-burguesas nas suas fileiras […]
Em resumo, de acordo com o MIR, o maoísmo ensina que: 1) No socialismo há uma sociedade de classes e então a luta de classes e a revolução continuam sob a ditadura do proletariado; 2) A Guerra Popular é uma estratégia universalmente aplicável e necessária para o sucesso da revolução; 3) O partido deve seguir o método da linha de massas de liderança e se tornar um partido de massas; 4) A luta contra o revisionismo tomará lugar dentro do partido. Deixando de lado agora a questão sobre se são teorias corretas ou incorretas, deve se perguntar primeiro: porque Mao insistiu que “não existe maoísmo”, que o Pensamento de Mao Tsé-Tung era apenas “um galho” na árvore do Marxismo-Leninismo? Porque nada verdadeiramente novo foi criado pelo Pensamento de Mao Tsé-Tung, não existe rompimento.
Refinamento
As próprias teorias não foram elaboradas antes de Mao começar a formular sobre elas, isto é claro, mas o fundamento delas é inerente ao Marxismo-Leninismo. As teorias de Mao surgiram não como o resultado de algum novo desenvolvimento das condições objetivas do mundo e sua análise subsequente, mas sim da aplicação do Marxismo-Leninismo para as condições objetivas do semi-feudalismo em geral e do semi-feudalismo, semi-colonialismo chinês em particular.
As teorias de Mao são também anti-revisionistas, criticando as linhas revisionistas dentro do Partido Comunista da China e, depois, o revisionismo kruschevista da União Soviética. Ele escreve:
Isso significa que existem casos em que as ideias, teorias, planos e projetos, tal como tinham sido originalmente elaborados, não correspondem em parte ou no todo à realidade, resultam parcial ou totalmente errados. Em muitos casos, só depois de falhas repetidas se consegue eliminar o erro, obter a correspondência com as leis do processo objetivo e transformar assim o subjetivo em objetivo, quer dizer, chegar na prática aos resultados esperados. Em todo o caso, é nesse momento que o movimento do conhecimento pelos homens de um processo objetivo determinado, num grau determinado do seu desenvolvimento, pode considerar-se acabado.
Acontece frequentemente, porém, que as ideias se atrasam em comparação com a realidade. Isso dá-se porque o conhecimento humano está limitado por várias condições sociais. Nós lutamos contra os obstinados nas fileiras revolucionárias porque as suas ideias não seguem o ritmo das modificações da situação objetiva, o que na História se tem manifestado sob a forma de oportunismo de direita.
Nós lutamos igualmente contra os fraseadores de “esquerda”. As suas ideias aventuram-se para lá de uma etapa determinada do desenvolvimento do processo objetivo; uns tomam as suas ilusões por realidades, outros tentam realizar à força, no presente, ideais que só são realizáveis no futuro.
No Pensamento de Mao Tsé-Tung não encontramos novos desenvolvimentos, mas sim novos refinamentos e aplicações das teorias existentes. Sua elaboração em relação a concepção materialista dialética do conhecimento não é nova de modo algum. Ele está se baseando totalmente em Marx, Engels e Lênin que vieram antes dele. Embora o MIR dê a Mao os créditos dessas teorias, é o próprio Mao que no texto “Sobre a Contradição” aponta que Lênin foi quem a tempos atrás definiu a dialética como “o estudo da contradição na própria essência dos objetos”, e se referiu a lei da unidade dos opostos como o “núcleo” da dialética. Além disso, nós podemos achar tudo desde “As Duas Concepções do Mundo” até a lei da transformação da quantidade em qualidade no livro “A Dialética da Natureza” de Engels.
Qualquer estudo sério sobre o marxismo, iria concluir as mesmas coisas. Nenhum novo desenvolvimento deu ascensão às contribuições de Mao. Ele está mais do que qualquer coisa, concordando com o conselho de Stálin e reiterando “as chamadas “geralmente-conhecidas” “verdades” do Marxismo, de modo a “educar [os camaradas] no marxismo-leninismo.” Assim, as teorias de Mao são corretamente consideradas um pensamento anti-revisionista, não um -ismo.
Qualidade e Quantidade
Mao examina a concepção materialista dialética do conhecimento no texto “Sobre a Prática”, explicando que todo conhecimento racional e o pensamento correto é resultante primeiro sob a experiência e percepção direta, depois sob a cognição. “O conhecimento racional depende do conhecimento perceptivo e o conhecimento perceptivo permanece a ser desenvolvido em conhecimento racional.” Antes de qualquer conceito ser sintetizado, deve haver o conhecimento perceptivo do mundo objetivo. E depois de haver a concepção, ela deve ser testada, para “apenas quando as informações de percepção estão bastante ricas (não fragmentadas) e correspondem a realidade (não são ilusórias) é que elas podem ser a base para formulação das corretas concepções e teorias”. Ao fazer isso, ele elucida a lei da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa, onde uma mudança quantitativa leva a uma mudança qualitativa.
Ele traz a comprovação dessa lei no desenvolvimento histórico do Marxismo, no texto “Sobre a Contradição” ao notar que “Em resultado de toda uma série de Estados europeus, ao longo do seu desenvolvimento econômico-social, terem entrado na fase de um capitalismo altamente desenvolvido, e de as forças produtivas, a luta de classes e a ciência, terem atingido um nível de desenvolvimento sem precedente na História, e ainda em resultado de o proletariado industrial ter se transformado na maior força motriz da História, nasceu a concepção materialista-dialética, marxista, do mundo.” Ele expande isso além no texto “Sobre a Prática”:
“O Marxismo só podia ser produzido pela sociedade capitalista. Na época do capitalismo liberal, Marx não podia conhecer concretamente, de antemão, certas leis próprias da época do imperialismo, dado que o imperialismo, estado supremo do capitalismo, ainda não tinha feito a sua aparição, e faltava a prática correspondente; só Lênin e Stálin puderam assumir essa tarefa. Marx, Engels, Lênin e Stálin puderam criar a sua teoria não só em razão do seu gênio, mas, sobretudo, porque tomaram pessoalmente parte na prática, correspondente a essa época, da luta de classes e das experiências científicas; sem essa última condição, nenhum gênio teria conseguido chegar ao sucesso.”
Por “essa época”, se tem como significado as condições objetivas do mundo no período em que eles estavam estudando. Ambos Marx, Engels, Lênin e Stálin fizeram legítimos rompimentos por que eles começaram a analisar um período totalmente novo.
No tempo de Marx e Engels, uma concepção materialista dialética, cientifica, não existia ainda, nem uma análise materialista do capitalismo havia sido feita. O mais próximo disso no seu tempo era o idealismo de Hegel e o materialismo mecânico burguês do século XVII e XVIII. Porém, no século XIX, com a revolução industrial chegando a um fim, grandes fábricas industriais e moinhos sendo erguidos por um exército de proletários. Pequenos produtores artesanais finalmente sendo extinguidos e com eles muitos dos últimos vestígios ideológicos e econômicos do feudalismo na Europa Central e Ocidental. Novas condições objetivas surgiram, de modo que a ideologia dos séculos passados não conseguia compreender a realidade e se necessitava de uma nova ruptura teórica. “Sem essa condição”, escrevia Mao, “Nenhum gênio teria conseguido chegar ao sucesso.” Sua ruptura teórica, a cristalização do materialismo histórico e dialético, só foi possível graças ao fato de que Marx e Engels estavam estudando o capitalismo na era do capitalismo, a ciência na era da ciência.
Mas Marx e Engels, em sua época, estudaram um tipo diferente de capitalismo que Lenin e Stalin tiveram sua prática. Na época de Lênin e Stálin, o imperialismo surgiu e o capitalismo foi transformado qualitativamente; então, uma nova ruptura teórica em continuidade com o Marxismo de Marx e Engels foi preciso para fazer o materialismo dialético corresponder novamente com as leis objetivas desse novo estágio. Nós devemos notar que o imperialismo surgiu em acordo com a lei da transformação da quantidade em qualidade. O capitalismo esteve sob uma mudança quantitativa com o aumento da concentração da produção que resultou na ascensão do capital financeiro, uma mudança qualitativa. (Por isso que as primeiras trinta páginas do livro “Imperialismo” de Lênin são apenas estatísticas, i.e. quantidades). Assim é correto declarar que o leninismo surgiu da e na era do Imperialismo e isto é uma ruptura em continuidade com o Marxismo porque trouxe o Marxismo de volta a concordância com as leis objetivas do novo estágio imperialista do capitalismo.
O maoísta J. Moufawad-Paul entretanto, vai contra isso em seu livro “Continuidade e Ruptura”, chamando a conclusão de Mao de “pseudociência” (embora ele não credite a Mao essa conclusão, ele dá esses créditos ao Novo Movimento Comunista). Ele escreve:
O fato de que o velho “maoísmo” não conseguia pensar além dos limites do marxismo-leninismo foi demonstrado pela formula clichê de que o leninismo era o “marxismo da era imperialista”. Tal formula… era ultimamente não-científica.
O primeiro problema com essa formulação é que ela empobrece o leninismo. […] O leninismo se torna então um fenômeno importante pelo seu tempo… não por conta de sua teorização que produziu em relação a esse tempo. A formulação… não explica nada sobre si mesma ao se reduzir a noção não-científica de zeitgeist.
O segundo problema… é que falha ao reconhecer que o imperialismo existiu antes de Lênin e que o marxismo de Marx e Engels era também o “marxismo da era imperialista”, mas claro, uma diferente era do imperialismo.
Neste sentido, o maoísmo poderia ser chamado do comunismo da era socialista.
Parece que Moufawad-Paul esqueceu completamente da lei de transformação de quantidade em qualidade. Se não, ele intencionalmente destruiu seu próprio argumento com a própria sentença que constrói ele.
Ele nota que o imperialismo realmente existiu anteriormente, mas admite que ele existiu em outra forma. “Mas claro”, ele escreve, “A discussão de Lênin sobre o imperialismo é um exame do imperialismo transformado pelo capitalismo”, i.e. o imperialismo que passou por uma transformação qualitativa desde o período de Marx e Engels. Ao reconhecer isto e mesmo assim negar o início de um imperialismo distinto do tempo de Marx e Engels, ele joga a lei da transformação da quantidade em qualidade aos céus.
Vemos isto novamente quando ele declara que: “as revoluções socialistas alteram o significado do imperialismo global.” Realmente, isto é verdade, mas até o momento, as revoluções socialistas só alteraram o imperialismo quantitativamente. Poucas nações libertadas ou blocos independentes não mudaram qualitativamente de modo algum a natureza ou a função do imperialismo capitalista. É claro o suficiente que estamos em grande parte na mesma era que Lênin e deste modo não há base para uma nova ruptura teórica. Todas as análises desde Lênin e Stálin até este ponto somente operaram dentro do panorama do leninismo e dentro das condições objetivas do imperialismo.
Além disso, Moufawad-Paul, apesar de negar o socialismo existente (e assim trazendo um fim a era do socialismo), diz que o maoísmo pode ser considerado neste sentido um produto da “era socialista”. Quanto, eu devo perguntar, aconteceu essa era socialista? Se nasceu junto do primeiro estado socialista, Lênin e Stálin não tiveram sua prática nesta era socialista também? Seus desenvolvimentos teóricos e práticos não operaram também na era do socialismo? Se este é o caso, então “Sobre os Fundamentos do Leninismo” pode ser compreendido enquanto cristalização do marxismo-leninismo enquanto o marxismo da era imperialista e da era socialista. E assim deve ser de acordo com a dialética da continuidade e ruptura.
De novo, deve ser também constatado que Mao não teve rupturas teóricas com o entendimento marxista do socialismo, já que Lênin e Stálin também entendiam que no socialismo haveria uma sociedade de classes. Por exemplo, no livro “Estado e Revolução”, Lênin afirma: “O proletariado necessita do poder de Estado, de uma organização centralizada da força, de uma organização da violência tanto para reprimir a resistência dos espoliadores como para dirigir a imensa massa a população, o campesinato, a pequena-burguesia, os semiproletários, na prática da “organização” da economia socialista. Ao educar o partido operário, o marxismo educa a vanguarda do proletariado , capaz de tomar o poder e de conduzir todo o povo ao socialismo, de dirigir e de organizar uma nova ordem.” Assim vemos sua concepção do maoísmo enquanto uma ruptura teórica cair aos pedaços perante as vastas teorizações de Lênin e Stálin, especialmente durante o período que leva a Revolução de Outubro rumo ao caminho do desenvolvimento socialista.
O entendimento de Lênin em relação ao Estado novamente dá luz sobre o fracasso dos maoístas ao reivindicar e compreender a lei da transformação da quantidade em qualidade. Já, que o Estado muda qualitativamente de uma ditadura burguesa para uma ditadura proletária, a fundação de toda a ideologia burguesa é gradualmente retirada dela, primeiramente com um grande puxão (revolução) e depois gradualmente até o eventual desaparecimento total da produção capitalista e sua substituição pela produção socialista. Ao entender isso, tão bem como, Stálin ao apontar que “a história do desenvolvimento das sociedades é acima de tudo a história do desenvolvimento da produção”, podemos compreender que a continuidade da revolução durante a ditadura do proletariado é completamente desnecessária.
A burguesia continuou com a revolução contra o feudalismo depois deles já terem emergido enquanto vitoriosos? Não. O feudalismo sofreu sua grande derrota pelas mãos dos jovens capitalistas e foi eventualmente relegado a história pelo inevitável desenvolvimento do capitalismo. A presença das classes feudais no capitalismo forma uma contradição, mas não é uma contradição antagônica. “A diferença em si é contradição.” diz Mao. “A questão é de diferentes tipos de contradição, não da presença ou ausência de contradição. … ao contrário da contradição entre trabalho e capital, não se tornará intensificado em antagonismo ou assumirá a forma de luta de classes.”
À medida que o desenvolvimento socialista avança, a pequena quantidade de produtores burgueses será reduzida, assim como os senhores feudais, à impotência e finalmente à morte, levando consigo o que resta da superestrutura ideológica burguesa. Pela diminuição de seu número e produção econômica, eles terão sido transformados qualitativamente em uma classe sem intensa oposição antagônica ao proletariado. O mesmo se aplica ainda mais aos camponeses e semi-proletários.
Maoístas como Moufawad-Paul insistem, contra as advertências de Stalin, que o partido do proletariado deve ser um partido de massas para eliminar o preconceito. O que eles não entendem é que, como o preconceito é um produto do capitalismo, ele também será gradualmente destruído simplesmente porque é incompatível com o novo sistema socialista. Moufawad-Paul está correto ao dizer: “A classe está sempre vestida com as roupas da opressão” e que “nunca há um caso de luta de classes puramente abstrata que seja despojada de seus enfeites ideológicos”, mas ele está errado ao dizer que, desde “O capitalismo nunca foi um modo de produção puro” (afirmação revisionista de Louis Althusser), a “instância final ”dos efeitos persistentes do capitalismo na superestrutura ideológica“ nunca chega”, de que a ideologia burguesa não irá ou não poderá eventualmente desaparecer.
Moufawad-Paul usa os poucos remanescentes da ideologia feudal do capitalismo para demonstrar os efeitos duradouros da hegemonia de classe na ideologia, mas falha novamente em ver as transformações qualitativas que ocorreram. As armadilhas ideológicas remanescentes do feudalismo sobreviveram apenas porque serviram aos interesses da burguesia agora em ascensão. Mesmo assim, há muito se observa que toda tradição e ideologia caíram na busca pelo lucro.
Deve-se perguntar: qual é a utilidade do preconceito, do racismo, sexismo, homofobia, transfobia etc. para o proletariado? O proletariado não tem sua própria sobrevivência de classe investida na exploração de outra classe e, portanto, não precisa de justificativas ideológicas para opressão e exploração. Que atitudes reacionárias que certamente veremos sobreviver à revolução morrerão tão certamente quanto a base econômica desse pensamento reacionário se desintegrar. Negar isso é negar a própria possibilidade do comunismo.
Todas as Lições Erradas
A última questão que precisa ser respondida é a afirmação do maoísmo de universalidade e necessidade. É claro que o método da linha de massas de liderança e a Guerra Popular são úteis. Mas o simples fato de que revoluções tiveram sucesso nas mesmas condições objetivas que a Revolução Chinesa (a era do imperialismo e do socialismo) sem necessitar destes métodos e estratégias prova que elas não são pré-requisitos para uma revolução.
Isso torna o maoísmo distinto de linhas de pensamento semelhantes. O pensamento de Mao Tsé-Tung, o pai ideológico do maoísmo, não é por si só tão único. Linhas como o Fidelismo e o Pensamento de Ho Chi Minh existem e provaram ser tão bem-sucedidas quanto as teorias de Mao, se não mais. Por que, então, não existem “Ho-Chi-Minhistas”? Onde estão os grandes movimentos internacionais que sustentam o “castrismo” como o terceiro estágio da ciência marxista? O que diferencia o fenômeno maoísta? A diferença é que o ultra-esquerdismo chinês surgiu em oposição ao oportunismo soviético e se enxertou no movimento comunista mundial devido a importância da divisão sino-soviética (da mesma maneira que o trotskismo deixou sua marca para sempre, não por seu sucesso na prática mas pela expulsão de Trotsky do Partido e à ascensão e queda da Quarta Internacional).
Como os trotskistas, os maoístas aprenderam todas as lições erradas da experiência histórica do pensamento de Mao Tsé-Tung. Eles foram cegados pelas críticas de Mao à União Soviética e, por isso, se apegam dogmaticamente a uma mentalidade pós-divisão desatualizada. Mao estava certo ao se opor ao revisionismo de Kruschev, mas sua teoria dos Três Mundos estava incorreta e ele estava terrivelmente errado ao apoiar idiotas, carniceiros e anticomunistas da CIA em todo o mundo por nenhuma outra razão senão se opor à União Soviética. A crença moderna na “degeneração” de todos os estados socialistas realmente existentes, o “social-imperialismo” soviético e, para alguns, a descida ao derrotista terceiro-mundismo demonstram a cicatriz de uma defensividade pós-divisão.
Essa tendência sectária e ultra-esquerdista se manifestou claramente no culto à personalidade que se formou em torno de Mao e sobrevive hoje na crença no “imperialismo” chinês e na “restauração capitalista”. Isso é ilustrado ainda mais na atividade sectária e destruidora de tantas organizações da Guarda Vermelha Ocidental. Mas, de longe, o pior do maoísmo foi demonstrado no extremo dogmatismo e culto do Partido Comunista do Peru, que iluminou seu Sendero Luminoso com as chamas das embaixadas cubanas, soviéticas e chinesas que destruíram em ataques terroristas sem sentido.
A parte triste é que Mao viu isso acontecer. Ele lutou contra todas as tentativas de elevar o pensamento de Mao Tsé-Tung ao maoísmo ou a seus pensamentos literais. Ele proibiu a nomeação de ruas e edifícios em sua homenagem, rejeitou a idolização e incentivou críticas a si próprio e a suas políticas em todos os níveis do Partido e do trabalho governamental.
“Homens não são sábios”, disse ele. “Até os santos cometem erros.” Como em todas as coisas, devemos analisar criticamente os sucessos e fracassos de Mao, assim como ele incentivou a maior parte de sua vida. Devemos rejeitar o que está errado e perseguir o que está certo. Nós devemos ser objetivos. Devemos rejeitar todo dogmatismo e cultismo. Devemos rejeitar o maoísmo, assim como o próprio Mao rejeitou.
Texto originalmente escrito por Ned Isakoff, para o site Armed with a Pen.
Disponível em inglês, neste link.
Tradução por Andrey Santiago.